Todos pela nova presidente
Manuella Curti de Souza, do Grupo Europa, escolheu o caminho do apoio coletivo para superar a falta de experiência e acelerar o crescimento da empresa
Inexperiência costuma ser um fator de alto risco para a liderança de um negócio. O antídoto existe e foi testado na prática por Manuella Curti de Souza, presidente do Grupo Europa, fabricante de purificadores de água e principal marca no segmento.
Em 2010, aos 26 anos, ela assumiu a direção em uma situação de crise aguda vivida pela empresa e pela família. Não havia tempo para refletir e avaliar os prós e os contras. Como define de forma pragmática, ao assumir a presidência, “fIz o que precisava ser feito”.
Manuela havia terminado os estudos há dois anos quando a família enfrentou uma sequência de tragédias. O irmão Dácio, sucessor em preparação, foi assassinado e o pai, Dácio Múcio de Souza, presidente da empresa, morreu logo em seguida.
Prática comum nas empresas familiares, a gestão estava fortemente concentrada nos fundadores.
Recém-formada em Direito e com pós-graduação em Administração de Empresas, Manuela tinha como bagagem uma curta atuação na área jurídica da Europa. Ainda estava na fase de pensar o que queria da vida.
Com a empresa acéfala, os acionistas (o sócio fundador Antônio Carlos Camargo e a mãe e os irmãos de Manuela) avaliaram como melhor opção que alguém da família assumisse a cadeira da presidência.
Havia um único alguém e era Manuela. As medidas iniciais definiram o rumo da Europa e ajudaram a demarcar o que seria a nova cultura da empresa.
“NINGUÉM SABE TUDO”
A ideia-chave se traduz em gestão compartilhada. Consistiu em construir uma rede de apoio e trabalhar em sistema colegiado, para que a nova presidente pudesse ter um processo acelerado de desenvolvimento.
Manuela se organizou partindo do princípio de que não sabia tudo. E nem vai saber. “O pulo do gato é ter gente boa por perto e construir bem seu time”, recomenda.
Deu resultado. Nos últimos três anos, a empresa saiu de um patamar de 5% de crescimento ao ano para 10% a 15%. Veja quais foram as medidas tomadas na fase de transição:
*Contratar uma consultoria para orientar a reestruturação da empresa e estabelecer um plano de expansão rápida *
*Dedicar o primeiro ano a ouvir, aprender e conhecer o mercado, aproveitando a boa situação da Europa
*No segundo ano, montar um Conselho de Administração com função consultiva, formado pelos sócios e um conselheiro independente
*No terceiro ano, profissionalizar a gestão com o convite a cinco executivos de grandes empresas para ocupar diretorias em áreas que não existiam, como produção, comercial, marketing e recursos humanos.
*Buscar ajuda e conselhos em cursos, consultorias e fóruns de presidentes para formar uma rede de colaboração.
LEIA MAIS: O legado de um empreendedor à terceira geração
PRODUTO ESSENCIAL
O Grupo Europa fez 30 anos em 2014. Durante duas décadas, aproveitou quase sozinho o pioneirismo de ter introduzido o conceito e criado o mercado de purificação de água.
A marca tornou-se sinônimo do segmento, forte o suficiente para convencer os consumidores a pagar muito acima do preço médio para ter água de beber livre de impurezas.
Como sempre acontece, com o mercado catequisado, diminuíram as barreiras de entrada e hoje há uma infinidade de concorrentes. Mais preocupante para a Europa foi o fato do segmento se tornar atraente para multinacionais como Whirlpool, Unilever, 3M e Electrolux.
Dados não oficiais confirmam a liderança da Europa, seguida de perto pela Lorenzetti. No entanto, ainda há muito espaço para crescer. Segundo estimativas, apenas 20 milhões de brasileiros utilizam sistemas completos de purificação.
Com a crise hídrica, duas tendências devem ajudar no amadurecimento do consumo dos purificadores – a maior conscientização da população sobre o valor da água e o uso mais intensivo de processos de filtragem pelas concessionárias, o que afeta o seu sabor.
A presidente do Grupo Europa considera que este contexto torna seu setor quase impermeável à recessão vivida pelo país.
PRODUÇÃO ENGAJADA
Manuela não quer perder essa janela de oportunidade para fazer a Europa brilhar entre as empresas preparadas para o futuro. Ela não pensa apenas em liderança de mercado e em dois dígitos de crescimento.
“Quero que a Europa seja uma empresa relevante no cuidado com a água”, define. E o cuidado com a água, segundo seu pensamento, expressa o cuidado com o ambiente e as pessoas, como está implícito no slogan que adotou para a nova fase da empresa – “o mundo precisa de mais pureza”.
Assim como vem buscando um novo referencial para exercer a presidência, pretende que o grupo evolua para um modelo de negócios e de gestão pautado por conceitos como decisão compartilhada, liderança horizontal, chance de desenvolvimento para todos e trabalho por projeto.
Essas ideias estão em pleno andamento na empresa. Pé no chão, a empresária não demonstra deslumbramento com os resultados obtidos até agora. “Tudo o que poderia ter acontecido de errado”, diz Manuela, “transcorreu da melhor forma possível.” Ela explica seu método de trabalho e suas expectativas.
FORTALECER COMPROMISSOS: “O modelo de negócios criado por meu pai se estrutura a partir das revendas exclusivas, tocadas como um negócio próprio pelos representantes. Eles continuam sendo o principal canal de venda da Europa, mesmo com a ampliação das plataformas de comercialização. Uma das primeiras coisas que fiz quando assumi foi me encontrar com cada um dos 170 representantes para assegurar que o canal de vendas continuaria a ser a prioridade da empresa.”
CULTURA INTERNA: “Considero o principal papel de um líder facilitar o desenvolvimento da equipe. E hoje entendo que esta é uma tarefa das mais complexas. A nova gestão da Europa está mais descentralizada e favorece a postura participativa e responsável dos funcionários. Acredito que todas as pessoas têm algo especial dentro de si e podem colaborar com a transformação da empresa. Temos um programa de desenvolvimento de liderança e adotamos o modelo de trabalho por projeto para que todos participem.”
REPOSICIONAR A MARCA: “O setor passou por grandes mudanças, culminando com a crise hídrica, que fortaleceu os atributos dos nossos produtos. Por isso, procurei concentrar esforços no rejuvenescimento da marca e nas novas tendências. Lançamos produtos dirigidos ao consumidor jovem, com design e cores inovadores para o segmento, implantamos um pipeline de inovação, fortalecemos a venda online, ampliamos a presença nas regiões Nordeste e Centro-Oeste e o marketing desenvolve ações pensando em novas formas de relacionamento com os clientes, como as redes sociais.”
BUSCAR E ACEITAR AJUDA: “O maior aprendizado veio de pessoas que a vida me trouxe. Conheci profissionais e empresários com grande bagagem que me ajudaram naquele momento e ainda consulto na hora de decidir. Passei a fazer parte de alguns grupos de presidentes, como o do WTC, o Lide e o YPO. Mesmo sendo minoritária nos grupos (mulher, muito nova e inexperiente), fui bem aceita. Esta troca possibilita ouvir pessoas que não estão viciadas no dia a dia da empresa. Sou cara de pau, como meu me ensinou, e não deixo de perguntar e pedir ajuda.”
REDE DE RELACIONAMENTO:“Entrei no primeiro grupo de presidentes por acaso, por indicação de um amigo de faculdade. Fui conhecendo pessoas legais que me apresentaram a outras. Com essa cadeia de relações, cheguei aos executivos experientes que precisava para tocar a empresa.”
ESTILO DE GESTÃO:“Parti do princípio que nunca tinha dirigido uma empresa e a única coisa a fazer era aprender. Aprendi na prática e aprendi bastante porque errei muito. Com o time montado, me concentrei em construir uma liderança desvinculada da figura do meu pai para minimizar a tendência de projetá-lo em mim. Precisei implantar uma nova cultura. Isso é muito importante em empresas familiares, em que o fundador está personificado na gestão.”
NÃO REINVENTAR A RODA:“Um risco da falta de experiência é querer mudar tudo e todos. Quando assumi a presidência, a Europa era uma empresa tradicional, com processos bem estabelecidos e uma operação redonda. No primeiro ano, apenas ouvi, sem julgar o que estava sendo feito. Procurei me concentrar no que precisava fazer como gestora - lidar com várias frentes ao mesmo tempo, priorizar, planejar, organizar os processos, criar musculatura – e para isso, me dediquei totalmente a montar uma boa equipe e a desenvolver as pessoas. Tomei decisões que mitigassem os riscos. Isso exige humildade e paciência.”
SENSO DE REALIZAÇÃO: “Não sou a profissional dentro e a pessoa fora, o negócio permeia muito a minha vida. Trouxe minha satisfação pessoal para dentro da empresa e isso fez a diferença. Considero fundamental para o cargo que ocupo ter foco e disciplina. Por isso, voltei a praticar esportes, agora com mais dedicação. Faço muay thai e ioga. Gosto de aprender uma coisa diferente a cada ano para satisfazer minha curiosidade e me manter aberta para o mundo.”
LEIA MAIS: Como perpetuar uma empresa familiar?