Serviços feeder devem ampliar oferta de embarcações em Santos
Usar serviço de alimentação de portos concentradores minimiza problema de desbalanceamento entre oferta e procura de transporte marítimo trazido pela pandemia, sinaliza o Comus, da ACSP
Desde abril último, o desbalanceamento entre a oferta e a demanda de transporte marítimo e contêineres tem preocupado o comércio exterior brasileiro, provocando uma reflexão sobre como aumentar essa oferta.
Porém, a utilização maior de serviços marítimos feeder, ou seja, de transporte de cargas com origem ou destino entre portos brasileiros, uruguaios e argentinos, sendo um deles concentrador de contêineres, como é o caso do Porto de Santos, pode ajudar a minimizar o problema. Pelo menos no curto prazo.
A oferta e o potencial de crescimento desse tipo de serviço foram destaque da reunião do Comitê de Usuários de Portos e Aeroportos (Comus) do Estado de São Paulo, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), realizada na última quinta-feira (07/10).
Com a pandemia e a crise global, todo o transbordo de contêineres de longo curso aumentou em Santos, demandando serviços feeder de cabotagem (entre portos brasileiros) e grande cabotagem (inclui Montevidéu e Buenos Aires) para atingirem portos com menores movimentações, tributários de Santos, disse Luis Fernando Resano, diretor executivo da ABAC (Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem).
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Em sua avaliação, se esse é um retrato do atual problema logístico mundial, também demonstra a intenção dos armadores de usar cada vez mais esse porto como concentrador, pois atende volume suficiente para concentrar as cargas transbordadas, e depois distribui-las através dos serviços feeder.
Os números dão uma ideia disso. Em 2011, as cargas Mercosul mais feeder doméstico somaram 239,5 mil TEUs (um contêiner de 20 pés é igual a 1 TEU), ou 45,6% do total da cabotagem, segundo dados da ABAC.
Em 2020, ou seja, dez anos depois, quase triplicou para 677,9 mil TEUs, passando a representar 50,7% do total da cabotagem puxado pelo crescimento dos serviços feeder, que deram lastro a esse movimento.
Quando a carga é concentrada num porto e distribuída por serviços feeder, sai mais barato do que ficar num navio de longo curso que 'pinga' de porto em porto e tem de pagar outros custos inevitáveis, disse Resano. Esta inclusive, é uma discussão que deve continuar a ser abordada nas próximas reuniões do Comus.
"Isso dá frequência e escala, e esperamos que esses números se repitam no 2° semestre, quiçá maiores."
Para o especialista, ainda que o mercado esteja vivendo um momento bastante preocupante, principalmente em relação aos preços e aos efeitos do PL 4199/2020 (o 'BR do Mar, que prevê fomento à navegação de cabotagem), as empresas de navegação continuarão a fazer serviços expressos tendo Santos como hub.
"Infelizmente não temos controle do mercado, pois falta contêiner e navio para navegação de longo curso. Mas não na cabotagem: aqui há capacidade de atender ao crescimento e fazer novos investimentos."
GANHOS DE COMPETITIVIDADE
Quando o Comus definiu a pauta de Santos como hub port (ou porto concentrador) para 2021 e 2022, a motivação era racionalizar custos logísticos e diminuir o tempo de trânsito porta a porta, segundo José Cândido Senna, coordenador do Comus da ACSP. E os serviços feeder se encaixariam nessa proposta.
Na avaliação do Comitê, a exportação e a importação se baseiam em ganhos de competitividade neste porta a porta. Portanto, quando se reduz o número de escalas nos navios de longo curso, o trajeto origem-destino final é realizado em menos tempo.
E quando se faz o percurso em menos tempo, a capacidade dinâmica das embarcações é maior. Por outro lado, existe o problema de navios de longo curso fazerem escalas em portos secundários - uma 'fantasia' no atual cenário, que gera conflitos entre embarcadores, agentes, armadores e operadores de terminais: com esse trajeto mais prolongado, com a carga ociosa, acontece o que se chama 'rolagem de carga', alertou Senna.
Daí entram em cena os serviços feeder. "É preciso parar de anunciar escalas fantasiosas. Está claro que há descumprimento de janelas de atracação, e os compradores ficam na doce ilusão de que o navio vai chegar."
Hoje, a grande reflexão não só do Brasil, mas global, segundo Senna, é aumentar a oferta de transportes em tempo e espaço para embarcação. Ele cita dados do jornal Valor Econômico que apontam que, de maio a agosto últimos, 3,5 milhões de sacas de grãos de café deixaram de ser embarcadas por falta de transporte.
O montante representa cerca de 8% da produção nacional, calcula. "O país deixou de faturar US$ 500 milhões. O setor, na média, produz 55 milhões de sacas, e gera 3,5 milhões empregos diretos e indiretos. Se isso se perpetuar, o produtor deixa de entregar, de faturar, de gerar renda aos trabalhadores. Isso é muito perverso."
Portanto, a proposta do Comus é aumentar a oferta de transportes entre navios de longo curso, para fazerem articulações efetivas em Santos. Com navios feeder, caso a capacidade dinâmica dos 12 porta-contêineres alocados para cabotagem não seja suficiente, será possível fretar navios de menor porte para agregar à frota.
"É um grande desafio, mas estamos trabalhando na conscientização do conceito para que ele se consolide."
É HUB?
Essa ampliação dos serviços feeder em um porto concentrador como Santos é uma forma de materializar cada vez mais sua vocação como hub port. Outros dados da ABAC dão uma ideia dessa vocação: no 1° semestre de 2011, as cargas feeder representavam 32,7% do total, passando para 42,5% em igual período de 2021.
Baseado nos dados acima, esse crescimento relativo do feeder mostra que alguém está concentrando esses contêineres, ou seja, que o serviço está alimentando Santos, avalia o coordenador do Comus.
Quando se faz um comparativo das cargas feeder em Santos com o total Brasil entre 2019 e 2021, a média, que era de 82,4% desse total, já bate nos 91,8%. "A maioria das cargas feeder está circulando e batendo em Santos, ou seja, é inequívoco que ele já é um hub", destacou.
A questão já é discutida há bastante tempo, incluindo visões de que esse status só se concretizaria caso o porto se estruture para receber navios New Panamax (366 metros), para os quais já é homologado. Ou seja, ele não precisa receber esses navios para se caracterizar como hub, mas sim para se consolidar como um.
Porém, o que define a questão são os navios de longo curso que 'batem' em Santos e recebem contêineres de cabotagem via feeders, e que por sua vez mandam para outros portos através do serviço.
Quando há essa integração, já se caracteriza o hub, explicou. Porém, se um dia o porto poderá receber porta-contêineres maiores, de 25 mil TEUs, só o tempo dirá.
"O que será definido não é se é hub ou não, mas qual o limite desse hub", sinalizou Senna.
FOTO: Divulgação/Porto de Santos *Atualizado em 29/11/2021 às 10h51