Quem está falando com ela?
Ativas, independentes e antenadas, as mulheres maduras representam uma nova força no mundo do consumo. Por que a publicidade e o marketing ainda não conseguem enxergá-las?
Se um marciano desembarcasse no Brasil e tentasse entender a sociedade pelos comerciais exibidos na TV e anúncios nas revistas, ele logo ia se deparar com uma anomalia.
Pelas imagens, a população brasileira, depois de passar pela infância e juventude, salta direto dos 40 anos para os 80.
Na estatística da publicidade, cerca de 95% dos habitantes do país tem menos de 39 anos. O marciano constataria que os poucos idosos se mostram quase sempre inativos, em situações cômicas ou nostálgicas e vestidos como se tivessem saído de um filme preto e branco.
Muita gente na faixa dos 50 a 70 anos começa a se incomodar com a concepção estereotipada do envelhecimento difundida pelos publicitários (e também pelas novelas).
Enquanto o país passa por uma das maiores mudanças demográficas de sua história, saindo da predominância dos jovens na população para uma maioria madura, a publicidade congelou seus conceitos.
Há um abismo entre os representantes dessa geração e seus pais e avós. A começar pela aparência, pela saúde, pela disposição e pela resistência em se considerarem “idosos”. O marciano tem motivos para ficar perplexo.
Para quem quer ver detalhes desse descompasso, vai encontrar exemplos concretos, engraçados e emocionantes na série americana Grance and Frankie. Com Jane Fonda e Lily Tomlin, a série pode ser encontrada na Netfllix.
FORÇA ECONÔMICA
Já em 2012, a consultoria A.T.Kearney captou o fenômeno em uma pesquisa internacional com 3 mil consumidores com mais de 60 anos.
Três quartos afirmaram que as imagens transmitidas pela publicidade não os representam e dois terços avaliaram como negativo o retrato da velhice mostrado pelos filmes. Detalhe: as campanhas tinham essa faixa como público-alvo.
“O mercado ainda não entendeu que as pessoas entre 50 e 70 anos são os novos consumidores e caminham para se tornar a maior força de consumo”, afirma Denise Mazzaferro, especializada em marketing para o envelhecimento, da consultoria Angatu IDH e co-autora do livro Longevidade – Os Desafios e as Oportunidades de se Reinventar (Editora Évora), com Renato Berhoeft.
ESTIGMATIZAÇÃO
Intrigada com os resultados da pesquisa da A.T.Kearney, a consultora resolveu investigar também no Brasil como a velhice é retratada na mídia publicitária.
Entre 2010 e 2012, Denise levantou os filmes em que pessoas mais velhas foram protagonistas e utilizou os dados para sua dissertação de mestrado. Os casos mais conhecidos envolvem campanhas da Whirlpool, HSBC e Mercado Livre.
Mesmo descontando a defasagem de tempo, as principais constatações mostram uma visão ainda mais restritiva da publicidade brasileira:
*93% das peças não estavam direcionadas aos idosos, eles eram apenas personagens
*61% dos filmes promoviam produtos/serviços relacionados à tecnologia, como celulares, eletrodomésticos, comércio online e 24%, a instituições financeiras
*92% dos comerciais retratavam os idosos com clichês como surdez, dificuldade de aprendizado, cabelo branco, manchas senis, falta de memória, excesso de rugas
*61% adotavam o humor como linha criativa e 39%, histórias de vida
*77% mostravam os personagens em um contexto de relações familiares (avós, pais ou casal) e nenhuma vez como indivíduos no ambiente de trabalho ou outras situações sociais
MAU USO DO HUMOR
“Em plena agequake ou fenômeno da longevidade, esses comerciais passaram uma visão da pessoa mais velha como nostálgica e sem futuro”, explica Denise. “Eles tratam um grupo com alto poder de compra e ainda muito produtivo em um tom pejorativo.”
Como mostra o resultado da pesquisa, a maioria das vezes em que aparece uma pessoa mais velha, ela é apenas trampolim para mensagens dirigidas a outros públicos. O humor é usado como um recurso fácil e gratuito.
O caminho mais comum é ridicularizar as dificuldades de lidar com a tecnologia ou usar esses personagens para reafirmar que, se eles conseguem fazer, qualquer um consegue.
Essa linha foi adotada pela campanha de final de ano do Itaú Unibanco, estrelada por duas mulheres de 80 anos. Elas são desafiadas a usar um aplicativo de celular para realizar tarefas cotidianas.
INVISÍVEIS
O mal estar vem sendo expresso em especial pela geração feminina pioneira na batalha para tornar as mulheres donas de si. Independentes, ativas, produtivas, antenadas e cuidadosas com a saúde e a aparência, receberam a denominação de ageless (sem idade) pela dificuldade de se adivinhar quantos anos têm.
Com capacidade e disposição de consumo, essa parcela das mulheres vem sendo ignorada pelo marketing e pela publicidade. Não se reconhecem na imagem de fragilidade e dependência exibida nos comerciais.
Alguma chance que se identifiquem com as austeras senhoras das propagandas de previdência privada? Ou estejam precisando de cola de dentadura e fralda geriátrica, os produtos que são imediatamente remetidos ao consumidor sênior?
Segundo Denise Mazzaferro, o maior ativismo das mulheres procede “porque o envelhecimento atual é um fenômeno feminino. As mulheres vivem mais, são mais flexíveis para aceitar as mudanças e estão liderando a tendência do envelhecimento ativo.”
No livro A Revolução das Mulheres, a palavra mais ouvida pela autora, a jornalista brasileira Márcia Neder, foi invisível. Assim a maioria das mulheres disse se sentir depois que ultrapassou os 50 anos.
Não recebem atenção da indústria de vestuário para manter a aparência moderna adaptada às mudanças corporais trazidas pela idade; estão ausentes do radar do setor automobilístico, embora sejam responsáveis por quase metade da frota do país e influenciem a maior parte da decisão de compra; não são reconhecidas no papel de mulheres independentes pelo mercado de alimentos, pelo imobiliário, pelas instituições financeiras e outros setores.
O tratamento inadequado não se restringe aos comerciais. Há descaso no desenvolvimento de embalagens, que não levam em conta as limitações que chegam com a idade, e também no atendimento das lojas, onde a pessoa mais velha não costuma ser bem recebida. Se não existem para a economia, estão mesmo invisíveis para os publicitários.
A OUTRA FACE
O fenômeno da alienação com a velhice, no entanto, se mostra mais complexo e mais carregado de características brasileiras, de acordo com a consultora.
“O brasileiro recusa o envelhecimento e ainda não percebeu que está envelhecendo. O preconceito é muito forte.”
Ela cita como exemplo os produtos desenvolvidos para o público sênior que fazem sucesso no exterior e aqui não decolam, como o serviço de emergência Telehelp.
Também são sinais dessa negação a resistência em usar bengalas e andadores, símbolos de decadência por aqui, o hábito das mulheres de cobrir os cabelos brancos e o uso abusivo de recursos estéticos para rejuvenescer.
Para Denise, há um problema prévio de demanda para que se desenvolva um mercado voltado a este segmento. Um exemplo está na linha de tratamento da pele fragilizada pela idade, vendida pela Johnson&Johnson no exterior. Aqui, só os bebês têm vez.
“Existe uma questão estética fortemente envolvida no envelhecimento no Brasil que não se vê em outros países”, destaca Denise. Quando ouve as mulheres reclamarem da invisibilidade, ela se pergunta “quantas de nós quer realmente parecer a idade que têm?”
De outro lado, ela argumenta, nos tempos das ageless, como a publicidade poderia representar a mulher de 60 anos que hoje parece ter 50 ou mesmo 40?
“Se começarem a representar as mulheres com a idade verdadeira, haverá uma identificação com elas?”, pergunta. Sem os clichês, os publicitários perdem uma de suas principais ferramentas.
Há passos a resolver, de acordo com a consultora, antes de colocar a culpa exclusivamente na publicidade.
A melhora na representação, para ela, depende da busca de mais espaço para a mulher madura. Falta vencer o preconceito no mercado de trabalho, na vida afetiva, na aparência.
“Precisamos evoluir como consumidores e pessoas. Falta fazer a lição de casa sobre o envelhecimento no Brasil.”
IMAGEM: ThinkStock