Quando o agronegócio e o comércio se unem para crescer
À frente do novo conselho da ACSP, Cesário Ramalho da Silva, presidente da Abramilho, aposta na sinergia para impulsionar negócios de pequenos e médios agricultores e comerciantes
Uma oportunidade de lutar por demandas comuns a todos os setores, como o controle da inflação, a solução da crise hídrica, a redução da carga tributária. Mas também de qualificar o pequeno agricultor e dar previsibilidade aos comerciantes com informações privilegiadas sobre cenários e abastecimento.
Essas são as propostas do novo Conselho do Agronegócio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que será lançado nesta terça-feira (21/09). À frente, Cesário Ramalho da Silva, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho) e conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB), que já presidiu.
Em 2020, no auge da pandemia, o agro foi o único setor que cresceu em participação no PIB (2,1%) - puxado pela safra recorde e exportações que ultrapassaram US$ 100 bilhões, enquanto a economia despencou 4,1%.
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Com mais de três décadas de experiência no setor, Silva fala que a parceria com a ACSP coroa a importância da agricultura, além de trazer o peso de seus 126 anos em defesa do comércio para compartilhar informações.
"É moderno que as entidades sejam multissetoriais, pois os problemas brasileiros contra os quais a ACSP luta são comuns a todos. E é uma oportunidade de transitar principalmente entre o pequeno e o médio agricultor, assim como do pequeno e médio comerciante, trabalhando nos dois sentidos para planejar o futuro."
A seguir, confira alguns trechos da entrevista do coordenador do novo Conselho ao Diário do Comércio:
Fale um pouco sobre como surgiu o novo Conselho da ACSP:
Desde a SRB até agora, na Abramilho, tenho uma história muito longa com a ACSP, cuja aproximação com a agricultura foi feita algumas gestões atrás, quando o presidente era o Guilherme Afif Domingos.
Entendemos que o comércio é a fase seguinte à produção nas nossas lavouras. Tudo o que produzimos, batata, alface, soja, milho, carne, vai parar no comércio, no supermercado, no pequeno varejista. São sistemas de produção e comercialização que têm transversalidade, por isso a ideia não aconteceu de repente.
Teve um amadurecimento, uma história por atrás, que começou quando fui vice-presidente na gestão Rogério Amato, continuou na do Alencar Burti, e agora o (presidente) Alfredo Cotait Neto propôs a formação desse Conselho, do qual eu tive a honra de ser convidado para coordenar. E já começa como uma missão.
É moderno que as entidades sejam multissetoriais, pois os problemas brasileiros contra os quais a ACSP luta são os mesmos no comércio, na indústria ou na agricultura, como o desemprego, a crise hídrica, a alta da inflação, a alta carga tributária... Boa parte deles são questões comuns a todos.
Então acho que é muito bom uma entidade com 126 anos, como a ACSP, que é respeitada, que tem capilaridade grande, nos aproximar dos associados, que vão conhecer mais nosso setor.
Com informações compartilhadas, o comerciante poderá se antecipar nos seus negócios, pois terá uma previsibilidade maior. E é uma oportunidade de transitar principalmente entre o pequeno e o médio agricultor, assim como do pequeno e médio comerciante.
De que forma?
A agricultura ganhou espaço na economia brasileira, e hoje é um dos seus maiores segmentos pois representa quase 20% do PIB. Podemos chegar mais perto também do grande produtor, que é muito bem informado e tem acesso a algumas facilidades que o pequeno não tem.
Vamos mostrar o que podemos oferecer e vice-versa, trabalhando nos dois sentidos para planejar o futuro. É uma junção vantajosa para os dois lados – principalmente pela credibilidade da ACSP, que traz uma importância imensa, um ponto de defesa para a agricultura e para o comércio.
Em quais frentes o novo conselho irá atuar, a princípio?
A prioridade será a troca de informação, com palestras como a do ex-ministro Alysson Paolinelli, que será realizada na próxima terça-feira (21/09), na ACSP. Ele foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz 2021, apoiado por 263 países e 3 mil entidades, universidades e centros de pesquisas, e indicado pela Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz), uma das cinco melhores do mundo, porque construiu a Embrapa, a grande formuladora dessa agricultura feita através da ciência, da pesquisa e da qualificação do homem do campo.
E quanto ao pequeno negócio agrícola, existe algum plano de ação?
Pensamos num departamento técnico dentro do Conselho para auxiliar na agricultura urbana, da periferia, e das cidades do Interior. Porque podemos fazer parcerias com a Secretaria da Agricultura, com universidades, sindicatos... É muito importante valorizar os pequenos próximos da periferia da cidade já que, o que acontece em São Paulo, extrapola para o país, por ser um estado gerador de ideias, protagonista de diversas questões.
Há muito a ensinar para o pequeno, então planejamos criar cartilhas de recomendações, fazer parcerias com multinacionais do setor para trabalhar em conjunto... Mas, mesmo que o foco seja o pequeno e o médio, também vamos trabalhar pelo grande em questões mais abrangentes, como IR modificado e as reformas, usando o peso da ACSP como uma força a mais para atuar em temas que são comuns a todos.
Depois de um ano e meio de pandemia, como está o atual cenário do agronegócio brasileiro?
A economia teria tudo para caminhar melhor, mas atrasamos a vacinação. Temos pouco mais de 35% da população com as duas doses e, apesar do cenário mais positivo, a recuperação não é de um dia para o outro, vai demorar para ajustar pois sobraram dificuldades como o desemprego fortíssimo e o alta grave da inflação.
A insegurança alimentar é uma das grandes preocupações dos governos mundiais, todo mundo quis comprar produtos agrícolas, e os preços subiram generalizadamente nas bolsas de mercadorias de Londres, Nova York e Chicago. Essa alta dos alimentos afetou as classes menos favorecidas, e o desemprego continua enorme.
Também há uma instabilidade política fortíssima que machuca investimentos, e faz investidores externos se retraírem. Há ações e pronunciamentos do presidente da República que confundem as pessoas, polêmicas que afastam o capital externo, e o Brasil precisa de dinheiro. Se não, não duplica estradas nem portos.
O Brasil é um bom negócio, tem um povo ativo, trabalhador, esperto, é desejado nas finanças globais, mas a crise política atrapalha imensamente, gerou inflação e fez os juros subirem. Tudo é desestímulo. Mesmo assim o agro tem um estrutura dinâmica e está pronto para trabalhar, pois temos compradores internos e externos.
Isso quer dizer que o setor vai fechar o ano com crescimento, então?
A demanda interna caiu pela alta dos preços e o desemprego. Mas, apesar do momento econômico extremamente delicado e difícil, a agricultura vai embora. Vai perder margem, mas deve crescer de 3% a 5%.
Temos crise da bolsa, do dólar, a gasolina, a carne, o óleo de soja estão caros e o potencial de compra reduzido. Também precisamos de um clima favorável, pois esse ano foi difícil para o milho, a carne, a soja.
O café sofreu com a geada, e também tivemos seca. A questão climática tem sido complicada, mas pelos primeiros levantamentos de safra dos analistas da Conab, a agricultura deve crescer 5% em 2021.
Com esse potencial, o agro deve carregar a economia nas costas mais uma vez?
É isso o que falamos: vamos aumentar a produção em 5%, e tudo isso é demonstrado pela intenção de compra das sementes, dos fertilizantes... O Brasil deve manter esse status de exportador porque exporta pouco mais de 20% do que produz. Nosso consumo interno é grande, mas com a crise o consumidor ficou mais seletivo e econômico, buscando alternativas como trocar a carne bovina por frango ou ovos. O jeito é exportar.
E o impacto do preço das commodities no setor?
Como produtor, digo que há uma defesa eficiente da agricultura via entidades de classe, e o setor não sofre intervenções de preço nem nesse, nem em nenhum outro governo. Vamos continuar exportando enquanto o dólar estiver em alta. Aliás, ele é o grande incentivador das exportações e do aumento da produção hoje.
Enquanto, infelizmente, o comerciante tem que trabalhar muito para ganhar clientes, nós temos ele na porta, os navios esperando para carregar soja, carne, milho... E isso vai continuar, pois há aumento permanente na demanda global que puxou a alta nos preços, já que a pandemia acentuou a insegurança alimentar.
Para se ter uma ideia, em 2020 o preço do buschel de milho (medida de volume equivalente a 25,40 quilos) na bolsa de Chicago, que é referência, dobrou de US$ 3 para US$ 6, mas já caiu um pouco. Hoje, na minha opinião, os preços estão estáveis, e se o produtor continua a aumentar a lavoura, é porque está capitalizado.
Apesar do cenário positivo para o setor, como o Conselho deve atuar em relação aos impactos de uma possível aprovação do Marco Temporal (ação no Supremo Tribunal Federal que defende que povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam no dia 5 de outubro de 1988, dia em que a Constituição foi promulgada)?
A questão é polêmica e difícil, pois o setor está sendo questionado por uma lei que não é lei. Está inscrito na Constituição que a população indígena tinha o direito de legalizar a terra que ocupava no dia da assinatura.
Mas passou o tempo e virou polêmica depois de 30 anos, que nunca se resolveu. Alguns segmentos e ONGs internacionais interferiram politica e ideologicamente no assunto sem chegar a um consenso.
Porém, acredito no bom senso e no equilíbrio entre Poderes e formadores de opinião para fazer cumprir a Constituição. Muita gente trabalha nisso, e até a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem conversado com ministros do Supremo para explicar a profundidade que é aprovar uma questão que afeta tanto o produtor.
O Mato Grosso do Sul, por exemplo, é o terceiro maior produtor do país. Se mudar a extensão das aldeias indígenas, vai comer 40% da área de lavoura. Imaginou a extensão disso?
O Supremo não tem a responsabilidade de fazer valer a Constituição pura e simples. Faz quando afeta pessoas, mas nesse caso quem decide é o Parlamento. Já temos o PL 490 (que prevê alterações na demarcação de terras indígenas) em análise na Câmara, que está caminhando bem para ajustar isso dentro da Constituição.
O Senado está solidário, e temos certeza que haverá uma aprovação que não agrida quem produz. Por isso ficará a encargo do Congresso resolver essa questão - o que é o mais lógico. Dificilmente não será por aí.
FOTO: Arquivo pessoal