Produtores de chocolate orgânico pegam carona na Páscoa
Com pouca oferta e demanda aquecida, marcas como a Chokolah, de São Roque, dobram seu volume de produção nesta época para fidelizar clientes
A cesta de compras típica da Páscoa tem peixe, azeite, colomba pascal e muito chocolate. Essas são as principais apostas dos supermercados para aumentar o faturamento na data comemorativa.
Quem também pega carona são os produtores artesanais, que aproveitam o melhor período do ano para ganhar força no mercado e emplacar seus chocolates orgânicos.
Ainda que não haja pesquisas específicas sobre o volume de produção, consumo e demanda de chocolates orgânicos no Brasil, é possível ter uma pista de que há cada vez mais pessoas interessadas nesse estilo de vida.
A produção de chocolates com alto teor de cacau já é uma realidade bem aceita pelos brasileiros, de acordo com Ming Liu, diretor da Organics Brasil, entidade que trabalha a imagem do projeto Brasil Orgânico no mundo.
As estatísticas mais recentes sobre o mercado nacional de orgânicos mostram que o país vem registrando nos últimos cinco anos um crescimento acima de 15% ao ano. Em 2016, o índice chegou a 30%, e movimentou R$ 2,5 bilhões, de acordo com a consultoria Agronomic Consulting.
Esse mesmo número foi registrado pela Chokolah, marca que produz chocolate a partir de amêndoas 100% orgânicas, desde 2009.
Mesmo vítima de um vendaval, que em junho do ano passado destruiu completamente a fábrica de São Roque, a 50 quilômetros de São Paulo, houve crescimento de vendas de 30%.
Com um volume de produção de seis toneladas por mês, Claudia Schultz, fundadora da Chokolah, hesitou ao preparar produtos exclusivos para a Páscoa.
São várias as razões. Dificuldade de armazenamento, reposição e quebra de ovos, logística, e tantos outros percalços. Nos dois meses que antecedem a comemoração,
Claudia modifica toda a rotina de sua produção e se junta à sua equipe para embalar cada ovo de páscoa manualmente -um processo bem diferente do de embalar barras.
Além disso, seu volume de produção de chocolate dobra de tamanho e o fluxo de pedidos ultrapassa o planejamento. Porém, tudo isso vale a pena não apenas pelo aumento de faturamento, mas principalmente pela fidelização de clientes.
É nesse período, que muitos consumidores procuram alternativas para consumir e presentear. E a estratégia da Chokolah é justamente, estar presente para atender a todas as necessidades de seus clientes.
Com ovos de 200 gramas, a partir de R$ 50, e tabletes de 80 gramas por R$ 17, Claudia percebe que seu principal público nesse período é o infantil.
Preocupados com a rotina alimentar dos pequenos, os pais estão deixando o primeiro contato das crianças com o açúcar refinado para cada vez mais tarde, independente do formato do chocolate.
Em 2016, por exemplo, a venda de tabletes da Chokolah dobrou nessa época, nas lojas do Pão de Açúcar.
"Ou seja, os consumidores estão mais preocupados com qualidade e custo-benefício, mas para chamar atenção para nossa marca é importante que também haja a oferta de ovos", diz.
Presente nas prateleiras de mais de uma centena de varejistas e com equipamentos avaliados em mais de R$ 2 milhões, a Chokolah é considerada pequena diante de grandes fabricantes de chocolate comum, como a Nestlé, por exemplo.
Já no mundo dos orgânicos, ela lidera ao lado de sua única grande concorrente, a Amma Chocolate. O restante do mercado é composto por produtores ainda considerados caseiros.
Além do uso de grãos de cacau que não foram tratados com fertilizantes, herbicidas ou pesticidas,a Chokolah trabalha com todos os outros ingredientes de suas receitas, como açúcar, leite, castanhas e cereais, igualmente orgânicos.
MERCADO CONSUMIDOR
Mas, afinal, o que leva alguns consumidores a optar pelo doce orgânico?
De acordo com Ming, trata-se de uma mudança de comportamento pela qual muitos brasileiros já passaram ou estão passando. Assim como ocorreu com o café e a cerveja, o consumidor de chocolates também passou por um processo de refinação.
Para exemplificar, ele cita o caso do suco néctar e o suco integral. Enquanto o primeiro custa em média R$ 4,50, o outro sai por no mínimo R$ 12. “E mesmo em período de crise, observamos os sucos integrais ganhando cada vez mais espaço nas prateleiras”.
Muito além dos produtos gourmet, Ming explica que os consumidores estão interessados em superalimentos, ou seja, produtos muito ricos em nutrientes e benéficos para a saúde.
Como o chocolate comum contém uma mistura de gordura, leite e açúcar, resultando num produto extremamente doce, o brasileiro vai levar algum tempo para se acostumar às diferentes proporcionalidades de cacau.
As diferenças entre o chocolate orgânico e o chocolate comum vão da fermentação do cacau, passando pela secagem e beneficiamento do cacau já na fábrica. Enquanto um chocolate comum leva no máximo sete dias para ser preparado, o orgânico necessita de ao menos mês.
Para ganhar ainda mais competitividade no mercado, Sylvia Wachsner, coordenadora do centro de inteligência em orgânicos da Sociedade Nacional de Agricultura, aponta a necessidade de mais inovação.
De acordo com Sylvia, a demanda brasileira é muito superior à produção, mas os produtores ainda não veem razão para aumentar a variedade da oferta, como no caso do mercado de industrializados.
A pesquisadora explica que a cadeia de orgânicos ainda está em construção e precisa superar seus atuais gargalos. Ela cita a falta de insumos, sementes de qualidade, além da falta de conhecimento técnico como os principais entraves da cadeia de fornecimento.
PÁSCOA TRADICIONAL
O segmento de chocolates registra, há três anos consecutivos. queda nas vendas de Páscoa. Desde então, a crise financeira e os quase 13 milhões de desempregados são apontados como principal motivo para o resultado.
No entanto, é possível dizer que a preferência por orgânicos seja mais um agravente nesta lista, avalia Ming.
No mercado tradicional de chocolate, a produção total deste ano será de 14,3 mil toneladas, mesmo patamar registrado no ano passado. Isso representa, mais ou menos, 58 milhões de ovos de Páscoa, de acordo com a Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados).
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