Prefeitura terá abrigo que simula residência para população de rua
Previsão é que 175 unidades sejam entregues em setembro. Prioridade serão famílias com crianças e idosos e pessoas que estão há menos de dois anos nas ruas
Desde que recebeu o título de Cracolândia, na década de 1990, o Centro de São Paulo tenta programas que solucionem o aumento recorrente de pessoas em situação de rua e usuários de drogas.
Considerada a cidade mais rica do Brasil, São Paulo tem atualmente mais de 31 mil pessoas vivendo nessas condições. Nos últimos dois anos houve um crescimento de 31%, ou aproximadamente 7,5 mil pessoas incluídas nessa população, de acordo com o último Censo concluído em janeiro de 2022.
Um recorte do mesmo material aponta que 50% desse grupo faz uso de álcool e 20% de crack.
Isabel Pereira, representante da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), diz que além do aumento no número de sem-teto, a pandemia fez crescer também a presença de acampamentos improvisados por famílias na capital.
A arquiteta e urbanista Regina Meyer recorda que entre os anos 1970 e 2000, São Paulo viu a mudança de muitas empresas do Centro para a região da Avenida Paulista, e depois para Faria Lima e Berrini. Com isso, a tendência da região foi o esvaziamento e a degradação.
"O Centro de São Paulo deixou de ser disputado por todas as classes sociais. Tivemos o auge dos grandes casarões em endereços onde hoje vemos muitos cortiços. A região foi se tornando propícia para a instalação de atividade ilegal até se tornar criminosa. É o que acontece onde não há mais os olhares de moradores", diz.
Ainda assim, a urbanista destaca que uma das estratégias públicas para reverter esse quadro foi a reforma de edifícios antigos para a instalação de equipamentos culturais, a exemplo da Sala São Paulo, da Pinacoteca, do Museu da Resistência, além da instalação de campi universitários na região.
O assunto foi discutido na última quarta-feira (17) pelo Conselho de Política Urbana (CPU) da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) sob o comando de Antonio Carlos Pela, vice-presidente da ACSP e coordenador do CPU. O encontro teve ainda as presenças dos especialistas Paulo Saldiva, médico e professor da FMUSP, e Elza Paulina, Secretária Municipal de Segurança Urbana.
UMA NOVA TENTATIVA
Visando recuperar famílias que estão há menos de dois anos em situação de rua, Isabel conta que a Prefeitura aposta em um projeto piloto intersecretarial que tem como premissa permitir vínculos, privacidade e autonomia.
"Estamos remodelando o acolhimento na capital, que ainda é baseado nas décadas de 1980 e 1990, quando tínhamos um bloco homogêneo de homens sozinhos dependentes de álcool e com problemas psiquiátricos nas ruas", diz.
Isabel destaca que o Censo revelou uma mudança de perfil, com o aumento de 111% de famílias nas ruas. Por essa razão, muitos centros de acolhida têm sido reestruturados. Uma solução inédita em São Paulo propõe o uso temporário de moradias modulares de 18 metros quadrados para que, durante o período de um ano a um ano e meio, as famílias recuperem sua autonomia e sejam encaminhadas para um programa de moradia definitiva.
A diferença é que o modelo de casas modulares simula uma habitação para cada família, com quarto, cozinha e banheiro. O projeto piloto, chamado de Vila Reencontro, fica em um terreno da Prefeitura no bairro Armênia, na Avenida do Estado, com 350 unidades e 1,2 mil leitos.
Com previsão de entrega de 175 unidades em setembro, na primeira fase, e outras 175 unidades em novembro, famílias com crianças e idosos e pessoas há menos de dois anos em situação de rua serão priorizadas.
O diferencial desse programa, segundo Isabel, é que o programa terá três eixos: conexão, em que o serviço público buscará criar vínculos e conhecer mais a população em situação de rua com um cadastro mais completo; o eixo cuidado, onde entram todos os serviços públicos voltados a essa população com acolhimento, inclusão produtiva, inclusão digital, dez mil vagas de Bolsa Trabalho, a melhoria da zeladoria urbana e a construção de banheiros públicos; e por fim, o eixo oportunidade, para o desenvolvimento e autonomia da população de rua.
IMAGEM: Rovena Rosa/Agência Brasil