Paolinelli: É a hora de reinvestir maciçamente na Embrapa
Responsável pelo salto tecnológico da Embrapa e indicado ao prêmio Nobel da Paz 2021, o ex-ministro Alysson Paolinelli foi o palestrante do novo Conselho do Agronegócio da ACSP
A bioeconomia é a ciência que o Brasil precisa para abastecer e salvar o mundo. A frase, do ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, resume o futuro do cenário do agronegócio brasileiro e o seu papel para ajudar a minimizar um problema que é global, mas se acentuou com a pandemia: a insegurança alimentar.
O responsável por liderar a modernização da Embrapa nos anos 70, que o levou a ser indicado ao prêmio Nobel da Paz 2021, foi o palestrante e convidado especial da reunião inaugural do Conselho do Agronegócio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Lançado oficialmente nesta terça-feira (21/09), o conselho será coordenado por Cesário Ramalho, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho).
Criador do "Projeto Cerrado", que colocou a agricultura tropical ou, no caso, o até então inexplorado bioma no núcleo da produção de alimentos mundial, o mineiro Paolinelli, 85, também foi responsável por fomentar a produção cafeeira em seu estado natal um pouco antes, quanto foi secretário da Agricultura.
Alfredo Cotait Neto, presidente da ACSP, disse, citando o livro "Alysson Paolinelli, o Visionário da Cultura Tropical" (organizado por Ivan Wedekin), que o ex-ministro é 'obstinado pela ciência e a mobilização para transformar a agricultura do Brasil, tornando-a moderna e competitiva no cenário global'.
"Não estamos aqui só para ouvi-lo, mas agradecer o que o senhor fez pela economia e a agricultura brasileira."
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As mudanças, na avaliação de Paolinelli, fizeram a agricultura brasileira deixar de ser incipiente, feita 'pelo arado de boi, plantada com matraca, cultivada com enxada, colhida com alfange e ensacada e processada na roça', para se tornar moderna, competitiva, altamente tecnológica e cuja evolução depende de inovar sempre.
"O que foi feito, de fato, foi a modificação biológica do solo", disse. "Vocês falam que eu que fiz tudo isso, mas só aconteceu porque o produtor concordou em adotar as mudanças propostas por ações de governo."
Além do crédito orientado via Caixa Econômica Federal na época, a recomposição do solo, técnica utilizada até hoje, inclui plantação integrada, que intercala lavouras e pastagens, uso massivo de tecnologia agropecuária e aplicação de bioquímica para manter o solo protegido, permitindo a recuperação biológica.
Resultado: plantio 12 meses por ano nas mesmas áreas, com os mesmos agricultores e ferramentas, retirando três safras anuais, destacou. O plantio de leguminosas, grãos e fibras faz melhorar de cinco a seis vezes o interior do solo que foi degradado, por exemplo, porque aproveita todos os resíduos que a planta deixou.
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"Temos que agradecer a Deus porque, além da braquiária (capim que serve de forragem aos rebanhos e contribui para reestruturação do solo), somos o maior repositório biológico do mundo, o clima é constante e produzimos toda a proteína que o mundo mais precisa hoje, que é a carne e o leite", afirmou.
Por isso, segundo Paolinelli, a bioeconomia é a ciência que o Brasil mais precisa, e essa é a hora de reinvestir maciçamente na Embrapa: é através dela que será possível mudar o conceito de origem da produção, tornando-a mais competitiva e mais saudável, já que o mundo pede alimentos mais naturais e nutritivos.
Principalmente para a nova geração, que depois da pandemia exige uma alimentação com menos produtos e compostos químicos, destacou o ex-ministro, lembrando que, desde 2017, o país importou mais de US$ 37 bilhões em produtos químicos para uso agrícola.
"Precisamos dar corda para isso urgente, pois a ciência hoje não é mais privilégio. O que aconteceu antes se deu devido a uma soma de competências, mas essa é uma janela de oportunidades imensa para o Brasil."
CELEIRO DO MUNDO?
Presidente também do Fórum do Futuro, programa de propostas de desenvolvimento sustentável, Paolinelli responde por projetos como o "Biomas Tropicais", em que a ciência comanda seus mapeamentos, e desenvolve soluções tecnológicas para ampliar produção sem desmatamento e baixa emissão de carbono.
Além de dobrar a produção mundial, Paolinelli acredita que o Brasil poderá contribuir para a mitigação de emissão de carbono, chegando a 2050 com uma safra de 620 milhões de toneladas (hoje são 100 milhões) para atender às projeções de crescimento da população mundial de aproximadamente 9 bilhões de pessoas.
Porém, o indicado ao prêmio Nobel pela Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz), onde lecionou, destaca que estatísticas do setor apontam, entre 2006 e 2017, a revolução agrícola que o país viveu beneficiou apenas 842 mil produtores. Outros 4,5 milhões ficaram 'do outro lado', lamentou.
Ou seja: foi um contingente que não teve condições de absorver tecnologia, nem crédito, e por isso faz uma agricultura incipiente, extrativa, de subsistência, com renda que não dá dois terços do salário mínimo.
"Esse agricultor está com fome. Os 4,5 milhões representam 20 milhões de pessoas. Vamos fechar os olhos para isso? A fome e a miséria provocam guerras, e forçam correntes migratórias que atordoam o mundo."
Para Paolinelli, que já ganhou o World Food Prize, em 2006 (prêmio para iniciativas ligadas à alimentação e à agricultura), o ideal seria um pacto internacional, com o Brasil contribuindo com suas tecnologias para ajudar outros países a resolverem esses problemas por meio da agricultura tropical competitiva.
"Não quero morrer antes de ver o nosso país liderando esse movimento, ajudando a abastecer e a salvar o mundo da fome", concluiu.
FOTO: Jeferson Oliveira/ACSP