Pandemia muda hábitos de consumo das famílias

Em crise desde 2015, setor de eletrodomésticos ganha relevância: com a necessidade de equipar a casa, supermercados faturam mais e smartphone vira produto de desejo

Fátima Fernandes
14/Ago/2020
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A pandemia do novo coronavírus mudou hábitos e desejos de consumo dos brasileiros.

Quem poderia imaginar, no início deste ano, que as vendas de notebooks, batedeiras e liquidificadores chegariam quase a dobrar de uma hora para outra em relação a 2019.

E que um setor que vinha mal das pernas desde 2015, o de eletrodomésticos, que inclui geladeiras, fogões e lavadoras, iria ganhar tanta relevância em 2020.

E foi exatamente isso o que aconteceu.

Da metade de abril até o começo de julho deste ano, as vendas de produtos de informática subiram 87%, em média, e de eletro-portáteis, 45%, sobre igual período do ano passado.

O levantamento é da GfK, empresa de pesquisa de mercado voltada, principalmente, para o setor de bens duráveis, com cerca de 15 mil lojas espalhadas pelo Brasil.

De dez segmentos analisados pelo IBGE, três faturaram em junho mais do que a média dos meses de janeiro e fevereiro deste ano. São eles:

Material de construção (+ 16%), móveis e eletrodomésticos (+14%) e supermercados (+11%), segundo cálculos de Fábio Bentes, economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio).

A GfK constatou também que 80% dos produtos da linha branca, como freezers e refrigeradores, registraram alguma alta de vendas a partir de abril em relação a 2019.

O mesmo movimento foi constatado pelo IBGE. Em junho, o volume de vendas do varejo de eletrodomésticos e móveis subiu 25,6% em relação a igual período do ano passado.

No mesmo período, o volume de vendas de tecidos, vestuário e calçados diminuiu 44%. 

NOVO ESTILO DE VIDA

Com o início do isolamento social, de acordo com análise da GfK, o consumidor viveu uma fase de adaptação do estilo de vida, e correu atrás de produtos para resolver o seu dia-a-dia.

Notebooks, tablets e impressoras foram alguns dos produtos mais demandados num primeiro momento, de acordo com levantamento da empresa.

Além de serem necessários para poder trazer o escritório para dentro de casa, os computadores passaram a ser a ferramenta para ter acesso às aulas virtuais dos filhos.

Logo em seguida, surgiu a necessidade de equipar a cozinha, para facilitar a rotina de comer em casa. As vendas de fritadeiras, batedeiras, misturadores e liquidificadores dispararam.

Este movimento foi constatado pela Mobills, aplicativo de gestão de finanças pessoais.

Levantamento feito com pouco mais de mil usuários revelou que, em maio, 80% das famílias estavam gastando mais em supermercados (para comer em casa) do que antes da pandemia.

“O consumo durante a pandemia começou com produtos para estruturar o lar (computadores), ajudar na limpeza (aspiradores de pó) e melhorar a rotina na cozinha (eletro-portáteis e eletrodomésticos)”, afirma Fernando Baialuna, diretor da GfK.

A partir da metade de maio, diz ele, já se observa um movimento maior na compra de produtos para o cuidado pessoal, como barbeadores e pranchas para o cabelo, a chamada chapinha.

E mais, recentemente, levantamento da GfK mostra a compra de indulgência. Isto é, quando o consumidor adquire algum produto para se presentear porque acha que merece.

“Quando as lojas reabriram, a gente percebeu que o consumidor queria se presentear, e até com artigos de luxo, como ocorreu na China. Aqui no Brasil, o símbolo foi o smartphone”, diz.

As vendas de smartphones, de acordo com a GfK, subiram cerca de 30% nas últimas semanas em relação a igual período do ano passado.

RUPTURA NA FORMA DE CONSUMO

De acordo com Baialuna, é cedo para prever qual será o comportamento do consumidor neste semestre. Isso depende, diz, de como vai se comportar o emprego e o auxilio emergencial.

Existe algum crescimento de consumo nas regiões Norte e Nordeste, diz ele, mas por conta do ‘coronavoucher’, que deve acabar.

Para Bentes, da CNC, é possível afirmar que houve uma ruptura na forma de consumo das famílias e que algumas mudanças de hábitos no Brasil e no mundo vieram para ficar.

“A alocação de gastos das famílias está diferente da de antes da pandemia e deve se manter, até porque muitas pessoas passarão a trabalhar em casa de forma definitiva”, diz.

Os setores de móveis e eletrodomésticos, por exemplo, diz ele, não são considerados essenciais, mas pesquisas revelam que se tornaram relevantes.

A alimentação fora do lar, que tinha uma participação mais importante nos gastos das famílias, já perdeu espaço no orçamento.

Na consulta feita pela Mobills, pouco mais da metade dos consumidores informaram que estavam gastando menos com comida fora de casa, roupas e calçados e lazer do que no início do ano.

Era de se esperar, até porque as lojas e restaurantes estavam, e ainda estão, funcionando com horários reduzidos, assim como setores destinados ao lazer.

O fato é que os hábitos de consumo vão depender do quanto a economia será capaz de gerar emprego e renda, na avaliação de Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores.

“A sustentação da economia em maio em junho veio do auxílio emergencial. Uma vez reduzido os aportes, fica difícil manter o consumo”, diz.

Se o emprego continuar em queda, diz ele, não tem jeito, todas as atividades serão impactadas, umas mais e outras menos.

“Tem muito setor que depende de reativação da economia, como o automobilístico, o de vestuário e calçados e o de eletrônicos”, diz.

A expectativa, diz ele, é que ainda haverá muito ajuste no mercado de trabalho e que a retomada da economia de forma mais sustentável ainda vai demorar.

IMAGEM: Thinkstock

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