Oferta de crédito concentrada em grandes bancos prejudica micro e pequenas empresas
Em seminário na Associação Comercial de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, presidente do Sebrae, diz que a regulação do mercado de duplicatas seria uma alternativa para o financiamento de negócios de pequeno porte
O acesso ao crédito é um dos principais problemas enfrentados pelas micro e pequenas empresas, que costumam ter dificuldades para oferecer as garantias exigidas pelos grandes bancos.
Um levantamento inédito do Sebrae mostra que quase a metade dessas empresas de menor porte, 49% delas, nunca solicitaram empréstimo como pessoa jurídica.
Elas buscam se financiar com fornecedores -dilatando os prazos para pagar as compras -, prática comum entre 53% dos micro e pequenos empresários segundo o estudo do Sebrae. Ou então usam cheques pré-datados (28%) e até mesmo cheque especial (19%).
Esses dados mostram que as micro e pequenas empresas têm necessidade de dinheiro no curto prazo, basicamente para capital de giro. Mas também revelam que não estão conseguindo se financiar por meio de empréstimos convencionais.
Entre 2014 e 2017, segundo o Sebrae, o volume de financiamentos oferecido às micro e pequenas empresas caiu 36%. Nos últimos seis meses, 84% desses empresários de menor porte afirmaram que não tomaram crédito pelas vias tradicionais.
“A realidade é que os seis maiores bancos concentram 80% da carteira de crédito ativa, e esses bancos costumam negar recursos para empresas menores”, disse Guilherme Afif Domingos, presidente do Sebrae, durante seminário sobre crédito promovido pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) nesta sexta-feira, 1/09.[Veja o vídeo]
Algumas iniciativas buscam preencher a lacuna deixada pelos grandes bancos. Entre elas, a regulação do mercado de duplicatas, que ganhou novos contornos com a edição da Medida Provisória 755, transformada nesta semana na Lei 13.476/2017. Com ela, cria-se uma plataforma única de registro para esse tipo de direito creditório.
“A duplicata sempre foi um instrumento fundamental para o capital de giro das pequenas empresas, mas está em descrédito", afirma Afif. "É importante regular esse mercado, tomando o cuidado para que não haja monopólio das instituições financeiras sobre o serviço.”
O descrédito mencionado pelo presidente do Sebrae se dá pelo grande número de duplicatas frias no mercado, o que ocorre quando uma mesma é usada em duas ou mais transações. A previsão é que um ambiente de maior regulação acabe com esse problema.
Já há atores trabalhando nesse sentido, como a Central de Registros de Direitos Creditórios (CRDC), empresa vinculada à ACSP, que possibilita o monitoramento das duplicatas desde a sua origem até que sejam descontadas, evitando que as usem para obter dinheiro de mais de um agente financeiro.
Em operação há mais de um ano, a CRDC possibilita que, uma vez gerada a duplicata digital por meio de Notas Fiscais eletrônicas (NF-e), ela é registrada e enviada ao agente financeiro, como bancos ou factoring, que, por sua vez, recebem a garantia de que o título terá uma única utilização.
É uma maneira de reduzir os riscos dessa operação ao comprovar a idoneidade do sacado (agente financeiro) e do cedente (tomador do recurso).
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Hoje, o registro da duplicatas precisa ser feito em cartório. Porém, com a edição da Lei 13.476/2017, a própria CRDC, e demais centrais que aparecerem no mercado, poderão registrar esse tipo de direito creditório em um ambiente eletrônico único, sem a necessidade do cartório.
“O Banco Central já declarou que um ambiente mais seguro para os recebíveis tem potencial para reduzir o custo do dinheiro. Isso porque o fator risco é um dos componentes do spread bancário, assim com o custo das transações, que também é reduzido em um ambiente eletrônico”, diz Fernando Kalleder, diretor-presidente da CRDC, durante o seminário da ACSP.
Esse seria um benefício indireto das duplicatas para as micro e pequenas empresas. A pesquisa do Sebrae aponta que para 55% dos empresários desses portes, o juro bancário é o maior problema quando buscam empréstimos. Para outros 24% deles, a barreira é a burocracia.
Para Afif Domingos, garantir fôlego financeiro às empresas de menor porte é fundamental uma vez que 70% da população economicamente ativa dependem das micro e pequenas empresas, seja na qualidade de empregado ou como dono do negócio.
“As grandes empresas partiram para a revolução tecnológica, ou seja, quem vai gerar emprego são as pequenas. Por isso acredito que devam estar vinculadas às políticas sociais”, disse o presidente do Sebrae.
Dados da agência de desenvolvimento Desenvolve São Paulo mostram que 98,9% das empresas em atividade no país são de micro ou pequeno porte. Elas empregam 67,5% da força de trabalho.
Outro participante do seminário, Milton Luiz de Melo Leite, diretor-presidente do Desenvolve-SP, disse que um dos fatores que encarecem o crédito para as companhias de menor porte é a dificuldade para oferecer garantias aos bancos. “As dificuldades para se financiarem aumenta a mortalidade dessas empresas”, afirmou Leite.
A vantagem das duplicatas consiste no fato de a garantia oferecida pelo crédito é a venda realizada, ou seja, uma garantia real que independe de outros patrimônios da empresa.
Para Alencar Burti, presidente da ACSP e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), o acesso ao crédito ficou mais difícil nesse cenário de crise, principalmente para as micro e pequenas empresas.
“Nesse contexto, é importante que as várias frentes se unam para auxiliar os pequenos empresários, que costumam ter menos voz”, disse Burti na abertura do evento.
FOTOS: Newton Santos/Hype