O que o Rock in Rio tem a ensinar sobre empreendedorismo

Há 13 anos como CEO do maior festival de música do mundo, Luis Justo conta os desafios de planejar um evento e criar experiências inesquecíveis para um público fidelizado

Mariana Missiaggia
25/Out/2024
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O que o Rock in Rio tem a ensinar sobre empreendedorismo

Exemplo de empreendedorismo, o Rock in Rio reuniu em sua primeira edição, em 1985, cerca de 1,4 milhão de pessoas. Um ano antes, quando começou a ser planejado, o festival se propunha a promover algo raro de se ver até então, shows internacionais no Brasil.

A história conta que até chegar às 16 atrações internacionais, Roberto Medina, o idealizador do festival, e sua equipe, Luiz Oscar Niemeyer e Oscar Ornstein, tentaram mais de cem nomes. Entre tantos 'nãos', Medina se lembrou de um contato importante, Lee Solters, o assessor de imprensa de Frank Sinatra que havia conhecido em 1980 quando o empresário trouxe o cantor para um show no Maracanã.

Com a ajuda do assessor de imprensa de Sinatra, Medina conseguiur reunir em um coquetel alguns dos mais influentes críticos de música do mundo e em poucos dias o Rock in Rio virou notícia em jornais, como o britânico The Guardian, e revistas, como a americana Billboard. Tanto barulho fez com que Medina fosse procurado por agentes e empresários. Os primeiros a assinar contrato foram Ozzy Osbourne e Rita Lee.

Até hoje, a primeira edição é considerada como a melhor de todas por quem escreve sobre o assunto. Um dos argumentos é que nenhuma outra edição, por exemplo, teve duas bandas que podiam ser as principais da noite, como ocorreu com Queen e Iron Maiden. Foi também nessa oportunidade que o público brasileiro pôde escutar, ao vivo, a canção Love of my Life, do Queen, na voz de Freddie Mercury, um dos momentos mais icônicos da banda e do festival.

Desde então, foram 24 edições, com mais de 4 mil artistas, passando por países como Portugal, Espanha e Estados Unidos, além do Brasil. Com receita declarada de R$ 647 milhões em 2023, a empresa conta com 15 funcionários em São Paulo, outros 20 baseados em Lisboa e 150 na sede no Rio de Janeiro. Hoje, quem comanda o evento e está no posto de CEO do Rock in Rio é Luis Justo.

Apontado por transformar o evento em uma marca de experiências, Justo é engenheiro de formação, com experiência no mercado financeiro e uma passagem de 11 anos pela Osklen, onde foi responsável pela expansão e internacionalização da marca. Até que, em 2011, se tornou CEO do Rock in Rio.

A chegada de Justo foi intencional. Como o festival começou focado no rock e expandiu a sua programação para atender às expectativas dos fãs, que desejavam mais diversidade de ritmos, o Rock in Rio passou a ter o peso de ser o maior festival de música e entretenimento do mundo.

A missão do executivo era fazer daquela vivência uma experiência de marca, desde a compra dos ingressos até a saída do festival, uma jornada agradável que não começa e nem termina na Cidade do Rock. Na época, o evento estava prestes a reestrear no país depois de uma década, período em que quatro edições em Lisboa e duas em Madri foram realizadas.

A partir de uma análise dos pontos que podiam ser melhorados e quais seriam um problema no futuro, Justo definiu prioridades e buscou soluções. Encontrou também os pontos fortes daquela experiência de compra e as valorizou ainda mais. Ao mergulhar no DNA da marca, Justo diz ter encontrado a essência da empresa: tornar o impossível possível e sempre surpreender em escala.

Nessa busca, Justo diz ter passado a se reunir mais com a equipe a fim de provocar um exercício em que todo o time da empresa formalizasse o que definiria a cultura do Rock In Rio. Realizada alguns meses antes da pandemia, a atividade conseguiu definir oito valores da empresa, entre eles coragem, criatividade, excelência, integridade e pensar grande.

"Queremos inovar e trazer experiências inesquecíveis que vão além da música", disse Justo, em sua palestra na Arena do Conhecimento da Feira do Empreendedor 2024, realizada pelo Sebrae.

Desde que entrou na empresa, o Rock In Rio realizou mais seis festivais no Rio, outros cinco em Lisboa, um em Madri e um em Las Vegas. Em 2023, a empresa lançou o festival The Town na cidade de São Paulo, que recebeu um público total de meio milhão de pessoas. No mesmo ano, a gigante americana de eventos Live Nation fechou com Justo a produção da edição brasileira do festival Lollapalooza.

Com seus diversos dias esgotados, o executivo destaca que a última edição do Rock In Rio, que aconteceu em setembro último, parece alheia ao movimento no setor dos festivais, que vem provocando o cancelamento ou adiamento de vários eventos.

Em agosto deste ano, o festival espanhol Primavera Sound anunciou que não faria uma edição no Brasil em 2024, após dois anos consecutivos de festivais bem-sucedidos. Na contramão disso, Justo fala em superaquecimento do mercado de eventos, que precisa focar diversificação e superinfraestruturas com a criação de experiências inéditas e memoráveis.

Entre essas experiências, ele cita uma robusta área VIP, brinquedos radicais e a produção de musicais inéditos. O último evento da marca, que aconteceu em setembro, também trouxe uma novidade: o Global Village, ambiente de 7.500 metros quadrados que tinha espaços gastronômicos tematizados de acordo com diferentes países (pub inglês, boulangerie francesa, boteco brasileiro, entre outros) e apresentações musicais mais propícias a locais intimistas, incluindo Hermeto Pascoal e Amaro Freitas.

Nesse grande movimento de ativações, o consumidor estava no centro. Além de ter em sua estrutura 85 marcas e mais de 100 experiências, 12 empresas patrocinaram o Rock In Rio: Itaú (master), C&A, Coca-Cola, Doritos, Ipiranga, KitKat, Heineken, Natura, Prudential, Seara, Tim e Volkswagen.

Apesar de ter o festival que acontece no Rio de Janeiro como carro-chefe, a empresa também tenta levar essa estrutura e planejamento para outros eventos, como The Town e Lollapalooza.

A organização, segundo Justo, acompanhou a evolução do segmento. Isso vai desde a compra do ingresso, a forma como esse ingresso chega ao consumidor – saindo de um ticket de papel, passando por uma pulseira de QR Code, até o acesso 100% digitalizado –, a captação e compreensão de dados que são revertidos em conhecimento do cliente.

Essa concepção, nas palavras do CEO, começa já nos estudos sobre o entorno do local, com a questão de transporte, e passa por aspectos como sustentabilidade e amplificação da diversidade e ações sociais. As estratégias da organização trabalham para não impactar o trânsito - por isso há o incentivo para as pessoas chegarem lá de transporte público ou aplicativo.

Em relação à estrutura, Justo destaca a formulação dos banheiros. Um dos princípios do Rock in Rio é não usar banheiros químicos, optando apenas por estruturas hidráulicas instaladas. Como o número de pessoas que passam por lá é muito alto, em cada unidade são instalados painéis de led que medem o número de ocupantes naquela unidade.

Daí entra a tecnologia de novo, em que as pessoas podem buscar e encontrar qual é o banheiro mais próximo deles. O CEO afirmou que existe um planejamento voltado a esses aspectos. O objetivo é fazer da Cidade do Rock um modelo de cidade inteligente e segura, onde as pessoas possam conviver em paz.

Dentre os aprendizados que lista ao gerir um negócio que organiza eventos, como o Rock in Rio, Justo aponta a prática de escuta ativa na relação com o cliente e parceiros; a escuta proativa para melhorar o negócio a partir das sugestões e críticas do cliente; compartilhar os resultados com a equipe; e o entendimento de que qualquer crise representa risco de continuidade, mas que, acima de tudo, também pode significar oportunidade. 

Além disso, o executivo diz ter sido surpreendido ao constatar que o interesse de compra por entradas no festival começava bem antes do anúncio da programação, assim como a adesão a produtos customizados como cartões de acesso ao evento sem enfrentar filas.

"Quem compra um ingresso para ir a um festival sem antes saber quem irá tocar? Isso é proposta de valor", disse.

 

IMAGEM: Francisco Costa/divulgação

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