“O pessimismo generalizado inibe o consumo. É um círculo vicioso”
Para o economista Nelson Barrizzelli, consultor de varejo, a desorganização da economia brasileira evoca os tempos da hiperinflação

O aumento da inflação, com impacto nos hábitos de consumo, reflete uma desorganização na economia --situação semelhante ao que o país vivenciou na época da hiperinflação (1980-1994). “Não sabemos exatamente quais as chances do governo acabar com o déficit público”, afirma o economista e consultor Nelson Barrizzelli. Para os investidores, há uma grande desorganização na economia.”
O movimento de ascensão da classe C corre sério risco neste ano, segundo afirma, até porque a expectativa é de desemprego: “Há um pessimismo generalizado no país, o empresário está pessimista e esse processo, que é psicológico, faz com que o brasileiro deixe de consumir. E isso funciona como um círculo vicioso”.
Mas a crise também cria oportunidades. As grandes redes de varejo que estão capitalizadas, têm boa oportunidade para colocar em prática planos de expansão, principalmente nas cidades do interior, onde os varejistas menores enfrentam maiores dificuldades para vender.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O consumidor brasileiro está trocando marcas caras por outras mais baratas e já abandona certas categorias de produtos. O que explica esse fenômeno?
A alta da inflação. Simples assim. Ela afeta de forma diferenciada cada família. Como o salário acaba antes do mês, o consumidor tem de mudar de marca, comprar as mais baratas ou ainda cortar itens.
E essa situação só tende a se acentuar, pois a inflação vai continuar subindo. Em maio ou junho a inflação deve bater em 8% e depois se estabilizar por aí. Pode ser que mais para o final do ano a inflação regrida para 6,5%, mas vai ficar acima do centro da meta, de 4,5%. Para chegar a 4,5%, se chegar, pode levar uns dois anos.
"O governo entende, de forma distorcida, que é quem deveria impulsionar o crescimento"
O que tem pressionado a inflação? Os aumentos de preços de energia, água, combustíveis e até a alta do dólar?
Olha, a economia está desorganizada. Nós já vivemos duas décadas em uma situação como essa e o que fez o país chegar à hiperinflação foi a desorganização da economia, aliás, uma situação parecida com a que temos agora. Acredito que não vamos chegar à hiperinflação, temos ainda a sorte de ter uma inflação abaixo de dois dígitos.
O que seria essa desorganização?
Não sabemos hoje exatamente quais seriam as chances que o país possui, quais são as perspectivas para acabar com déficit público. Por conta dessa desorganização, janeiro registrou um dos maiores déficits públicos da história.
Para quem enxerga a economia como um todo, como os investidores, há uma grande desorganização no país. E são os investidores que podem fazer com o que país ande e gere emprego.
O governo entende, de forma distorcida, que ele é quem deveria impulsionar o crescimento do país por meio de gastos públicos, estatização, intervenções na economia. Não é isso que impulsiona o país, mas os investimentos de empresas.
O investimento do governo deveria ser em segurança, estradas, portos. A geração de emprego deve ocorrer por meio de complemento de investimentos da iniciativa privada nacional e estrangeira.
Neste momento, os investidores estão paralisados, porque ninguém sabe para onde vai o país. O ministro da Fazenda (Joaquim Levy) perde de 38 a 1. Nem o Nelson Barbosa (ministro do Planejamento) está ajudando o Levy.
Quando o consumidor troca de marca, podemos dizer que é um sintoma, a febre, só que é preciso combater as bactérias. No caso do governo, fazer os ajustes necessários que a economia precisa.
O movimento de ascensão da classe C corre riscos?
Sim, essa é a principal consequência da elevação da inflação neste ano. As classes C e D vão ter muita dificuldade para consumir. Vamos ter desemprego, isso é inevitável, ao menos que se mantenha firme o processo de ajuste, que precisa ser forte para consertar o país.
Agora, independentemente de ser leve ou profundo, há pessimismo generalizado no país. O empresário está pessimista e este processo, que é psicológico, faz com que o brasileiro deixe de consumir. E isso funciona como um círculo vicioso.
Falei com o gerente de uma agência do Itaú esta semana e ele disse que, de janeiro até a semana passada, a agência financiou um só automóvel. Isso mostra bem a situação que o país está vivendo.
"O Brasil está voltando ao passado, como sempre voltou"
Quais são os principais desafios enfrentados hoje pelos lojistas, especialmente os de pequeno porte?
Na verdade, lojistas de pequeno, médio e grande portes precisam conhecer detalhadamente o seu público-alvo. Se o lojista é dos setores de supermercado, padaria, farmácia, mercearia, ele tem maior facilidade para conhecer o seu público, já que faz compras recorrentes.
A loja de roupas já tem maior dificuldade, mas menos ainda do que a de eletroeletrônicos e a de veículos. No caso das lojas de carros, o cuidado tem de ser infinitamente maior. Os clientes trocam de carro a cada dois anos, três anos?
As agências de viagem também precisam saber se os clientes viajam uma ou duas vezes por ano. É preciso oferecer para o cliente exatamente o que ele quer e pode comprar.
Se o lojista não tiver essa visão, a tendência é de o dinheiro dele ficar paralisado, com altos estoques. Acabei de montar um gráfico sobre o desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro de 1964 até agora e sabe o que vi? Um eletrocardiograma.
Estamos voltando ao passado, porque nós sempre voltamos ao passado. Se fizer curva de tendência de 1980 a 2014, você vai ver uma reta paralela ao eixo do X, do tempo. O que significa isso? Do ponto de vista macroeconômico significa que chegamos em 2014 no mesmo ponto que estávamos em 1980. O Brasil é sempre um país do futuro, mas um futuro que nunca chega. Quando parece que está chegando, ele volta para o passado.
Qual a sua perspectiva para o desempenho do varejo neste ano?
Se considerar o mesmo número de lojas, se houver empate de vendas em relação ao ano passado, será uma grande vitória. Logicamente, os supermercados vão ter menos dificuldades do que as lojas de produtos semiduráveis e duráveis.
Quem vai assumir compromisso de financiamento de 24 a 36 meses, se não tem a certeza que terá emprego? Provavelmente, o consumidor vai começar a cortar lazer, refeições fora de casa e por aí vai.
E no caso das grandes redes, mais capitalizadas, o que elas podem esperar para este ano?
Para as grandes redes que estão capitalizadas, há uma boa oportunidade neste ano para executar os seus planos de expansão. Provavelmente, muitos pontos comerciais interessantes estarão disponíveis e com preços mais baixos.
É nesta época de recessão que a expansão ocorre com maior facilidade, principalmente nas cidades do interior, onde os varejistas estão com maior dificuldade para vender. As quatro maiores redes de supermercados do país (Casino, Carrefour, Walmart e Cencosud), com exceção do Carrefour, não estão com dificuldade financeira.
Quais setores ou negócios podem se dar bem com a crise?
O mercado de produtos populares pode se dar bem, aquelas lojas que vendem a maioria dos produtos a R$ 1,99. Outro setor que pode crescer com a crise é o fast food, mas as lojas que estão fora dos shoppings, pois, as dos shoppings são mais caras do que os restaurantes por quilo.