O olhar apurado de Pedro Parente para a gestão de crise

Em reunião do FJE da ACSP, o ex-ministro e executivo conhecido por recuperar empresas em momentos delicados, como fez com a Petrobras, narrou episódios importantes de sua carreira

Mariana Missiaggia
10/Mai/2024
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O olhar apurado de Pedro Parente para a gestão de crise

Conhecido pelos cargos de destaque que ocupou em grandes companhias e na área econômica de vários governos, Pedro Parente iniciou a carreira em 1971 como servidor público no Banco do Brasil e, pouco tempo depois, foi transferido para o Banco Central.

Com passagens como consultor do Fundo Monetário Internacional e de instituições públicas no país, incluindo Secretarias de Estado e a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, comandou o comitê responsável por administrar a crise energética, em 2001.

Atuou na linha de frente de três ministérios no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), liderou empresas como Bunge Brasil, Petrobras, Grupo RBS e BRF, é sócio-fundador da eB Capital, gestora de private equity e, por fim, é tido como referência quando o assunto é gestão de crise.

Ele esteve presente, na última quinta-feira (09), na reunião do Fórum de Jovens Empreendedores (FJE) da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que contou com a presença do presidente da ACSP, Roberto Mateus Ordine; do diretor da FAC-SP, Wilson Victorio Rodrigues; e de Daniel Clodoaldo, coordenador adjunto do FJE.

Engenheiro de formação, Parente diz ter aprendido contabilidade, economia e gestão na prática e narrou episódios importantes de sua trajetória, especialmente quando atuou como "ministro do apagão". Durante sua fala, revelou que foi como ministro da Casa Civil que viveu seu maior desafio no setor público: o racionamento de energia elétrica de 2001.

Quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso o nomeou líder da Câmara de Gestão da Crise de Energia, em maio de 2001, o núcleo reunia vários ministérios e os bancos públicos. Era esse o grupo que detinha poder para criar decretos e portarias que iam de reajustes tarifários a medidas de segurança pública.

Parente recorda que se falava em cortes compulsórios, ou seja, um apagão de seis a oito horas nas maiores cidades do Brasil, como São Paulo, com tantos hospitais sem geradores, e que ficaria totalmente sem semáforos. E, por isso, foi chamado por FHC para sair dessa situação de uma maneira organizada.

Mas Parente discordava, e acabou decidindo pela gestão de redução de 20% do consumo de energia a partir do engajamento da população. Para ajudar no gerenciamento da crise, chamou o consultor Vicente Falconi e gerenciamento do racionamento se baseou no método PDCA - “plan, do, check and act”, que significa fazer o plano, implementar, conferir e promover melhorias contínuas. A partir disso, o método virou sua receita de bolo em cada uma das crises ou recuperações de que participaria. 

De fato, o país evitou os blecautes rotativos nos grandes centros urbanos e as previsões de caos. Na época, o trabalho de convencimento da população, no sentido de economizar energia, foi tão bem-sucedido que mobilizou até os consumidores do Sul, onde não havia o problema. E a adesão da população na época continuou por causa da percepção das famílias que estavam dando uma contribuição direta para solução de um problema nacional.

Comparando a experiência com os dias de hoje e a crise vivida pelo Rio Grande do Sul, ele afirmou que há lições daquele período que poderiam ter bom aproveitamento neste momento - transparência, poder e independência financeira.

"Não dá tempo de ficar esperando o Congresso aprovar orçamento ou qualquer outra ação. Naquela época vivíamos algo emergencial (apagão). O que vivemos agora no Rio Grande do Sul supera aquele cenário, pois é vital".

Ao apontar a autonomia e absoluta urgência como chaves principais desse processo, citou em especial que, na época, um comitê de gestão da crise tinha amplos poderes e a participação de todos os órgãos envolvidos, com recursos à disposição.

Parente recorda que a confiança de FHC no seu trabalho foi fundamental para a gestão da crise de energia. Segundo ele, seria impossível fazer um trabalho desses com quem não delega nada para ninguém.

A visão de um gestor, segundo Parente, é de alguém que sabe mobilizar pessoas e recursos para alcançar resultados. Ao citar a própria experiência recuperando diferentes perfis de empresas, como Petrobras e BRF, ele destaca que não tinha conhecimento técnico de nenhum desses negócios. Tinha, entretanto, essa visão de metas, de excelência, de sistemas de gestão por diretrizes que lhe permite ser um gestor tão versátil e adequado às diferentes circunstâncias.

"Minha especialidade não é negócio, mas organizar pessoas e recursos para alcançar resultados. Desde que eu saiba escolher um time ou que encontre os melhores com os conhecimentos necessários daquele negócio específico, darei certo em qualquer setor".

Outra marca pessoal de Parente é transparecer uma mudança substancial na política de comunicação da direção da empresa que assume, mostrando-se aberto ao diálogo seja com o mercado, imprensa e até mesmo com o público interno.

Ele recorda que o diálogo aberto com a sociedade e a transparência sobre o tema foi um dos pontos cruciais para que a população aderisse ao racionamento voluntário de energia em 2001, e evitasse cortes compulsórios.

Após passagens emblemáticas pelo grupo de comunicação RBS, dono de jornais e outros canais, onde participou de uma reestruturação financeira por sete anos, passou a comandar a Burge, uma gigante agrícola, até que chegou a vez da Petrobras - mais um marco de sua história - em 2016.

Com a saída da presidente Dilma Rousseff do cargo, foi convidado por Michel Temer a assumir a estatal, que naquele momento registrava a maior dívida corporativa do mundo, cinco vezes superior à geração de caixa.

Para aceitar o cargo, pediu carta branca para gerir sem interferências políticas. O plano contemplou liberdade na política de preços, redução de 25% nos investimentos em cinco anos, venda de ativos em setores não prioritários e saída de setores como produção de biocombustíveis, distribuição de gás de cozinha, fertilizantes e petroquímica.

Para começar qualquer recuperação, Parente diz ser necessário saber três coisas: identificar o ponto A, que é onde estamos, depois avaliar o ponto B, aonde queremos chegar, e, por fim, como ir do início ao fim.

"É assim que iniciamos uma virada e asseguramos o futuro de uma empresa. É preciso escolher as metas certas para o seu negócio, e não podem ser muitas", diz.

Em relação a tomada de decisão em uma crise, Parente pontua que empresas e organizações devem ter um bom sistema de gestão de risco. Ele explica que uma matriz mapeia todos os riscos, mesmo aqueles que tenham uma probabilidade infinitamente pequena de acontecer.

Um dos eixos da matriz é probabilidade e o outro é o impacto que terá, caso venha acontecer. Mesmo em circunstâncias em que o risco é muito baixo, não é possível desconsiderá-lo, pois o impacto é a sobrevivência da empresa. Já em risco reputacional, cujo impacto é muito grande, o que está em jogo é a sobrevivência da empresa, mesmo que a probabilidade seja infinitamente baixa.

A atenção à gestão de risco e essa conversa de probabilidade baixa se intensificou em sua carreira, desde que Parente diz ter aprendido um ensinamento ainda nos tempos em que esteve no Ministério da Fazenda, com Roberto Setubal, quando o então presidente do Itaú negociava a compra do Banerj, banco estadual do Rio de Janeiro, que tinha sido saneado pelo governo federal.

O conselho dado foi que, mesmo quando a probabilidade é baixa, mas o sinistro é alto, não se pode desconsiderar a probabilidade. Esse olhar aos detalhes tem de sempre estar presente e ter relevância.

Como lição de casa para quem deseja se inspirar em sua carreira e assimilar o processo por meio do qual uma empresa lida com um problema inesperado, Parente sugere a seguinte reflexão: É possível antecipar uma crise? Eu quero resolver uma crise? Eu sei resolver uma crise?

 

IMAGEM: Cesar Bruneli/ACSP

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