O negócio que pode acabar com as viagens de negócios
A recessão econômica acelera mudança cultural e leva empresas a ampliar o uso do webcast para reuniões virtuais
Sentado em uma sala na avenida Paulista, em São Paulo, Fernando Iglesias, da agência Newstyle, ensina uma equipe de 30 pessoas a expor os produtos de um cliente na loja. A sala está ambientada para o treinamento com todas as peças da demonstração. O detalhe é que cada participante está em uma cidade diferente no Brasil, de norte a sul. A situação se repete em média duas vezes por mês.
Até três anos atrás, o publicitário e mais alguns colegas estariam indo de cidade em cidade para dar o mesmo treinamento. O orçamento do projeto precisaria incluir despesas com deslocamento, passagem aérea, refeição, aluguel de espaço e às vezes hospedagem, multiplicados por dezenas de vezes para cobrir a rede de 80 parceiros coligados. Perdia-se horas e às vezes dias fora do escritório.
Quem viu o filme Amor sem Escalas, com George Clooney como o executivo solitário que praticamente mora dentro de um avião, tem uma idéia da transformação que a tecnologia trouxe. De repente, ele precisa trocar as viagens pela conversa online e fica sem saber o que fazer com tanto tempo ganho.
Hoje, com um único profissional, em três horas no máximo, a agência fala com todos os envolvidos no projeto, anulando o risco de “telefone sem fio” do antigo sistema. O uso de equipamento profissional de gravação garante imagem de cinema na transmissão, feita no estúdio do Grupo Voitel, empresa nacional especializada em telefonia, webcast e conferências. O registro da sessão fica arquivado para sempre, à disposição para quem faltou ou quer revisar algum ponto.
O custo do serviço? “Pelo preço de uma passagem aérea para o Rio, falo com pessoas em 30 cidades diferentes”, dimensiona Iglesias, responsável pela coordenação da rede de fornecedores da Newstyle, braço do grupo ABC para ações de promoção. A economia pode chegar a 90% em relação às viagens de negócios.
QUEM GANHA, QUEM PERDE
Cada vez mais assimilado pelas empresas, o serviço de vídeo conferência e de outras ferramentas similares deu um salto nos primeiros meses de 2015. Uma das empresas mais atuantes no mercado, a Voitel registrou um crescimento de 30% no período, mesmo depois da expansão de 40% em 2014. Mais uma comprovação de que corte de despesas passou a ser lei no atual cenário recessivo.
“Desembolso com viagens para reunião ou treinamento têm grande peso nos custos de determinados setores”, diz Pedro Suchodolski, presidente da Voitel. “As empresas estão buscando alternativas para ter canais de relacionamento mais em conta sem perder a qualidade do contato presencial.”
Beneficiada em plena crise, a empresa precisou ampliar a equipe e as instalações para dar conta de tantos pedidos. A carteira de clientes inclui 30% das 1.500 maiores companhias do país, segundo o presidente. Entre as empresas atendidas, estão Itaú, Bradesco, Pão de Açúcar, Carrefour, Mc Donalds e Arezzo.
As perspectivas de crescimento para as ferramentas de webcast parecem estar longe do esgotamento quando se verifica quem pode perder com a troca. Executivos de cerca de mil empresas com operações no Brasil, ouvidas na Pesquisa da Associação Latino Americana de Gestores de Eventos e Viagens Corporativas (Alagev), confirmaram a tendência. Do total, 61% pretendem reduzir os gastos com viagens corporativas em 2015; 23% vão manter o orçamento de 2014, com viés para se adequar a orçamentos menores.
TRANSIÇÃO CULTURAL
O fator custo, no entanto, não é o único alavancador da tendência, segundo Suchodolski. Ele tem observado que uma nova geração de executivos, criada dentro do mundo digital, está tranquilamente trocando a vida na estrada pela reunião virtual. “Estes jovens não estão mais dispostos a gastar um ou mais dias para fazer uma reunião de duas horas. Ele pode falar com cem pessoas ao mesmo tempo ao invés de ir a cem lugares diferentes. Está menos preocupado com o olho no olho do que com a eficiência da comunicação”, constata.
Para que a transformação se completasse, faltava apenas o amadurecimento da tecnologia, agora muito mais potente, estável e amigável. “Acredito que este movimento não tem mais volta, mesmo quando superarmos a recessão”, disse o presidente da Voitel. Além de ganho em tempo, custos e melhora da produtividade, a redução das viagens de negócios traz a vantagem de diminuir as emissões de gás do efeito estufa. O uso intensivo de combustível pela indústria de aviação, somado aos deslocamentos por carro, é um dos fatores que mais preocupam o mundo corporativo quando precisam prestar contas de seus impactos.
ACESSÍVEL AOS PEQUENOS EMPREENDEDORES
Mesmo em atividades onde há uma forte tradição de viagens de negócios, como vendas e representação comercial, a comunicação virtual vem sendo usada para reuniões e treinamentos da força de vendas. O baixo custo do serviço também começa a tornar viável seu uso por pequenas empresas.
Nascida no mundo virtual, a Broota, empresa de financiamento coletivo de startups, adotou o sistema como parte do seu modus operandi. De acordo com o cofundador Frederico Rizzo, cada rodada de captação de recursos, conhecida como roadshow, pode ter de 300 a 800 pequenos investidores participando, a partir de um mailing de 8 mil nomes.
Grandes empresas fazem isso em uma excursão internacional de seus executivos pelas cidades onde estão os investidores potenciais, um modelo impensável para a filosofia do crowdfunding, como é chamado o financiamento coletivo feito pela internet. Em um estúdio montado especialmente para a apresentação, a empresa startup tem todos os recursos para mostrar seu plano de negócios e debater com os investidores cara a cara.
Com aplicações praticamente ilimitadas, se poderia pensar que qualquer coisa pode ser feita por vídeo conferência. Não é assim. O presidente da Voitel lembra que há estágios nos negócios em que o olho no olho é insubstituível. “Recomendo que o início do relacionamento comercial e a entrega de um projeto sejam presenciais. E nenhum evento online consegue recriar a energia de uma convenção de vendas.”
Também deve estar fora de cogitação fugir do difícil processo de demitir apelando para uma câmera. Como bem mostra o personagem de George Clooney. Depois de desastrosas experiências virtuais, ele volta a viver em aviões e a levar as más notícias pessoalmente.
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