O futuro (do setor bancário) não é mais como era antigamente
Em 2017, transações bancárias via celular superaram pela primeira vez o internet banking

*Com Flávio Calife, economista da Boa Vista SCPC
Até pouco tempo atrás, os principais bancos do país ainda investiam fortemente na ampliação de suas redes físicas de atendimento.
Apesar do grande número de fusões e aquisições no setor (a compra do ABN Amro Real pelo Santander em 2007, a fusão entre Itaú e Unibanco e a compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil em 2008, para ficar apenas em alguns exemplos), o número de agências bancárias saltou de 16.396 em 2000 para 23.126 em 2014, segundo dados do Banco Central (BC).
No mesmo período, de acordo com a Anatel, o número de linhas de telefonia móvel passou de quase nada para mais de 280 milhões, superando inclusive o número de habitantes do Brasil.
Segundo pesquisa da FGV divulgada em abril, atualmente já há mais de um smartphone ativo por habitante no país. Outro estudo, do Google, aponta que o percentual de brasileiros que possuía smartphone saltou de apenas 14% em 2012 para mais de 60%.
A popularização dos telefones inteligentes vem sendo acompanhada pela mudança de hábito dos consumidores e por uma significativa transformação na prestação de serviços bancários.
Se em 2008 as transações bancárias realizadas pelo aparelho celular não chegavam a 100 milhões, em 2017 elas já alcançaram a expressiva marca de 24,5 bilhões, tendo respondido por 34,9% de todas as transações realizadas naquele ano, contra 27,6% em 2016.
Com isto, o telefone celular se tornou o principal canal de acesso a serviços bancários no Brasil, superando, pela primeira vez, o acesso remoto (internet banking), que respondeu por 29,3% das transações em 2017, contra 33,4% no ano anterior.
É verdade que a praticidade do celular tende a incentivar um maior número de transações, especialmente as relacionadas a consultas de saldo e extrato, que, por sinal, foram exatamente o tipo de operação que mais cresceu nos últimos anos.
Desde 2015 o telefone celular já é o principal meio para realização deste tipo de transação, tendo respondido por 58% do total de consultas realizadas em 2017.
O Internet Banking, que respondia por 40% das consultas em 2009, hoje representa 25% do total. A participação das redes de autoatendimento (ATM), por sua vez, caiu de 39% para 12% no mesmo período.
Mas também parece haver uma importante migração dos canais de acesso utilizados nos demais tipos de operação. Afinal, vem crescendo de forma expressiva nos últimos anos a utilização do celular para o pagamento de boletos, realização de transferência ou obtenção de empréstimos.
No caso dos empréstimos e financiamentos, as agências e postos de atendimento bancário ainda são a principal forma de acesso, tendo respondido por 43% deste tipo de transação em 2017.
Contudo, a participação do celular saltou de 0% em 2014 para 28% em 2017, ultrapassando as transações via internet banking e ATM.
Já em relação às transferências de crédito, o internet banking, que respondeu por 58% das transações em 2017, vem perdendo espaço para o telefone celular, cuja participação subiu de 1% em 2013 para 18% no ano passado.
Por fim, no caso do pagamento de boletos, subiu de 1% em 2013 para 12% em 2017 a participação do celular. Já o internet banking respondeu por 27% deste tipo de transação no ano passado, valor superior aos 18% registrados em 2009.
Apesar do crescimento da participação das transações digitais, a rede física ainda tem grande relevância para este tipo de operação.
Embora a participação dos pagamentos nas agências venha caindo – de 31% em 2009 para 12% em 2017 –, grande parte destas transações (38%) ainda ocorre em correspondentes bancários.
A baixa renda, o acesso restrito da população à internet e a exclusão financeira são fatores que parecem explicar ao menos parte deste fenômeno.
Em grande medida por causa dessas mudanças, o número de agências bancárias caiu de 23.126 em dezembro de 2014 para 20.960 em agosto de 2018.
Apesar da diminuição de sua relevância em certas operações, os canais tradicionais de acesso ainda são primordiais para a realização de saques.
Em 2017, foram realizadas 5,5 bilhões de transações deste tipo, sendo 7,8% em agências, 11,1% em correspondentes bancários e 81,1% em terminais de autoatendimento.
O dinheiro em espécie, contudo, tende a perder cada vez mais espaço para os cartões de pagamento, que, ainda segundo dados do BC, realizaram 14,3 bilhões de transações e movimentaram mais de R$ 1,2 trilhão no ano passado, valor correspondente a quase 30% do consumo das famílias brasileiras.
A migração para as transações eletrônicas e digitais tende a ser favorecida pelo surgimento das empresas de tecnologia financeira, as chamadas fintechs, que, por causa da alta exclusão financeira –30% da população brasileira ainda não têm conta bancária, de acordo com o Banco Mundial –, da elevada concentração bancária – segundo dados do BC, os cinco maiores bancos concentram mais de 80% do total de ativos – e das altas taxas de juros – segundo FMI e Banco Mundial, o Brasil possui o maior spread bancário do mundo –, encontram no Brasil um ambiente bastante propício para sua expansão.
Para compreender o perfil destas empresas, a Associação Brasileira de Fintechs e a PwC realizaram a Pesquisa Fintech Deep Dive 2018, que entrevistou fundadores de empresas brasileiras de tecnologia financeira.
Segundo a pesquisa, o número de fintechs saltou de 28 em 2011 para 219 no final de 2017. Trata-se de um mercado bastante jovem, visto que 46% das empresas entrevistadas nasceram após 2016, sendo que 51% ainda estão em início de operação e 8%, em fase de idealização ou validação de um produto viável mínimo (não têm clientes).
A maioria delas (54%) concentra sua atuação nos segmentos de meios de pagamento (25%), crédito (21%) ou gestão financeira (8%), com 12% delas já faturando acima de R$ 10 milhões por ano.
Enquanto isso, grupos varejistas já começam a montar estruturas para fornecer serviços financeiros digitais aos consumidores e lojistas, e empresas de tecnologia já estão competindo na arena dos pagamentos móveis.
Ainda é cedo para dizer até onde vai este profundo processo de transformação digital, mas é certo que, nos mercados bancário e de pagamentos, o futuro não é mais como era antigamente.
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