Móveis brasileiros estão fazendo sucesso lá fora
Conheça as histórias (e os percalços) de dois empresários que se aventuraram no mercado americano, que há dois anos se tornou o maior importador de mobiliário brasileiro

Expandir uma empresa para o exterior é uma ideia que pode atemorizar qualquer empreendedor. Proliferam dúvidas sobre a respeito do mercado e da legislação de cada país em um processo de internacionalização.
Mesmo assim, essas incertezas não têm afugentado um punhado de empresários nacionais.
De acordo com os dados do consulado americano em São Paulo, o investimento nos Estados Unidos aumentou 89% nos últimos cinco anos. E mesmo com a crise econômica, a tendência é que os aportes continuem a crescer.
Familiarizar-se em estatísticas é um bom começo para quem está pensando no assunto.
Nos últimos dois anos, por exemplo, os Estados Unidos se tornaram o maior importador de móveis brasileiros.
Aliada a essa popularidade, a desvalorização do real frente ao dólar e as facilidades que o país oferece para este segmento se apresentam como verdadeiros incentivos para empresários do setor moveleiro ingressarem naquele mercado.
Miami foi a porta de entrada da Ornare nos Estados Unidos. Há dez anos, a fabricante de móveis planejados abriu a primeira loja na cidade - um showroom de 300 metros quadrados.
O país foi escolhido por Murilo Schattan, fundador da Ornare, graças ao alto índice de investimentos em construção cívil, que em 2016, por exemplo, movimentou U$ 690 bilhões, de acordo com o Índice de Construção Marcum –um dos relatórios mais reputados.
Com 15 showrooms no Brasil e três nos Estados Unidos, a Ornare acaba de chegar a Nova York, sob o comando de Pitter Schattan, filho do empresário.
A nova loja conceito tem a missão de aumentar em 30% o volume de exportações da marca, que também possui clientes em países da América Central.
O QUE É QUE O BRASILEIRO TEM
Foi também em Nova York, que outro brasileiro, Carlos Junqueira, proprietário da Espasso, fez carreira comercializando móveis e objetos de arte de designers brasileiros.
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Junqueira se mudou para os Estados Unidos em 1990. Trabalhou durante alguns anos no marketing da Alpargatas e depois em um escritório de importação de café, que fechou as portas em 2001.
Desempregado e em busca de uma nova atividade, ele decidiu dar ouvidos ao conselho de um amigo arquiteto. Tornar-se uma espécie de embaixador do design brasileiro nos Estados Unidos. Junqueira sonhou alto e se imaginou dono de uma galeria de arte.
Sem conhecimento do tema, começou a consultar nomes importantes no Brasil, como os designers Carlos Motta e Etel Carmona, e descobriu que havia muito a ser estudado.
A primeira lição foi que os móveis deveriam de ser de madeira certificada – detalhe crucial para operar no mercado americano.
Para dar forma à nova empreitada, Junqueira vendeu sua cobertura no Upper East Side e passou a morar de favor na casa de amigos.
Para o acervo inicial, Junqueira investiu em mesas e sofás dos designers José Zanini Caldas, Lia Siqueira, Claudia Moreira Sales, entre outros profissionais renomados.
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“Queria mostrar que o Brasil não tem apenas Oscar Niemeyer, pois não vendo móveis, mas obras de arte”, diz.
A ousadia do empresário foi ainda mais adiante, quando alugou uma sala para abrir a sede da Espasso. A área, 350 metros quadrados de um antigo prédio no Queen’s, era totalmente fora do roteiro percorrido pelos nova-iorquinos com dinheiro suficiente para comprar móveis de grife.
RECONHECIMENTO
De fato, os primeiros meses foram de baixíssimo movimento.
No primeiro ano da Espasso, Junqueira enfrentous filas nos correios para despachar catálogos da loja para o mailing de arquitetos e decoradores. “Levei muito não na cara”, admite.
A sorte mudou seis meses após a inauguração da galeria. Durante a festa de um amigo, uma das convidadas se interessou em escrever sobre a Espasso no jornal onde trabalhava -The New York Times. Depois da reportagem, tudo mudou.
Para sorte de Junqueira, nessa mesma época o MoMA (Museu de Arte Moderna) mudou-se para o Queen’s durante a reforma da sede, em Manhattan, e colocou, definitivamente, o bairro no mapa dos apaixonados por design.
Dali pra frente, a Espasso só cresceu. Em setembro de 2006, Junqueira já estava em seu novo e atual endereço - uma galeria de dois andares com 600 metros quadrados, no bairro de Tribeca, em Manhattan, além de abrir uma filial em Los Angeles.
Hoje, grande parte da clientela da Espasso é formada por arquitetos e decoradores que trabalham para celebridades e grifes famosas, como a Louis Vuitton, que em uma de suas lojas atualmente exibe três vasos de madeira esculpidos no Acre (US$ 480 cada).
Os visitantes, atendidos apenas com hora marcada, são recebidos com música brasileira ambiente, café, guaraná e bombom Sonho de Valsa. “Quem paga o preço do que vendo gosta de um paparico”.
Atingir o reconhecimento pode ser uma grande dificuldade enfrentada por empresários brasileiros lá fora, especialmente em um mercado tão competitivo como o americano.
Schattan, por exemplo, levou quase dois anos para convencer os consumidores locais da excelência de sua marca . "Existe muito preconceito", diz.
Além de anunciar as novidades da loja da Ornare nos meios de comunicação, ele organizou viagens de arquitetos americanos ao Brasil.
O maior propósito das missões promovidas pela marca era fazer com que os profissionais envolvidos conhecessem a sede da Ornare, acompanhassem o processo de fabricação dos móveis, que acontece em Cotia, a 29 quilômetros de São Paulo, e se tornassem clientes recorrentes da marca.
Foi dessa forma que Schattan conseguiu viabilizar suas principais parcerias e se tornar uma referência entre as lojas especializadas de Miami.
DESPESAS
Apesar de muitos definirem a internacionalização como algo como glamouroso, Schattan define o caminho percorrido ao longo desses anos como "bem doloroso".
Ele afirma que é preciso muita resistência financeira para sobreviver aos primeiros anos do negócio.
"Nos dois primeiros anos, nosso caixa era negativo e sempre sustentado pelas negociações feitas no Brasil".
O empresário explica que, com a parte mais burocrática do processo, que inclui a obtenção de licenças, gasta-se de U$ 700 a U$ 1200. Em alguns casos, no Brasil, esse é o valor de apenas uma licença.
Estima-se que a fase inicial do negócio pode ser feita por até 15% do valor que seria gasto em terras brasileiras.
Ao contrário do que possa parecer, apesar de se tratar de um meio vagaroso, a exportação nunca foi um problema para os empresários entrevistados.
Os móveis vendidos por Junqueira são criados e produzidos em pequenas fábricas no Brasil ou garimpados em antiquários e casas de família do Rio e de São Paulo.
Uma vez encomendadas, as peças embarcam de navio e demoram de 12 a 14 semanas para aportar em Nova York antes de seguir para seu destino final.
É um processo moroso, que se tornou mais rígido após o atentado de 11 de setembro. Desde então, todos os contêineres que chegam às margens dos Estados Unidos precisam ser abertos, fiscalizados e passados no raio X.
No caso de Schattan, que produz móveis planejados, as encomendas chegam a pesar toneladas e também são enviadas em contêineres. O maior volume enviado pelo empresário aconteceu para uma troca de showroom da loja - 32 toneladas.
No entanto, Schattan explica que o lhe rendeu mais trabalho e investimento financeiro durante todos esses anos foi a procura por um imóvel comercial para locação.
Além de caro, esse tipo de negócio exige um contrato mínimo de dez anos, no qual o inquilino assume o pagamento de impostos, taxas, manutenção e seguro.
"Acredito que seja nessa fase que esteja o maior perigo para o empresário. Muitos assumem dívidas enormes por conta disso", diz.
ABERTURA DE EMPRESAS
Enquanto o processo de abertura de empresa no Brasil pode demorar até 100 dias, nos Estados Unidos, bastam quatro dias úteis para obter todas as licenças necessárias para dar início a uma atividade comercial.
São variadas as modalidades de empresa ali abertas. Cada uma estabelece como será feita a declaração de impostos e também pode ajudar quem queira atrelar a empresa a alguma possibilidade de visto de trabalho. Veja as quatro categorias mais utilizadas:
*LLC’s – Limited Liability Company: Modalidade mais utilizada pelos brasileiros, a Companhia de Responsabilidade Limitada é uma estrutura empresarial em que proprietários são chamados de membros. Não há um número máximo estabelecido. No entanto, existem regras especiais para LLC’s de estrangeiros.
* Corporations: Na formação de uma corporação, é possível seguir o modelo tradicional de acionistas, conselheiros e diretores. E se tornam obrigatórias algumas formalidades corporativas internas, como a adoção de estatutos, emissão de ações, apresentação de relatórios anuais, além do pagamento de impostos anuais federais e estaduais.
*Partnerships: Uma sociedade entre duas ou mais pessoas que devem apresentar uma declaração anual de informação para relatar os rendimentos, deduções, ganhos e perdas.
*Sole Proprietorship: Muito semelhante ao nosso MEI (Microempreendedor Individual), trata-se de um um negócio dirigido por uma única pessoa. É a opção mais simples e barata e também a mais disseminada para os pequenos negócios nos EUA.
*FOTO: Divulgação/Ornare