Incertezas podem afastar consumidores norte-americanos das lojas
Resultados das vendas continuam positivos, mas preocupações das famílias com impactos das políticas tarifárias de Trump nos preços já aparecem nas expectativas de compras futuras e alertam varejistas

Os consumidores norte-americanos estão preocupados com a inflação e temem que novas políticas tarifárias prejudiquem seu orçamento futuro. Apesar do ano ter começado positivo para o varejo, indefinições sobre as condições econômicas nos próximos meses estão levando as famílias a repensarem seus gastos e isso já aparece claramente nos indicadores.
Depois de um janeiro positivo em termos de vendas, as pesquisas de sentimento do consumidor dos Estados Unidos de fevereiro acenderam uma luz amarela no setor varejista, que é o maior empregador privado do país e um importante motor econômico. O varejo contribui com US$ 5,3 trilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano e responde por um em cada quatro empregos do país, equivalentes a 55 milhões de postos de trabalho.
Para a principal associação do segmento, a National Retail Federation (NRF), a demanda por uma balança de tarifas justa e equilibrada entre os Estados Unidos e seus parceiros comerciais é uma política correta. “Tarifas são uma ferramenta importante e o presidente (Donald Trump) vai usá-la para proteger os americanos. Podemos ter uma economia dinâmica e com bom desenvolvimento importando e exportando para os lugares certos”, afirmou o presidente e CEO da NRF, Matthew Shay.
A instituição, no entanto, teme mudanças abruptas e generalizadas que possam prejudicar a gigantesca cadeia internacional. Para a NRF, é fundamental que haja acordos que permitam manter a estabilidade do mercado. “Apoiamos a busca pelos melhores acordos comerciais possíveis”, disse Shay.
Em nota oficial à imprensa, o vice-presidente executivo de relações governamentais da Federação, David French, reforçou a fala anterior de Shay e detalhou a posição da instituição em relação à imposição de tarifas recíprocas a todos os parceiros comerciais. "Embora apoiemos os esforços do presidente para reduzir as barreiras e desequilíbrios comerciais, isso atinge um volume de negócios enorme e será extremamente prejudicial às nossas cadeias de suprimentos. Provavelmente resultará em preços mais altos para as famílias americanas trabalhadoras e corroerá o poder de compra delas. Incentivamos o presidente a buscar coordenação e colaboração com nossos parceiros comerciais e trazer estabilidade às nossas cadeias de suprimentos e orçamentos familiares.”
ESTADO DE ALERTA
Para French, a comprovação de que os consumidores já estão alarmados com a incerteza sobre uma guerra comercial ficou expressa nos resultados de fevereiro do Índice de Sentimento do Consumidor (ICS, da sigla em inglês para Index of Consumer Sentiment). O indicador, apurado pela Universidade de Michigan, é uma referência importante da economia dos Estados Unidos, acompanhada por economistas, analistas financeiros e autoridades governamentais, como as do Federal Reserve (Fed), o banco central do país.
O ICS registrou quedas significativas em todas as comparações. O índice de sentimento caiu 9,8% entre janeiro e fevereiro deste ano, passando de 71,1 pontos para 64,7 pontos. Em relação ao mesmo mês de 2024 (quando estava em 76,9), o tombo foi de praticamente 16%.
Já o indicador das condições econômicas atuais registrou quedas de 12,5% na comparação com janeiro (de 75,1 para 65,7 pontos), e de 17,3% sobre fevereiro do ano passado, quando estava em 79,4 pontos. Por fim, o índice de expectativas do consumidor registrou 64,0 pontos, representando decréscimos de quase 8% na comparação com o período anterior (69,5 pontos) e de 15% na comparação anual (75,2 em fevereiro de 2024).
Um dos aspectos que despertam a atenção dos analistas para a estatística da Universidade de Michigan é que ela traz recortes de resultados para as diferentes inclinações políticas e perfis socioeconômicos dos entrevistados. Em fevereiro, a preocupação atingiu a população como um todo em termos de idade, renda e riqueza. Mas, segundo a economista-chefe e diretora de pesquisas da Universidade, Joanne Hsu, as diferenças nas visões políticas apareceram. “Embora o sentimento tenha caído para democratas e independentes, ele não mudou para republicanos, refletindo divergências contínuas sobre as consequências de novas políticas econômicas”, disse.
Ela destacou que todos os cinco componentes do índice se deterioraram este mês, liderados por uma queda de 19% nas condições de compra de bens duráveis, “em grande parte devido aos temores de que aumentos de preços induzidos por tarifas sejam iminentes”. As expectativas para finanças pessoais e a perspectiva econômica de curto prazo despencaram quase 10% em fevereiro, enquanto a perspectiva econômica de longo prazo caiu cerca de 6%, para sua leitura mais baixa desde novembro de 2023.
De acordo com a pesquisa, as estimativas de inflação nos Estados Unidos para o ano que vem saltaram de 3,3% para 4,3% entre janeiro e fevereiro, a leitura mais alta desde novembro de 2023, marcando dois meses consecutivos de elevações excepcionalmente grandes. “Os aumentos deste mês foram generalizados e vistos em todas as faixas de renda e idade. Em termos políticos, as expectativas de inflação aumentaram para independentes e democratas, e caíram ligeiramente para os republicanos.”
Em janeiro de 2025, a inflação acumulada no período de 12 meses nos Estados Unidos atingiu uma taxa de 3%, superior aos 2,9% apurados em dezembro e acima também da previsão do mercado de 2,9%, segundo dados do US Bureau of Labor Statistics. A meta anual é de 2%. Entre os fatores que puxaram a alta em janeiro estão os preços de energia e alimentos, em especial os ovos, que dispararam 44% devido a um surto de gripe aviária.
INÍCIO DE ANO POSITIVO
Antes da piora das expectativas em fevereiro, o ano de 2025 teve um início positivo para o varejo. De acordo com dados divulgados pelo United States Census Bureau, do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, as vendas em janeiro sofreram uma desaceleração natural após o forte período de festas do final de ano, mas cresceram na comparação com o mesmo mês entre 2024 e 2025. Foram US$ 723,9 bilhões movimentados no período, que representaram retração de 0,9% na comparação com dezembro e alta de 4,2% sobre janeiro do ano passado.
Os números mostraram sintonia com o outro indicador do setor, o CNBC/NRF Retail Monitor, alimentado por dados da Affinity Solutions, e divulgado alguns dias antes. Pelo índice, as vendas de janeiro, ajustadas sazonalmente, caíram 1,27% em relação a dezembro e subiram 5,72% sobre igual mês de 2024.
A investigação sobre desequilíbrios nas tarifas praticadas pelos Estados Unidos e por seus parceiros comerciais determinada pelo presidente Donald Trump deve ser concluída até o dia 1º de abril deste ano. Nesse período se espera que aconteçam as negociações para acordos comerciais. A partir de 2 de abril, caberá ao presidente decidir sobre a implementação de qualquer uma das novas alíquotas recomendadas.
Tarifas recíprocas foram uma promessa de campanha de Trump, uma estratégia para equilibrar os negócios com países que aplicam impostos sobre produtos americanos e resolver o que, segundo ele, são práticas comerciais desleais.
IMAGEM: Librado Romero/The New York Times