Impenhorabilidade: vale pra quem?

Dívidas acumuladas, bens penhorados. Será?

Ivone Zeger
21/Jun/2018
Advogada, consultora jurídica, palestrante e escritora.
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Impenhorabilidade: vale pra quem?

Quem já viveu, pelo menos, uns trinta anos sabe que a vida profissional e financeira não é fácil de erguer e manter. Altos e baixos são constantes, especialmente em uma economia volátil.

Alberto, meu cliente, 32 anos, aprendeu isso a duras penas. Ele herdou do pai uma empresa de fabricação de crachás eletrônicos. Como sabemos, nessa área a tecnologia muda a todo instante e são necessários constantes investimentos para manter a empresa competitiva.

Alberto precisava de capital. Além disso, o pai deixara o setor de cobrança praticamente parado, havia “colecionado” clientes inadimplentes, o que acabara por provocar um desequilíbrio considerável no fluxo de caixa. Alberto resolveu, então, colocar em ordem a situação e processar os devedores.

Um deles, proprietário de uma confecção, alegou total impossibilidade de recursos para pagar a dívida. Ele investira alta quantia na colocação de suas peças em eventos de moda e não teve o retorno esperado.

O pai de Alberto vendera lotes de etiquetas eletrônicas, com pagamentos facilitados, mas, infelizmente, nunca efetuados. Alberto juntou-se a outros credores da confecção e juntos pediram a penhora dos seus bens.

O devedor possuía um único imóvel, de esquina, com dois pisos: a parte de cima era a sua residência e de sua família; e na parte de baixo funcionava a confecção. Ocorre que a lei é muito clara em relação a imóveis que são a única residência da família: são praticamente impenhoráveis.

Enquanto a situação da empresa não se equilibrava, Alberto decidiu economizar. E usou a seguinte estratégia: alugou seu excelente apartamento e mudou-se para o imóvel que fora do pai e que, agora, pertencia a ele e a seus dois irmãos. A casa necessitava de reformas; Alberto pretendia fazê-las e ao mesmo tempo juntar um capital com a renda advinda de seu imóvel alugado.

Nesse ínterim – surpresa! – descobriu que o pai deixara uma dívida em aberto no banco, um financiamento para compra de máquinas, que já alcançava cifras preocupantes.

Em poucos meses, o banco batia à sua porta e a casa estava sendo penhorada. Alberto lembrou, entretanto, que o pai havia protegido essa mesma casa, em testamento, por meio da cláusula de impenhorabilidade.

Mas com Alberto essa cláusula não funcionou. Por quê? Então há aspetos na lei que funcionam para uns e não funcionam para outros? E, pensou Alberto, funcionam todos contra mim?

Na verdade, não é bem assim. Quando parece que o mundo todo está contra, o melhor é separar as coisas. Ou seja, é preciso entender a interdependência dos fatos, mas também analisar caso a caso.  Vamos à questão do dono da confecção e sua dívida com Alberto:

Como já foi dito, o devedor e dono da confecção tinha um único bem e era usado pela família. O artigo 1º da lei nº 8.009/1990 diz que “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam”.

Essa prerrogativa só não acontece quando o devedor age de má-fé, ou seja, quando contrai dívidas e esvazia seu próprio patrimônio, colocando seus imóveis em nome de terceiros.  Não era o caso aqui.

Porém, a parte usada como residência era a superior. Na parte de baixo, efetivamente o que havia era um estabelecimento comercial. Como agir?

Nesse caso, foi realizada uma ação para pedir o desmembramento do imóvel, separando assim a parte que era usada como residência do restante do imóvel, usado para fins comerciais.  A ação foi acatada. Dessa forma, o imóvel da família continuou intacto, mas a parte de baixo pagou a dívida que Alberto cobrava.

E quanto à casa de Alberto, deixada de herança pelo pai? Primeiramente, aqui estamos falando de situação bem diferente da anterior e diz respeito às leis de sucessão e herança.

A cláusula de impenhorabilidade é um instituto que impede que um bem seja usado como garantia e deve constar, obrigatoriamente, na escritura de compra e venda ou doação. Ou, ainda, em testamento, normalmente, quando seu autor quer assegurar um imóvel para moradia de um membro da família ou vários membros.

Com essa cláusula, caso um dos herdeiros ou seus cônjuges façam dívidas e não possam pagar, a casa herdada não pode ser penhorada. Foi o que fez o pai de Alberto.

Ocorre que, nesse caso, a dívida fora feita pelo pai e não pelo filho. Nesse aspecto, a lei também é bastante clara: se alguém falece e deixa dívidas, elas devem ser pagas com o espólio, que é o conjunto de bens e recursos deixados pelo falecido. E como o pai de Alberto não tinha outros bens, a não ser a casa e a empresa, não havia alternativa.

Alberto até poderia se desesperar. Mas percebeu que na empresa as coisas começaram a dar certo. Na verdade, aconteceu o melhor: tendo colocado o setor de cobrança para trabalhar e se dedicado com afinco, Alberto conseguiu reaver um fluxo de caixa e a empresa foi capaz de alcançar uma margem de lucro interessante.

Com isso, ele pôde renegociar a dívida e o prazo de pagamento, livrando o imóvel da penhora. Terminou a reforma da casa herdada do pai, voltou para seu apartamento e, atualmente, a casa está alugada e rendendo uma quantia mensal para Alberto e o dois irmãos.

Para Alberto, entretanto, impenhorabilidade continua a ser um bicho de sete cabeças. 

 

IMAGEM: Thinkstock

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