Brasil ganha espaço entre os maiores em competição internacional de arbitragem
Atrás apenas de EUA e Alemanha, país leva uma das maiores delegações para o Vis Moot Viena, a maior disputa global de arbitragem; Participação em massa reflete interesse cada vez maior de jovens pelo método

Estudantes de Direito do Brasil já descobriram na arbitragem um mercado promissor. Na tentativa de entrar logo cedo na área, os jovens cada vez mais participam de competições nacionais e internacionais, como o Vis Moot Viena (Áustria), que começou neste dia 11 e vai até 17 de abril, e reúne profissionais renomados do setor.
Além do prestígio do prêmio para o currículo, o networking pode garantir espaço nos mais prestigiados escritórios de advocacia. A remuneração costuma ser boa para os profissionais especializados que, apesar do enorme aumento de interesse pelo assunto, ainda são poucos se comparados aos de outras áreas da Justiça.
Em sua 32ª edição, o Vis Moot é um dos principais espelhos deste interesse. Está prevista a participação de cerca de 2,5 mil estudantes de diversos países, que se dividirão em 391 times. E o Brasil é um dos maiores destaques. Na edição passada, o país entrou com 24 equipes, se firmando como o 3º no ranking de participação, atrás apenas dos Estados Unidos (com 45 equipes) e da Alemanha (com 30 equipes). Para se ter uma ideia do crescimento do interesse do brasileiro, em 2010, apenas sete equipes do país participaram do Vis Moot.
Nesta competição de arbitragem, os estudantes abordam questões de comércio internacional, em inglês, especificamente relacionadas à compra e venda de mercadorias. Eles assumem o papel de advogados de defesa de uma das partes e participam de toda a simulação.
No Vis Moot se treina argumentação, concatenação de ideias, redação sucinta, pesquisa de casos, por exemplo. Os alunos também aprimoram a oratória, com foco na capacidade de convencimento, improviso e adaptação.
“Os maiores escritórios de advocacia e centros de arbitragem ao redor do mundo enviam representantes para as disputas para caçar novos talentos”, ressalta Luíza Kömel, hoje secretária Geral do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), e que participou de uma edição do Vis Moot quando ainda era estudante.
“É uma competição que agrega demais profissionalmente, além do intenso estudo para a fase escrita e de treinamento para a fase oral em Viena, o jovem já se integra com outros profissionais e com potenciais clientes, além de criar oportunidades valiosas para estabelecer conexões e expandir suas redes de contatos”, emenda.
Pre-Moots
Participar de disputas como Vis Moot requer muito preparo, apoio e investimento financeiro. Por isso, patrocínios e treinamentos são pontos cruciais para o sucesso. É aqui que entram instituições referência no setor, universidades e grandes escritórios de advocacias, com a organização de Pre-Moots, competições-treino, que não só preparam para a disputa maior, como também oferecem prêmios em patrocínios e são acompanhadas de perto por “olheiros” de escritórios.
Dois dos mais famosos Pre-Moots são promovidos pelo Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), referência no país, de acordo com o ranking da Leaders League. São as competições de São Paulo e de Hamburgo, na Alemanha.
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Na semana passada, por exemplo, ocorreu o Pre-Moot Hamburgo, na Alemanha, viabilizado também pela parceria da entidade com o Hamburg Arbitration Circle. No total, 35 equipes participaram deste evento, dentre estas, 20 brasileiras. A edição realizada em São Paulo, que ocorreu em fevereiro, contou com a participação de 25 equipes e mais de 300 participantes, entre profissionais e estudantes de Direito de diversas faculdades brasileiras.
Bianca Siqueira, da equipe da Universidade Federal de Rondônia, conta que sua equipe enfrentou desafios para chegar à competição de São Paulo, mas considera a experiência enriquecedora.
“Tivemos uma preparação intensa, não apenas pelo volume de estudo envolvido, mas também pelos desafios logísticos — moramos na região Norte do Brasil, onde os custos com passagens são mais altos e os deslocamentos, mais complexos. Apesar disso, a experiência foi extremamente enriquecedora. Aprendemos muito ao ver outras equipes apresentando o caso sob diversas perspectivas. Foi incrível chegar até aqui, e estou imensamente feliz por tudo o que vivemos”, afirmou a estudante.
Iniciativas para jovens se multiplicam no país
O crescimento do interesse de estudantes e jovens profissionais pela área, associado à necessidade de networking, tem gerado ainda a expansão de grupos para interação, aprendizado e estudo. Um dos mais expoentes é o New Generation CAM-CCBC. O NewGen, como é conhecido, auxilia no desenvolvimento dos novos profissionais que querem ingressar nesta área nos cenários nacional e internacional, com foco em diversidade cultural, étnica, regional e de gênero. Integrantes do comitê mantêm uma agenda intensa de encontros com profissionais, debates, treinamentos, produção de artigos técnicos e uma série de outras iniciativas.
O jovem profissional precisa ter idade igual ou inferior a 40 anos, com experiência prévia em arbitragem ou outros meios de resolução de disputas ou, pelo menos, demonstrar interesse pela área. Hoje, o NewGen já reúne mais de 600 pessoas.
A quantidade de jovens brasileiros envolvidos na arbitragem também chama atenção global e vem transformando o país em sede de encontros internacionais dedicados a esse público. Só no ano passado, foram dois grandes fóruns internacionais. Em junho, no Rio de Janeiro, paralelamente à realização da Conferência Latino-Americana de Arbitragem (CLA), ocorreu a CLA-40, um workshop especialmente adaptado para a comunidade jovem de arbitragem em antecipação à Conferência Latino-Americana de Arbitragem – CLA 2024.
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Em outubro, durante a São Paulo Arbitration Week (SPAW), a capital paulista abrigou o encontro anual do Young ICCA Skills Workshop on Enforcement of Arbitral Awards, o grupo destinado a jovens profissionais do International Council for Commercial Arbitration (ICCA), o mais importante fórum de discussão do setor. Foi a primeira vez que um país da América Latina recebeu um evento deste peso, exclusivamente para jovens, no cenário global.
O mercado
Os processos arbitrais têm crescido no Brasil. O CAM-CCBC, por exemplo, que havia registrado 138 processos em 2023, contabilizou 148 no último ano, um aumento de 7,25%. Diversas empresas ao redor do mundo têm recorrido a meios alternativos de resolução de disputas, em especial à arbitragem, com o objetivo de obter decisões mais céleres e especializadas do que aquelas proferidas pela justiça estatal.
Os fatores que desencadearam o crescente interesse dos jovens profissionais brasileiros pelo mercado de ADRs podem ser divididos em dois grupos distintos, ambos fortes em termos de atratividade. O primeiro é a própria dinâmica jurídica brasileira. O excesso de ações na Justiça, que leva à enorme morosidade para a solução de conflito versus a celeridade e assertividade da arbitragem, é um deles.
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Enquanto na Justiça comum um processo leva, em média, 36 meses (três anos) para tramitar apenas em primeira instância, segundo o anuário Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na arbitragem esse tempo cai para menos de 20 meses, de acordo com a pesquisa Arbitragem em Números.
Para um país com um estoque de mais de 84 milhões de ações em andamento, a arbitragem cai como uma luva para fazer andar contratos que poderiam ficar anos parados à espera de uma solução judicializada. Para as empresas, isso significa economia de tempo e dinheiro. O número de novos casos por ano passou de 222 em 2015 para 318 em 2023, e os valores envolvidos saltaram de R$ 10,7 bilhões para R$ 29 bilhões no mesmo período.
Com mais e melhores empregos, e um futuro promissor, é de se esperar que cada vez mais estudantes busquem formas de conhecer profissionais e oportunidades de mostrar talento para que consigam ingressar no setor.
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