Fipe desconstrói o preço do feijão para provar “efeito psicológico”
A percepção exagerada do consumidor sobre a alta do feijão pode pressionar ainda mais a inflação. BC reforça medidas para neutralizar esta pressão

Há duas preocupações legítimas por trás dos altos preços do feijão no varejo, afirma o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da USP, André Chagas.
A alta conjuntural do preço do grão, eleito símbolo da inflação atual, e a inflação estrutural que a escalada do preço do produto aciona na esteira da reação defensiva dos consumidores ao seu poder de compra. Essa reação indexa ainda mais a economia.
É para a inflação estrutural que as ações e comunicações do Banco Central (BC) estão voltadas. Para enfrentá-la, seus dirigentes mantêm juros e vêm a público reforçar o discurso de que o Comitê de Política Monetária (Copom) tomará todas as medidas necessárias para convergir a inflação ao centro da meta (4,5%) em 2017.
EFEITO DOMINÓ
De acordo com Chagas, “o impacto do aumento do preço do feijão (ou de qualquer outro produto da cesta diária do consumidor) é mais psicológico do que qualquer outra coisa".
O pedreiro que vai ao supermercado e constata aumento de 90% a 100% no preço do feijão (ou do arroz, da carne etc.), segundo o coordenador do IPC-Fipe, não espera muito para reajustar o preço da sua mão de obra pelo mesmo porcentual.
O mesmo faz a cabeleira, o eletricista e os prestadores de serviço em geral.
Assim, as altas se difundem pela economia, estabelecendo o que os economistas chamam de efeito de segunda ordem, contra o qual o BC procura lutar. "O que os dirigentes do BC querem”, explica Chagas, “não é levar a inflação à convergência, mas levar as expectativas a convergirem em direção ao centro da meta".
NÃO É O QUE PARECE
Para mostrar que há uma celeuma exagerada em torno do preço do feijão e seu respectivo impacto sobre a inflação, a Fipe montou, com a ajuda de uma nutricionista, um prato para cada dia da semana com o percentual de cada ingrediente no custo deste prato.
Na composição do "Contrafilé com fritas", por exemplo, o feijão exerce um peso de 7% em comparação com os demais ingredientes. "Se imaginarmos que um contrafilé com fritas é vendido a R$ 15, o peso do feijão passa a ser de 3%", calcula Chagas.
Em valores, considerando a quantidade de produtos que compõem o prato, o feijão é o terceiro item mais caro neste cardápio. O contrafilé, na proporção de 150 gramas, em junho, custava R$ 4,15, seguido pela batata, na quantia de 75 gramas a R$ 0,46. Então vem o feijão (45 gramas), a R$ 0,42.
O coordenador ressalta que os pratos foram compostos dentro dos parâmetros domésticos, excluindo custos com conta de luz, água, aluguel, despesas com funcionários e impostos, entre outros encargos. O custo total para se preparar um filé com fritas em casa no mês passado era de R$ 5,81.
Em outra montagem, o “Filé de frango à parmegiana”, o feijão nem aparece entre os ingredientes. Neste prato, as 35 gramas de mussarela (R$ 1,21) pesam mais que o filé de frango de 150 gramas a um preço de R$ 0,84. O molho de tomate, na quantidade de 55 gramas, entra no cardápio por R$ 0,58. Em junho, o custo para a elaboração deste prato, de acordo com os cálculos da Fipe, era de R$ 4,14.
Até mesmo na feijoada - neste caso a base é o feijão preto, que custa um terço do carioquinha - o feijão não exerce o maior peso. A porção de 45 gramas custa R$ 0,42, o quinto na lista, atrás da costelinha suína R$ 0,93 por 43 gramas, couve (80 gramas) a R$ 0,74, carne seca (23 gramas) a R$ 0,72 e paio (23 gramas) a R$ 0,53. O custo total para a composição de um prato de feijoada em casa em junho ficou em R$ 5,65.
Outro prato no cardápio da Fipe que não leva feijão é a macarronada e mesmo assim seu custo de preparação não se diferencia muito do “Arroz com feijão, contrafilé e fritas”. Os maiores custos na composição do prato não são o macarrão espaguete, cuja porção de 100 gramas custa R$ 0,60. É o molho de tomate (170 gramas) a R$ 1,80. Em seguida vem o queijo ralado (15 gramas) a R$ 1,58, seguido pela carne moída de acém (50 gramas) a R$ 0,82.
No “Filé de pescada branca com purê e legumes”, o maior peso fica para a pescada (135 gramas) a R$ 2,46 em valor de junho. O queijo ralado (6,6 gramas) custava R$ 0,70 e a batata (95 gramas) a R$ 0,58. É outro prato que não leva feijão e cujo custo de preparação em casa fica em R$ 5,02.
O feijão aparece no topo da lista dos itens mais caros só na sopa de feijão. Neste prato, são usadas 100 gramas do grão a um custo de R$ 0,94 por prato. O segundo maior peso vem do alho (10 gramas), a R$ 0,44, e o terceiro vem das 10 gramas de bacon que vão na sopa, a R$ 0,24.
ALTA VEIO PARA FICAR
"O risco da alta de preços não é o conjuntural e sim o estrutural", afirma Chagas. Ele acredita que pode se repetir o que ocorreu em 2008, quando o quilo do feijão saiu de R$ 2 para R$ 9 e quando caiu foi para R$ 6. Na ocorrência atual, de acordo com o coordenador da Fipe, há um agravante na alta do preço do feijão. Além da quebra de safra por motivos climáticos, existe ainda a pressão da perda de área de plantio do grão para a soja.
No entanto, de modo geral, segundo Chagas, o susto com o preço de alguns produtos em determinados momentos tem mais a ver com a percepção da inflação pelo consumidor, por conta de uma variação muito grande de um item com muito peso, mesmo que a inflação agregada não esteja tão elevada.
Imagem: Thinkstock