Famílias cortam compras para pagar contas
No segundo trimestre deste ano, a cada ida no supermercado, o brasileiro levou para casa uma quantidade quase 10% menor de produtos, de acordo com a Kantar Worldpanel

Apesar de a inflação nos últimos meses ter batido recordes de baixa a ponto de terminar agosto com resultado negativo de 0,09% - a menor taxa em 20 anos para o mês -, muitos brasileiros, especialmente os de menor renda, não têm sentido esse alívio no bolso.
Além do desemprego continuar alto, o que reduz a renda, o elevado reajuste das tarifas ampliou os gastos das famílias com despesas obrigatórias, como energia elétrica, gasolina, gás, passagem de ônibus, entre outras.
Com isso, uma parcela crescente do orçamento, que já passa de 25%, vem sendo comprometida com esses gastos, sobrando menos recursos para outras despesas.
Em 2018, pelo segundo ano seguido, os preços administrados, aqueles cujos reajustes são determinados pelo governo e independem da oferta e da demanda, estão subindo muito acima da inflação geral e também dos preços livres, não regulados.
A cada mês que passa, as despesas fixas da família Lima com luz, água, telefone e gasolina só aumentam. Com uma bebê de três meses e mais dois filhos, uma de 16 anos e outro de oito anos, Angela de Cássia Dias Lima e o marido Luciano Lima viram, nos últimos seis meses, a conta de luz saltar de R$ 120 para R$ 189.
As despesas com água e esgoto também subiram: passaram de R$ 120 para R$ 132. E o carro que o casal usa para passear aos finais de semana - ir ao shopping, comer fora, por exemplo - fica a maior parte do tempo estacionado na garagem porque falta gasolina.
"A gente rebola para pagar as contas", diz Angela, que é fiscal de transporte escolar.
Ela e o marido, que trabalha como autônomo depois de ter perdido o emprego de garçom no início do ano, não têm para onde correr e são obrigados, como a maioria dos brasileiros, a aceitar os aumentos das tarifas.
Uma das saídas para conseguir encaixar esse aumento de despesa na renda familiar, que gira em torno de R$ 2,2 mil por mês, foi reduzir o consumo de outros bens e serviços que não são obrigatórios.
A família, por exemplo, deixou de comer fora e está gastando menos no supermercado. Antes da disparada das tarifas, Angela conta que comprava duas caixas de leite por mês. Hoje leva para casa uma caixa.
Ela e o marido passaram a beber chá para deixar o leite para as crianças. Bolacha recheada também entrou na lista de corte: antes a família comprava cerca de 20 pacotes por mês e hoje são apenas três.
"Com essas e outras reduções consigo gastar cerca de R$ 120 a menos por mês no supermercado", calcula Angela.
A freada no consumo de alimentos, bebidas, artigos de higiene e limpeza, cujos preços estão bem comportados, de acordo com os índices de inflação, foi captada por institutos de pesquisas especializados.
No segundo trimestre deste ano, a Kantar Worldpanel que visita semanalmente 11,3 mil domicílios no País para tirar uma radiografia do consumo de uma cesta de 108 categorias de produtos, entre alimentos bebidas e artigos de higiene e limpeza, registrou uma retração 5,5% nos volumes comprados sobre o primeiro trimestre deste ano.
A cada ida no supermercado, o brasileiro levou para casa uma quantidade quase 10% menor de produtos.
"Nos últimos três anos não tínhamos registrado uma queda tão forte", diz Giovanna Fischer, diretora do instituto e responsável pela pesquisa domiciliar.
NATAL
"A situação do comércio azedou também por causa do aumento das tarifas", diz Fabio Bentes, economista-chefe da Confederação do Comércio (CNC). Ele lembra que até abril, as vendas do varejo cresciam na faixa de 7% ante 2017 e depois da greve dos caminhoneiros esse ritmo caiu 50%.
Para o economista, o crescimento de vendas deve ficar nessa toada. Além da incerteza política e do desemprego elevado, a alta das tarifas nos gastos vai frear as compras. Ele prevê que as vendas de Natal cresçam 2,3%, uma taxa menor do que a de 3,9% em 2017.
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