Entre cachorros, implosões e discos de vinil
Manoel Jorge Dias, dono do Casarão do Vinil, loja estabelecida no bairro da Mooca, quer trazer a cultura dos velhos discos para as novas gerações
Existe algo que aproxime a implosão de edifícios da venda de discos? À primeira vista a resposta é, definitivamente, não. Mas um homem decidiu unir esses dois mundos: Manoel Jorge Dias ou “Manezinho da Implosão”, como também é conhecido.
Esse descendente de portugueses se formou em engenharia de minas em 1979. De lá para cá, colocou abaixo diversas construções pelo país.
A mais célebre foi a do presídio do Carandiru, em São Paulo, e a mais arriscada a do edifício Palace 2, no Rio de Janeiro. A lista é grande: “Participei de 90% das implosões no Brasil”, diz com orgulho.
Os discos só começaram a fazer parte da rotina de Dias décadas mais tarde, quando juntou um acervo com mais de um milhão de LP’s. Mas a história desse personagem não é óbvia.
Ele não foi um colecionador de álbuns ou um grande amante de música. Na juventude, seu passatempo era juntar gibis e embalagens de cigarro.
LABIRINTO DE CACARECO
A história de Dias com os vinis começou com outro projeto: montar uma pousada com os restos de materiais que sobravam das demolições.
No intuito de comprar roupas de cama para esse empreendimento, ele adquiriu um lote num leilão que, além de lençóis e fronhas, continha centenas de roupas femininas.
A veia de comerciante começou a pulsar e ele decidiu, em 2001, montar uma loja para comercializar esses itens. As vendas foram um fracasso. Para diminuir o prejuízo, Dias passou a aceitar trocas.
No início, vieram os livros, depois quadros, móveis antigos e, finalmente, começaram a chegar os primeiros vinis.
O plano inicial era transformar a pousada num centro cultural. No primeiro mês, ele já tinha juntado 20 mil livros e os cacarecos não paravam de chegar.
Os escambos renderam um vasto acervo. Para acomodá-lo, Dias abriu outra loja na Rua do Oratório, na Mooca, na zona leste de São Paulo.
Certo dia, um homem entrou na loja querendo comprar alguns discos. “Sem saber o valor correto, não quis fechar negócio e ele ameaçou chamar a polícia”, afirma Dias.
Esse episódio fez Dias perceber que os vinis não estavam mortos. Havia um público interessado nos velhos bolachões.
CASARÃO DO VINIL
Um imóvel da década de 1940, na esquina da Rua dos Trilhos com a Rua Clark, também na Mooca, foi o local escolhido para abrigar a coleção de discos antigos, que passou a crescer rapidamente com as trocas e as compras de lotes. No final das contas, o número de unidades já ultrapassava um milhão.
Por anos o casarão ficou fechado para o público. Dias e alguns funcionários trabalhavam para catalogar os tesouros do passado.
Em março de 2014, ele abriu as portas pela primeira vez para um feirão anual de vinil, que duraria apenas um final de semana.
O sucesso foi tão grande que as vendas começaram a se repetir. Foram 23 edições do feirão até que Dias decidisse transformar o local num loja definitiva, com o nome de Casarão do Vinil.
“Em alguns fins de semana, mais de 700 pessoas apareceram. Colocava os discos na calçada para dar conta de tanta gente”, diz Dias. “Cheguei a vender 18 mil vinis num único final de semana”
Hoje, os clientes que entram no casarão se deparam com mais de 700 mil álbuns e com cinco cachorros que andam pelos dois andares da loja divertindo a freguesia. “Eles são os mascotes e estão no nosso logotipo”, afirma Dias.
A maioria dos consumidores procura discos de rock e jazz. Mas como o acervo não está dividido por gênero musical é preciso garimpar para encontrar o álbum desejado.
Os preços começam em R$ 30 e vão subindo: quanto mais raro, mais caro. Entre as preciosidades está o primeiro disco do Roberto Carlos, avaliado em R$7 mil.
Dias vende uma média de três mil discos por mês, incluindo os pedidos online. Diversas pessoas procuram a loja em busca de álbuns gravados por seus pais, avós ou amores do passado.
Além de discos, boas histórias não faltam no Casarão. A mais comum e recorrente são de jovens que vêm acompanhados por parentes mais velhos e descobrem os discos pela primeira vez.
Na era do Spotify e das músicas digitais, Dias acredita que a volta dos bolachões não é uma moda, mas algo definitivo. “Daqui a alguns anos, todos vão voltar a ter discos em casa”, afirma.
Ele aponta dois motivos para esse regresso: a qualidade do som e durabilidade do vinil.
Nos últimos anos, esse sonho de Dias nunca esteve tão próximo de se tornar realidade.
Grandes lojas de eletroeletrônicos voltaram a comercializar vitrolas e alguns artistas, como a brasileira Pitty e a americana Beyoncé, lançaram seus álbuns recentes em LP.
O próximo passo do empreendedor é tornar a Mooca conhecida como o bairro do vinil em São Paulo.
Para chamar a atenção dos clientes, ele faz todo o tipo de promoção desde dar descontos para as próximas compras até trocar vinis por agasalhos e alimentos que são doados para caridade.
Nesta semana de aniversário da cidade de São Paulo, por exemplo, todos que doarem sangue e medula óssea ganharam cinco LP's de R$ 30,00.
Dias ainda se dedica as implosões, como consultor e palestrante. Mas permanece mais parte do tempo no Casarão, entre os discos e os cachorros.
A semelhança entre o mundo dos vinis e das implosões pode não parecer tão óbvia, assim como a história de Dias.
Mas ao ser indagado se existe algo que une essas duas pontas de sua vida, ele tem a resposta na ponta da língua: o resgate.
Como Manezinho da implosão, ele dá vida nova a uma região, caso do Carandiru que se transformou no Parque da Juventude.
Como comerciante, ele resgata os vinis para trazer de volta à vida a cultura do vinil para as novas gerações.
FOTOS: Thaís Ferreira/Diário do Comércio