Entenda o que levou o Iguatemi a planejar um novo bairro em Campinas
Margarida Caldeira, do escritório Broadway Malyan, é a urbanista responsável pelo chamado Casa Figueira, que terá espaço para residências, comércios, hospitais e escolas, tendo o shopping como eixo central em uma área de 1 mil metros quadrados

Defensora de um planejamento urbano que harmonize moradia, trabalho e lazer, a arquiteta portuguesa Margarida Caldeira, responsável pelas operações do escritório inglês Broadway Malyan em Portugal e no Brasil, é o nome principal por trás de uma parceria entre o Grupo Iguatemi e a Fundação das Entidades Assistenciais de Campinas (FEAC).
Em um projeto chamado Casa Figueira, Margarida quer levantar em Campinas, no interior de São Paulo, algo parecido com o que está fazendo na Austrália e já fez no Canadá por meio do conceito apelidado de "bairro de 15 minutos". Há dez anos, o escritório foi escolhido para desenhar um novo - e sofisticado - bairro em torno do Shopping Iguatemi Campinas, maior empreendimento do grupo no Brasil, com 106 mil metros quadrados de Área Bruta Locável (ABL).
Apoiado no impacto do shopping construído na década de 1980, a ambição do novo bairro é se tornar uma nova centralidade na cidade de Campinas. Serão cerca de cem torres de uso misto em uma área total de 1 milhão de metros quadrados (equivalente ao bairro da Vila Olímpia, em São Paulo) e 240 mil metros quadrados de áreas verdes. Escolas, hospitais, um parque linear e um boulevard também serão construídos em um espaço com uma arborização volumosa.
A estimativa é de que o valor geral de vendas (VGV) do empreendimento alcance a cifra de R$ 10 bilhões. A entrega dos primeiros lotes (serão mais de 60) está prevista para 2028 e a execução total do plano deve durar pelo menos uma década.
A aposta do Iguatemi em combinar áreas residenciais, comerciais e de lazer em um espaço integrado representa um marco para o grupo, que agora irá além do modelo tradicional dos espaços de consumo para ter também relevância com projetos que se integrem à comunidade, de acordo com Carlos Jereissati, membro do conselho de administração da Iguatemi.
Nas palavras do executivo, a visão da empresa é que seus shoppings evoluirão para centros de convergência de um ecossistema mais amplo, onde a experiência do público transcenderá o consumo, abrangendo entretenimento, espaços comerciais e residenciais integrados, e até mesmo um bairro planejado.
O investimento da empresa deve variar entre R$ 70 milhões e R$ 80 milhões, e tem a ver, segundo o executivo, com quatro pilares: expandir a atuação e não mais tê-los como espaços exclusivos de consumo; adensamento demográfico, integrando os shoppings com outros empreendimentos de proximidade; a expansão física desses empreendimentos; e, por último, novos projetos, como o Casa Figueira.

"É do Iguatemi buscar o que há de melhor no mundo e reproduzir no Brasil. Queremos ser um motor de transformação urbana e econômica, geradores de riqueza e contribuir para o crescimento das cidades e regiões onde estamos, com impacto econômico e social de longo prazo”, disse.
Durante o seminário Novas Centralidades Urbanas, organizado pelo Arq.futuro, em Campinas, Margarida contou que uma de suas inspirações é um trabalho feito em Calgary, no Canadá, na comunidade East Village, que teve início em meados de 2008. Neste caso, o Malyan pegou uma área degradada e repleta de terrenos baldios, prédios abandonados, tapumes, pessoas em situação de rua, relatos de violência e a repaginou.
Foram pouco mais de 50 hectares que ganharam espaços verdes, ciclofaixas, habitação para diferentes faixas de renda, áreas de cultura e educação, além de levar órgãos públicos a edifícios que estavam sem uso. Hoje, essa área vive o resultado dessa revitalização e abriga equipamentos importantes, como o espaço cultural National Music Center, uma enorme biblioteca pública, além de escolas, hotéis, pequenos comércios e novas torres residenciais.
A exemplo do que foi feito em Calgary, Margarida tem um desafio a mais em Campinas para equilibrar o contraste social da área, já que a região do Iguatemi, na Vila Brandina, abriga casas de alto padrão e também é ladeada pela favela do Sapo e uma outra que leva o mesmo nome da Vila Brandina.
Nesse sentido, Margarida pontua que o modelo se diferencia dos condomínios fechados por ter acesso livre, e deve ser considerado efetivamente um bairro. "Com a zeladoria em dia, pessoas circulando, impomos de forma sutil um ambiente seguro. Para ser um bairro, é preciso ter diversidade de uso, de classes, de tipologias e de condições econômicas e sociais", disse.


É nesse ponto que, segundo Margarida, o urbanismo é fundamental para projetar uma infraestrutura urbana, que permite caminhabilidade - o desenho das ruas, a largura e formato das calçadas, a existência de sombra e a iluminação pública -, fator que incentiva os deslocamentos a pé. A área também estará conectada à cidade por meio do transporte público, com uma espécie de terminal público. Hoje, já existem diversos pontos de ônibus ao redor do shopping, com linhas tanto em sentido bairro quanto em sentido centro.
Em busca de experiências bem-sucedidas, Margarida tem liderado visitas às cidades que tiveram sucesso nessa tarefa, que tem a natureza como destaque. No estado de São Paulo, o exemplo mais próximo disso está na Riviera de São Lourenço, em Bertioga. Os padrões ESG (sigla em inglês para políticas corporativas ambiental, social e de governança), como a busca por carbono zero, aplicação de painéis fotovoltaicos e utilização inteligente da água também são uma prioridade, segundo Margarida.
Já na contramão da tecnologia, a urbanista diz apostar também em soluções simples que podem ajudar a diminuir o impacto das altas temperaturas, como a canalização de ventos para amenizar a sensação de calor, os tipos de árvores que serão plantadas, bem como pensar no sombreamento que os edifícios vão fazer em determinados horários.
Anunciado há pouco mais de um mês, o primeiro empreendimento do complexo é o Avenida 105 - um prédio de luxo com quatro apartamentos por andar e arquitetura autoral. A única torre terá 80 unidades com 150 metros quadrados, que podem ser distribuídas em quatro ou três suítes, incluindo quatro coberturas duplex de 254 metros quadrados.
O valor das unidades varia entre R$ 2,3 milhões e R$ 4,2 milhões. O edifício está em construção em um terreno de 5,3 mil metros quadrados. O prédio em si ocupará apenas 12% deste espaço, o restante será composto por áreas verdes e de lazer.
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IMAGENS: divulgação