'Empreendedor precisa de crédito rápido, sem intermediários'
Presidente da ACCrédito, da ACSP, o economista Milton Luiz de Melo Santos avalia o cenário de crédito para o início de 2021, e aposta na retomada com ajuda dos pequenos negócios
Com mais de 40 anos de experiência no setor financeiro, Milton Luiz de Melo Santos, presidente da ACCrédito, a recém-lançada empresa de crédito para empreendedores da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), aposta em um crescimento econômico mais consistente em 2021.
Funcionário de carreira do Banco Central por mais de 30 anos, responsável pela criação da primeira Agência de Fomento do Estado de São Paulo (Desenvolve SP) e, recentemente, secretário executivo da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, Santos vê a solidez do sistema financeiro como um dos pilares da retomada econômica.
Outro impulso para que o país saia da crise, segundo ele, será consequência do aumento das MPEs e MEIs nascidas na pandemia em decorrência da perda do emprego que, de grão em grão, devem ajudar a puxar empregos com carteira assinada e a retomada gradativa da atividade.
Para facilitar essa participação das MPEs, a ACCrédito acaba de assinar convênio com o Sebrae Nacional para oferecer garantias via Fampe (Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas).
"Isso dá uma sensação de independência, de empoderamento ao empreendedor", diz Santos, que acredita que "é positivo para a economia girar pela banda do empreendedorismo, e não só do emprego."
Confira a seguir a entrevista de Melo Santos ao Diário do Comércio:
Fale sobre o cenário do crédito nesses oito meses de pandemia, em especial para pequenos negócios.
Nessa análise, é preciso separar o crédito destinado a empresas de grande porte. Aqui, o crédito continuou a crescer sem dificuldades para que o segmento fizesse frente às dificuldades que a pandemia causou a todos.
O Banco Central e o Ministério da Economia adotaram medidas que permitiram às empresas renegociarem contratos de empréstimo em andamento, uma ação acertada que permitiu dar fôlego aos bancos e negócios nos quais o faturamento caiu a zero, e de alguma forma evitar um caos social mais expressivo.
Quanto ao crédito para MPEs, os bancos fizeram renegociação de centenas de milhares de contratos. Isso fez crer, na visão da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), que o sistema concedeu crédito, porque à medida em que foram renovados, com carência maior, eles apareceram como novas operações.
Mas, quando se fala em crédito novo para MPEs, concedeu-se muito pouco. A não ser o Pronampe, com liberação de recursos em três fases de R$ 38 bilhões, tentando atenuar um pouco as dificuldades.
Sob essa perspectiva, há risco de aumento na inadimplência dessas empresas nos próximos meses?
Quando se olha o tamanho da nossa economia, especificamente no caso da micro e pequena empresa, R$ 38, R$ 48 ou R$ 58 bilhões é muito pouco para atender à sua necessidade grande de capital de giro.
Liquidez tem, os recursos existem. Por outro lado, conceder recursos novos a taxas de juro mais baixas é uma atividade que dificilmente ocorrerá. Ainda mais na pandemia, quando a percepção do risco é mais elevada.
Hoje, o índice de inadimplência do BC para empresas está em 2,65%, muito baixo, e a autoridade monetária sabe que o índice é baixo devido às medidas que permitiram a renegociação de dívidas em andamento.
Só que essa carência vai vencer agora em janeiro, fevereiro. Então, a grande atenção será voltada para quando ela terminar, pois aí vamos saber se essas empresas terão condições de pagar o valor principal mais juros - o que deve ocorrer lá para março. Por enquanto, o índice está mascarado pelas decisões que o governo tomou.
Com o fim do auxílio emergencial, dá para visualizar um cenário de alta na inadimplência e no endividamento das famílias, pelo menos nos primeiros meses do ano?
Sem dúvida, o fim do auxílio vai gerar impactos sobre os mais de R$ 212 bilhões que o governo injetou na renda das famílias para a economia girar. Esse foi um efeito positivo, pois muitas delas não se endividaram tanto. Há estudos que mostram que houve até aumento espontâneo da poupança durante o isolamento.
Mas é razoável fazer a análise por estrato da pirâmide: na classe média alta, essa poupança aumentou porque muitas dessas pessoas optaram por reduzir seus gastos e fixar no que era essencial na quarentena.
Nos estratos menos favorecidos, porém, mais afetados pelo desemprego e que precisaram compensar essa perda na renda, já se pode ver que esse endividamento vai aumentar.
Então, pelo menos para o crédito, o 1º trimestre será complicado?
Para 2021, a economia está dando sinais fortes de retomada com mais consistência. Isso obviamente vai permitir melhores condições de emprego formal, e uma retomada gradativa do crédito para MPEs.
Esse é um segmento que, pelas estatísticas do IBGE, aumentou muito em número durante a pandemia, já que muitas surgiram em decorrência da perda de emprego. Assim como cresceu o número de MEIs. Isso é positivo para a economia, que passa a girar pela banda do empreendedorismo, e não só do emprego.
O senhor está bastante otimista quanto à uma possível retomada da economia no início de 2021. Mas e a iminência da segunda onda de covid-19 e de um possível endurecimento na flexibilização?
Claro que esses sinais estão aparecendo, com aumento do número de internações e óbitos. São sinais muito preocupantes pois, se adquirirem uma escala maior, é quase certo que os governantes terão de tomar medidas muito mais duras no sentido de manter o distanciamento nos mesmos patamares de antes.
Isso significa, de novo, retração brutal da economia, consumo caindo fortemente com o desemprego e alta do risco social. Se a tendência se materializar, será difícil o país apresentar condição de crescimento.
Mas hoje o mercado financeiro estima crescimento do PIB entre 2,5% e 3% em 2021. Esse ano, o 3º trimestre cresceu 9,5% em relação ao 2º tri, e no cômputo geral, vai apresentar queda anual em torno de 4,5%, muito menor do que a prevista inicialmente.
Nessa crise - diferente da de 2008, que foi do sistema financeiro -, os bancos estão com muita liquidez. Com as pessoas voltando a consumir e as empresas a produzirem, a economia terá uma retomada sustentável.
Muitas MPEs reclamaram do acesso difícil ao Pronampe, que esgotou rapidamente ao ser liberado. Ou que não conseguiram em bancos privados por falta de garantias. Qual o papel da ACCrédito nesse sentido?
Dos mais de 18,5 milhões de pequenos negócios e MEIs, 98% que se enquadram na categoria micro (que faturam até R$ 81 mil por ano) operam num regime de informalidade brutal. Por isso, tomar crédito é difícil.
Temos bancos com recursos, e do outro lado do balcão, negócios que precisam deles para avançar e se tornarem competitivos. Mas faltam organização contábil, financeira e bens para oferecer em garantia.
Nesse sentido, a ACCrédito tem sido muito inovadora e disruptiva, porque não pedimos garantias físicas: o interessado vai fazer a operação pela internet, dando informações básicas. E sem pedir o favor de ninguém.
Fazemos a análise dos dados compilados desse interessado através de uma plataforma que, com ferramentas de Inteligência Artificial, estabelece um score para estabelecer o seu limite de crédito.
O diferencial é que acabamos de assinar um convênio com o Sebrae Nacional, para oferecer garantias para esses pequenos negócios por meio do Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe).
Somos a primeira instituição não-bancária a assinar esse convênio. Quem já conseguiu o crédito, relatou ter a operação aprovada em dois minutos e meio, e em seguida, o dinheiro na conta. Isso dá uma sensação de independência, de empoderamento ao empreendedor, que vê resultados sem esperar por intermediários.
Quantos pequenos negócios estão na mira da ACCrédito?
A princípio, vamos atender aos associados da ACSP e da Facesp (Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo), onde há um contingente de 400 Associações, que abrangem entre 300 mil e 350 mil empresas. É um grande público-alvo, e um enorme mercado de originação de crédito para atuar.
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