É você quem paga pelos votos dos deputados que inocentam Temer
Câmara deverá arquivar nesta quarta (25/10) a segunda autorização para processar o presidente da República. Mas os votos serão pagos pelos contribuintes
Não se iludam. O presidente Michel Temer deve barrar pela segunda vez na próxima quarta-feira (25/10), na Câmara dos Deputados, denúncia do Ministério Público Federal que poderia afastá-lo do cargo e processá-lo por malfeitos.
Mas Suas Excelências os deputados não votarão por convicção. Estão sendo comprados. E o dinheiro vem do bolso dos contribuintes.
É algo bem mais sutil que a grosseira distribuição de dinheiro sacado do Tesouro.
Vejamos o caso das emendas parlamentares. Já no final de outubro, calculava-se que o Executivo desta vez desembolsaria R$ 1,02 bilhão.
O deputado não incorpora esse dinheiro a seu patrimônio pessoal. Ele determina que a União faça determinadas obras nos municípios em que os prefeitos são seus aliados e nos quais são cavados os votos para que sejam reeleitos em 2018.
Esse mecanismo cria brasileiros de primeira e de segunda classe. Os de primeira classe recebem as obras e os serviços. Elas não são recebidas pelos cidadãos de segunda classe, que não têm um deputado a seu serviço ou em que o deputado pertence à oposição. Simples assim.
Essa é, no entanto, apenas a parte mais visível do processo. O governo também distribui vantagens mais indiretas.
O exemplo mais vergonhoso está na intenção de não mais privatizar o aeroporto de Congonhas, em São Paulo. É uma área de influência do ex-deputado e ex-prisioneiro (mensalão) Valdemar Costa Neto.
O partido que ele ainda comanda, o PR, tem 37 deputados. Os quais certamente votarão para aliviar a carga que a Justiça exerce sobre o presidente da República.
O PR tem interesses materiais na gestão da estatal Infraero, propriedade de Congonhas. Também o tem em Pampulha, o aeroporto menor de Belo Horizonte, que – segundo promessa de Temer a Costa Neto – poderá voltar a receber voos interestaduais.
Isso tiraria a rentabilidade operacional do aeroporto de Confins, que também serve à capital mineira e que já foi privatizado.
Nessa história toda, Congonhas é o mais rentável dos aeroportos da Infraero. Mantendo-o sob controle estatal, arrebenta-se com o modelo pelo qual o setor privado se encarregaria de um aeroporto que dá lucro, mas seria também obrigado a cuidar de outros menores que não dão.
OS DOIS MIMOS PARA A BANCADA RURALISTA
Há em seguida a “compra” dos votos da bancada ruralista, composta por pouco mais de 200 deputados.
A Câmara tem 513, e em 2 de agosto, quando ela absolveu Temer pela primeira vez, 263 deputados votaram com o Planalto.
Pois bem, os ruralistas receberam dois lindos mimos. O menor deles está no decreto assinado no último sábado (21/10), que dá desconto de até 60% por multas ambientais lavradas contra proprietários rurais.
O Ministério do Meio Ambiente, cujo titular é Sarney Filho, argumenta que poucas multas seriam recebidas sem o desconto e que, no fundo, o governo sairá ganhando.
Ora, ora. Se as multas não são recebidas, basta cobrá-las ou condicionar o pagamento aos novos contratos de crédito rural.
Mas perdoá-las (seria coisa de R$ 6 bilhões) é incorrer num pecado imperdoável para um governo que está com a corda fiscal no pescoço.
Vejamos o segundo mimo aos ruralistas. Trata-se do decreto que espantosamente mudou o capítulo do Código Penal que define o trabalho escravo.
O texto restringiu essa forma de trabalho apenas quando o trabalhador não tem a liberdade de deixar o emprego pelo qual recebe salário degradante ou não recebe salário algum.
Mas o problema é espinhoso. De um lado, ruralistas acusam os fiscais do Ministério do Trabalho de terem uma “visão ideológica” da questão.
Citam o caso da empresa de ônibus, cujos motoristas – amparados por seu sindicato – optaram por fazer um número considerado excessivo de horas suplementares.
A empresa foi multada por trabalho escravo, já que o excesso de horas suplementares seria “degradante”.
Mas essa é uma exceção que confirma uma regra bem mais ampla. No meio urbano, há trabalhadores bolivianos confinados em ateliês de costura que praticamente trabalham 12 horas por dia, em troca de casa e comida.
E no meio rural, “gatos” (intermediários) transportam trabalhadores rurais do Nordeste para o Pará ou Mato Grosso, onde são obrigados a comprar instrumentos de trabalho – o que é ilegal – e não são dispensados enquanto não pagarem as “dívidas” de alimentação e de transporte.
O fato é que o decreto de Temer foi tão grosseiro que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, deu a ele o prazo de dez dias para revoga-lo.
E começaram a chover péssimas repercussões do exterior. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma agência das Nações Unidas, advertiu sobre o peso desse recuo na legislação sobre o trabalho livre.
E –o pior, em termos econômicos –a União Europeia, por meio da deputada finlandesa Heidi Hautala, ameaçou propor uma campanha de boicote a produtos brasileiros.
Se isso chegar a ocorrer, os contribuintes brasileiros não estarão apenas pagando em dinheiro a compra de deputados que Temer pratica no Congresso.
Estarão também pagando em empregos, enquanto os empregados o fariam em queda de exportações e de faturamento.
REAJUSTES DOS PLANOS DE SAÚDE
Paremos então para pensar. Era preciso chegar a tanto? Pois Michel Temer em algum momento sentiu que está a perigo, e que era preciso partir para o mais acrítico dos pacotes de maldades.
Com relação a outras moedas políticas em jogo, pode ser também o caso dos planos de saúde, autorizados a majorar as apólices dos segurados mais idosos em índices tem superiores ao da inflação interna do setor.
No caso, esse jogo é mais indireto.
Os planos de saúde foram em 2014 doadores importantes às campanhas eleitorais. Não poderão mais fazê-lo agora como pessoas jurídicas.
Mas seus controladores o poderão como pessoas físicas. E os deputados, candidatos à reeleição, estão de olho nesse dinheiro.
Seria uma forma de jogar sobre os ombros dos cidadãos uma parcela da dívida que o governo, com o atual déficit fiscal, não teria como pagar.
O jornal O Globo revela nesta segunda-feira (23/10) que Temer ainda tem 25 pendências em aberto, depois da votação de 2 de agosto que desautorizou o STF a abrir processo contra ele.
São sobretudo nomeações para cargos do segundo e terceiro escalão. Esses indicados, convém lembrar, atuariam no serviço público como apadrinhados políticos. E o Estado cairia mais um pouco em sua proverbial ineficiência.