E se as mulheres recusarem a dupla jornada?
Enquanto outros países correm para mudar as condições que prejudicam a vida profissional feminina, o Brasil assiste parado aos prejuízos causados pelo excesso de tarefas das mulheres e a desigualdade salarial
Dez anos de boas intenções, crenças e ilusões vieram ao chão há poucos dias diante dos dados divulgados recentemente pelo IBGE.
Segundo o instituto, nesse período, as brasileiras mal avançaram um metro na conquista de oportunidades iguais aos homens dentro das empresas.
A boa intenção de departamentos de RH e secretarias especiais de governo fracassou em confirmar a crença de que a bonança econômica naturalmente ajudaria as mulheres a deslanchar profissionalmente.
Esvaziou-se de vez a ilusão de que a melhor performance educacional delas e maior ocupação de cargos executivos levariam automaticamente à igualdade salarial e promocional.
Entre 2005 e 2015, o Brasil viveu anos de crescimento econômico e pleno emprego. As mulheres aproveitaram o boom educacional e entraram em massa nas universidades.
O que aconteceu com os números? Em 2005, a renda feminina no trabalho correspondia a 71% da remuneração dos homens. Em 2015, a proporção subiu para... 76%.
Entre os ocupantes de cargos de gerência ou direção, a diferença foi ainda maior. Na mesma faixa etária e tendo a mesma função, o salário das executivas se limitava a 68% dos ganhos dos executivos.
O cúmulo da disparidade, no entanto, surge quando se relaciona salário com escolaridade. Quanto mais anos de estudos, maior a desigualdade de rendimento das mulheres.
Entre as que têm quatro anos de estudo, a diferença fica em 81% da dos homens na mesma condição. Quando passa de 12 anos de escolaridade, a diferença vai para 66%. E só piora se a profissional tem mestrado ou MBA no currículo.
Na Europa, a diferença salarial geral por hora trabalhada entre homens e mulheres é de cerca de 20%, de acordo com levantamento divulgado nesta sexta-feira (16/12) pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Mas ela se acentua no grupo dos 1% de trabalhadores mais bem pagos e chega a cerca de 45%.
Entre homens e mulheres que ocupam cargos de diretores executivos e estão entre o 1% de trabalhadores mais bem pagos, a diferença supera 50%, segundo o mesmo levantamento.
PREJUÍZO DE UMA VIDA
A explicação da disparidade, segundo o IBGE, está fora das empresas, na dupla jornada feita pelas mulheres. Em 10 anos, nada mudou entre os muros da casa.
Os homens continuam a dedicar as mesmas 10 horas semanais aos afazeres domésticos, contra 25 horas delas.
A má vontade masculina com as tarefas da casa e da família levam a uma sequência de prejuízos para a vida profissional feminina, como se vê:
*A sobrecarga em casa leva as mulheres a trabalhar seis horas a menos que os homens na ocupação remunerado
*Somando a jornada remunerada e a doméstica, as mulheres trabalham 55,1 horas e os homens, 50,5 horas
*A dupla jornada afasta as mulheres do mercado de trabalho. Cerca de 70% não tem trabalho remunerado.
*Entre as jovens, 21,1% abandonam o estudo e o trabalho para cuidar de casa contra 7,8% dos rapazes. Elas ajudam 25 horas em média e eles, 10.
*A demanda excessiva das tarefas domésticas representa uma das razões para as mulheres serem menos escolhidas para cargos de chefia e direção.
*O trabalho não remunerado em casa inclui tarefas difíceis de controlar, como os cuidados com os filhos, as pessoas idosas e as doentes e a administração do lar.
DESEMPENHO DA DESIGUALDADE
O descuido do Brasil com a distribuição justa de tarefas e renda coloca o país em posição precária nos principais rankings que mensuram o assunto.
No relatório produzido pelo site US News e World Report, o Brasil ficou em 26º colocação entre 60 países pesquisados.
No estudo do Fórum Econômico Mundial, o país está em 85º lugar entre 145 nações e um dos piores quando se trata de igualdade salarial.
Se mantiver esse ritmo, a instituição prevê que serão necessários 100 anos para o Brasil e o mundo chegar à equanimidade entre homens e mulheres.
Falta ao país dedicar mais atenção às experiências em andamento no mundo. Entre os países mais bem colocados nos estudos, a busca de soluções segue caminhos variados, mas a maioria resulta de um papel decisivo do Estado e passa pela implantação de políticas de proteção dos direitos das mulheres.
Estão entre eles, os países nórdicos, a Austrália, Alemanha, Áustria, Grã-Bretanha, Holanda, Nova Zelândia e o Canadá.
Entre os objetivos dessas medidas, está o de melhorar a autoconfiança das mulheres para construir uma carreira ou montar um negócio e assim, fortalecer sua renda.
Algumas medidas adotadas, embora indiretas, têm um forte impacto no bem estar feminino. É o caso da cobertura de saúde de qualidade e serviços eficientes de cuidados com crianças e idosos, que liberam um tempo precioso para os estudos e a vida profissional.
Onde não há serviços públicos de qualidade, como no Brasil, a responsabilidade por esses cuidados recai sobre as mulheres e as meninas, segundo documento da ONU.
No entanto, mesmo os países desenvolvidos estão ainda longe de chegar à igualdade total de gênero. E os pontos críticos são justamente o desenvolvimento profissional e a igualdade de renda. Continua baixa a presença da mulher em posições de liderança no mundo corporativo.
HORA DE FAZER FAXINA
Especialistas reconhecem agora que, sem mudanças dirigidas aos homens, pouco se andará. E essas mudanças exigem a participação das empresas.
A começar pela valorização da licença paternidade mais longa – muitos homens recusam o benefício, preocupados, com razão, com a repercussão negativa sobre suas carreiras.
É o mesmo caso da aceitação pela empresa de que as tarefas domésticas e os cuidados com os filhos precisam ser divididas por marido e mulher.
Enquanto não forem vistos com naturalidade pelos colegas e chefes, dificilmente os homens vão enfrentar o tabu que cerca o tema.
O mesmo acontece com o horário flexível, uma demanda das executivas mães pouco defendida pelos pais.
Se pouco ou nada for feito para encontrar o equilíbrio justo, a sociedade corre o risco de ver crescer o fenômeno já verificado no Japão e Itália, lugares onde o machismo continua forte.
As japonesas estão simplesmente se recusando a casar para não perder tudo o que investiram na carreira.
Os italianos também estão com dificuldade de convencer as moças do país a aceitá-los como maridos e pais; nunca houve tantas solteiras convictas no país.
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