Convencional ou imoral?
É justo privar uma criança de um lar porque sua mãe adotiva é um transexual?
Não faz muito tempo na cidade de São José do Rio Preto (SP), uma adolescente de 17 anos deu à luz um bebê que não tinha condições de criar. Assim como milhares de outras crianças nascidas nas mesmas circunstâncias, seu destino seria os abrigos públicos.
Em vez disso, porém, o bebê encontrou um lar. A cabeleireira Roberta e seu companheiro comoveram-se com a situação. Com o consentimento da adolescente e de sua mãe, Roberta foi à justiça e solicitou a guarda da criança.
Após passar por uma série de testes psicológicos e entrevistas com assistentes sociais, ela foi considerada apta para cuidar do bebê.
Na companhia de Roberta, o menino, que estava desnutrido, rapidamente recuperou o peso. Tudo parecia estar indo bem, exceto na opinião do promotor da Vara da Infância e da Juventude de São José do Rio Preto, Cláudio Santos de Moraes.
Ocorre que Roberta é um transexual. E isso bastou para que a guarda do menino lhe fosse retirada. No entender do promotor, Roberta e o companheiro constituem um casal “anormal”.
O promotor alega que sua postura não é preconceituosa. Ele acredita que a criança tem o direito de ser criada por uma família “convencional”. No entanto, numa época em que a sociedade passa por tantas mudanças, a quem cabe decidir o que é uma família “convencional”?
Vejamos o que a legislação tem a dizer. Em nenhum lugar do Código Civil está escrito que uma pessoa não pode adotar ou requerer a guarda de uma criança com base em sua orientação sexual.
Por esse motivo, as avaliações psicossociais a que são submetidos os candidatos à guarda ou à adoção de um menor restringem-se ao essencial. Essa pessoa possui condições psicológicas, emocionais e materiais para educar uma criança? É capaz de criá-la com dignidade e afeto?
Obviamente, não é a orientação sexual do candidato que irá determinar essas respostas, mas seu caráter e sua história de vida. Pensar de outra forma, ou seja, acreditar que a condição de homossexual ou de transexual basta para desqualificar a capacidade dessa pessoa de exercer o papel de pai ou de mãe, é sim – ao contrário do que afirma o promotor – um injustificável preconceito.
Em algumas cidades americanas, os governos locais incentivam a adoção de menores por homossexuais. Os motivos? Os homossexuais são mais propensos a adotarem crianças que costumam ser rejeitadas por casais heterossexuais, como as mais velhas ou as portadoras de problemas físicos ou mentais.
Além disso, estudos naquele país indicam que os menores criados por homossexuais são bem cuidados e possuem um bom padrão de vida – às vezes até acima da média.
Enquanto isso, no Brasil... Roberta briga na justiça para reaver o bebê. E o pequeno, que por um breve período de sua curta existência conheceu o amor, permanece num abrigo “convencional”, à espera da tal “família convencional”. Não é difícil imaginar outra palavra que rima muito bem com essa.