Como o comex brasileiro pode aproveitar oportunidades abertas pela guerra tarifária

Em conversa com o Diário do Comércio, os especialistas Lucas Ferraz, da FGV, e Luiz Carlos Szymonovicz, da OAB-SP, mostram pontos negativos e positivos e os possíveis caminhos para buscar oportunidades de negócio no atual cenário

Karina Lignelli
07/Mai/2025
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Como o comex brasileiro pode aproveitar oportunidades abertas pela guerra tarifária

A guerra comercial entre Estados Unidos e China, iniciada após as medidas protecionistas "à moda Trump", começa a abalar as estruturas do comércio exterior global. Porém, há meios de as empresas brasileiras exportadoras e importadoras, inclusive as pequenas, aproveitarem as oportunidades criadas em meio a essa batalha tarifária.

Em conversa com o Diário do Comércio, os especialistas Lucas Ferraz, ex-secretário de Comércio Exterior do MDIC e atual Diretor do Centro de Estudos de Negócios Globais da FGV, e Luiz Carlos Szymonovicz, superintendente de Compliance e Governança da FUNCEX e presidente da Comissão de Comércio Exterior da OAB-SP, falaram sobre possíveis impactos negativos, o atual contexto global dos negócios e os caminhos para buscar oportunidades nesse cenário.

Ambos palestraram para empresários no evento "Panorama do Comércio Exterior Brasileiro - 'Tarifaço' de Trump: As Oportunidades e os Efeitos Colaterais para o Brasil", realizado na última terça, 6/5, pela SP Chamber of Commerce, braço de comércio exterior da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), em conjunto com o Conselho Brasileiro das Empresas Comerciais Importadoras e Exportadoras (CECIEx). Confira os principais pontos da conversa a seguir: 

QUEM SERÁ MAIS AFETADO? 

Lucas Ferraz - Em um cenário onde o presidente da maior economia do mundo adota uma postura protecionista, de aumento de tarifas, o que gera impactos nas exportações globais e brasileiras, as principais afetadas são as pequenas empresas, menos internacionalizadas e que, por isso, têm menos poder para driblar essas barreiras ou reduzir margem para tentar exportar e continuar competitivas no mercado americano ou global.

A preocupação maior é que isso escale. A guerra começou agora, por ora, os Estados Unidos estão impondo barreiras e a China foi o único país que retaliou de forma significativa. É possível que outros países também retaliem, e isso pode gerar uma escalada de aumento de barreiras comerciais no mundo inteiro. Quem sofrerá mais são as empresas com menos fôlego. É um cenário preocupante, mas é esperar para ver, já que Trump anunciou que vai negociar acordos. 

FIM DO DE MINIMIS

Ferraz - Há um ponto que também merece atenção: o fim do De Minimis, regime especial aduaneiro americano de tarifa zero para compras de importados abaixo de US$ 800. Desde 2 de Maio, Trump tirou o De Minimis. O quadro também compõe uma certa preocupação para as pequenas e médias empresas, sobretudo no comércio digital, porque uma das formas para conseguirem acessar o mercado internacional é pelo meio digital. 

A medida vai bater em cheio nas exportadoras chinesas. A ideia é começar por China e Hong Kong, mas continuar para o resto do mundo, o que representa uma preocupação maior para pequenas e médias empresas que usam o comércio digital como alavanca de internacionalização. 

REFORMA TRIBUTÁRIA + TARIFAS: COMO SE PROTEGER

Luiz Carlos Szymonovicz - Ninguém será alarmista para dizer que chegaremos a uma guerra de verdade, mas não é uma hipótese impossível pois lidamos com interesses de países. Virou um jogo de xadrez, ou melhor, parece um jogo de truco. "Agora é 100%", "agora é 120", "agora é 200%"... Então, para onde nós vamos? A reforma tributária entra em vigor no ano que vem, e temos esta guerra comercial mundial.

Toda essa parte de certificação e a parte de contratos vai ser afetada interna e externamente, porque tem a instabilidade do câmbio, o vaivém das tarifas. E teremos dois sistemas tributários coexistindo ao longo dos próximos oito anos... Não é para amadores. 

Então, quem agir como amador, infelizmente, dá uma sensação de que vai ficar para trás e tem muito a perder. E as oportunidades estão em fazer o dever de casa: entender os acordos que existem entre os países, as tarifas, sua capacitação, se sua empresa tem condições de estar no comércio internacional, se não tem, como se capacita para isso.

ONDE ESTÃO AS OPORTUNIDADES

Ferraz - Quando se coloca tarifas de 145% para a China e 125% para os Estados Unidos, você atinge o que os economistas chamam de tarifa proibitiva. Nós, da FGV, estimamos uma queda de 80% a 90% no comércio entre os dois países. 

Isso traz preocupações de desvio de comércio: com excesso de oferta no mercado internacional, a tendência é que produtos sejam redirecionados para outros países. Se, por um lado, isso é um ponto de preocupação, aparecem também as oportunidades, como o fato de o Brasil ser um grande fornecedor de commodities para a China. 

Com tarifas de 125% contra os Estados Unidos, é óbvio que a China, que compra 90% do sorgo norte-americano, vai abrir espaço para o sorgo brasileiro, ainda engatinhando no mercado chinês. A nossa soja vai ganhar mais espaço, o nosso milho, a nossa carne, o nosso algodão, a nossa celulose... O Brasil tem muito a ganhar no agronegócio pensando no mercado chinês. 

E o que é interessante, e pouco falado, é que mesmo nos Estados Unidos, nosso principal destino de produtos industrializados, há oportunidades. Porque estão fechando o mercado para os chineses. E quem vai ocupar esse mercado? A área têxtil, de couro, calçados. Até produtos de maior valor agregado, como máquinas, eletroeletrônicos e 'quinquilharias' que chegavam nos Estados Unidos pela China e agora podem ser exportados de outros lugares, como o Brasil. 

OUTROS ACORDOS

Ferraz: Também há um olhar especial para o nosso comércio com o Canadá e México, devido à assimetria tarifária que foi colocada: 125% contra a China, 10% para o resto do mundo. Canadá e México ficaram com tarifas pontuais em alguns setores, e não foram atingidos pelos 10%.

O Brasil está em negociação com o Canadá via Mercosul, e tem também três acordos com o México, para veículos leves, pesados e outro envolvendo alguns produtos da indústria, mas são acordos ainda muito pouco ambiciosos.

Há ainda uma discussão de longa data sobre um acordo de livre comércio com o México. Nesse contexto de guerra tarifária, está todo mundo querendo reduzir sua dependência dos Estados Unidos, então, é o momento do Brasil agir. Mas é preciso esperar para ver os desdobramentos e fazer pressão no governo para mexer os pauzinhos. 

Szymonovicz - O empresário precisa tirar o foco da China e dos Estados Unidos, ampliar os horizontes com Canadá e México, mas também com a União Europeia, o bloco asiático todo, o Oriente Médio. Na União Europeia, estamos com um acordo para ser aprovado que, nesse novo cenário, a probabilidade aumenta muito. E tem um movimento interessante também na Ásia, que hoje concentra mais de 50% do nosso comércio. Lá, o Brasil tem acordo - via Mercosul - apenas com Singapura.

A União Europeia já está em conversação com o CPTPP (Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica, na sigla em inglês), que os Estados Unidos ajudaram a montar e saíram em 2017 com o Trump. O Brasil também poderia aproveitar e fechar o acordo com a União Europeia e, juntos, procurar uma aproximação com países da CPTPP, como o bloco faz agora.

PLANEJAMENTO É A CHAVE

Szymonovicz - Acho que a palavra-chave para tudo o que está acontecendo, para o empresário, é planejamento estratégico. Estratégia, porque agora é um jogo de xadrez e é preciso se posicionar. 

Ou seja, é pensar o que deseja e onde quer chegar, onde está a diversidade que gera oportunidades diferentes de China ou Estados Unidos. Uma vez que esse empresário definir isso, deve se perguntar: como eu faço para chegar lá? O que eu não fiz, o que eu preciso fazer? Faço sozinho, faço em grupo, faço aliado a alguém? Isso é planejamento, entender a estratégia para poder atingir seu objetivo no comércio exterior em um contexto adverso.

 

IMAGEM: Veeczy

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