Como a PEC dos precatórios pode afetar contribuintes credores da União

Na relação de pagamentos de precatórios previstos no Orçamento de 2022, ao menos 30 pertencem a contribuintes que venceram disputa judicial sobre exclusão de ICMS na base de cálculo de algum tributo federal

Silvia Pimentel
12/Nov/2021
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Como a PEC dos precatórios pode afetar contribuintes credores da União

Aprovada em dois turnos pela Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda Constitucional 23, conhecida como a PEC dos Precatórios, pode impactar o caixa de empresas que aguardam há anos a devolução de tributos federais pagos a maior indevidamente, justamente em tempos de baixa atividade econômica.

Precatórios são dívidas do governo com sentença judicial definitiva, relacionadas a questões tributárias, salariais ou qualquer outra causa em que o poder público seja o derrotado.

CONTRIBUINTES AFETADOS

Na relação de pagamentos de precatórios previstos no Orçamento de 2022, ao menos 30 pertencem a contribuintes que venceram disputa judicial com a União envolvendo a exclusão do ICMS da base de cálculo de algum tributo federal, como o PIS/Cofins, conhecida como a “tese do século”. O levantamento foi feito pela Mercatório, empresa de tecnologia que aproxima vendedores e compradores de precatórios, a pedido do Diário do Comércio.

Para esse grupo de credores, os valores dos precatórios são variados, totalizando R$ 3,6 milhões. O valor pode ser ainda maior a depender da classificação adotada pelos tribunais regionais federais. No levantamento foram usadas como palavras-chaves “exclusão do ICMS da base de cálculo” e “Direito Tributário”.

O quarto maior precatório, neste grupo, no valor de R$ 44 milhões, pertence a uma companhia pernambucana fabricante de produtos de limpeza, que corre o risco de receber a quantia paga a maior em impostos em parcelas a perder de vista caso a PEC 23 seja aprovada no Congresso Nacional. O texto foi encaminhado ao Senado.

O menor valor encontrado é de R$ 52 mil, pertencente a uma empresa do comércio que venceu a disputa da tese do século, considerada uma das maiores derrotas da União em questões tributárias. Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) aponta uma perda de R$ 358 bilhões aos cofres públicos. Há várias ações de contribuintes em andamento relacionadas à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins.

De acordo com o advogado Augusto Brederodes, do Monteiro e Monteiro Advogados, o mesmo escritório que representa o Sindilojas-SP na ação judicial coletiva envolvendo a tese do século em favor de associados do sindicato, pelo texto aprovado, o precatório da empresa se enquadra no grupo de valor até R$ 66 mil, que são as chamadas Requisições de Pequeno Valor (RPV) e, portanto, serão pagos em dinheiro no ano que vem, de acordo com o texto aprovado.

“Estamos acompanhando de perto o assunto, ainda indefinido. Aguarmos a tramitação da matéria no Senado para atualizarmos nossos clientes e nos posicionar sobre o tema”, informou o advogado.

A EMENDA DO CALOTE

Pelo texto aprovado em segundo turno na Câmara, cujo relator é o deputado Hugo Motta, o limite de despesas com precatórios valerá até o fim do regime de teto de gastos, em 2036.

Para o ano que vem, o limite será o valor pago em 2016, de R$ 19,6 bilhões, corrigido pelo IPCA acumulado. Com isso, estima-se um teto de gastos, em precatórios, de R$ 44,5 bilhões em 2022.

Do valor encontrado do teto serão descontadas as requisições de pequeno valor (até 60 salários mínimos). Depois, as prioridades estabelecidas por lei (idosos, pessoas com deficiência e portadores de doenças graves).

Após esses pagamentos, o novo texto da PEC incluiu como prioritário o pagamento de 40% dos precatórios do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). Os próximos da lista são os precatórios alimentares e os comuns.

O credor de precatório não contemplado no orçamento poderá optar pelo recebimento em parcela única até o final do ano seguinte, mas terá que aceitar um desconto de 40% no valor.

IMPACTOS PARA OS PEQUENOS CREDORES

Para o sócio-fundador da Mercatório, Breno Rodrigues, a inclusão dos precatórios relativos ao Fundef na lista de pagamentos, na frente dos precatórios comuns e alimentares, tirou cerca de R$ 8 bilhões que poderiam ser destinados às outras classes de credores.

“Com essa mudança, para o ano que vem, até os precatórios inferiores a R$ 66 mil correm o risco de não serem pagos caso a PEC seja aprovada no Congresso”, prevê. Ou seja, ao contrário do que se imagina, as mudanças nas regras do pagamento não vão afetar apenas os grandes credores, mas pessoas comuns, como pensionistas, funcionários públicos e contribuintes com disputas tributárias.

Pelos seus cálculos, o teto para pagamento passou de R$ 250 mil, antes da votação da matéria em segundo turno, para R$ 45 mil, afetando os pequenos credores da União.

Pelo texto aprovado, os precatórios relativos ao Fundef deverão ser quitados com prioridade em três anos: 40% no primeiro ano e 30% em cada um dos dois anos seguintes.

FORA DO TETO

Os precatórios pagos com desconto de 40% previsto no texto não serão incluídos no limite anual dessa despesa no orçamento e ficarão de fora do teto de gastos.

Essas exclusões se aplicam ainda àqueles precatórios para os quais a Constituição determina o parcelamento automático se seu valor for maior que 15% do total previsto para essa despesa no orçamento.

Também ficarão de fora do teto e do limite os precatórios de credores privados que optarem por uma das seguintes formas de uso desse crédito: pagar débitos com o Fisco, para comprar imóveis públicos à venda, para pagar outorga de serviços públicos, para comprar ações colocadas à venda de empresas públicas ou para comprar direitos do ente federado na forma de cessão (dívidas a receber de outros credores, por exemplo).

MERCADO: DESÁGIO EM ALTA

O sofisticado mercado de precatórios, que movimenta anualmente bilhões de reais, segue com deságios cada vez menores desde o início da discussão das novas regras para o pagamento. Comercializados com deságios que sobem e descem ao sabor da oferta e procura, esses títulos judiciais, antes vistos com desconfiança, hoje são uma opção de investimento de renda fixa, compondo a carteira de grandes fundos de investimentos.

Os maiores compradores já modificaram as negociações, oferecendo desconto maior e propondo a complementação do valor caso a emenda não seja aprovada, de acordo com Pedro Corino, CEO da Sociedade São Paulo de Investimentos.

No atual cenário, os precatórios maiores, cujos preços chegavam a 80% (um deságio, portanto, de 20%), agora recebem propostas em torno de 35% a 40% à vista.

 

IMAGEM: Thinkstock

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