Comércio popular encolhe com a crise
No Bairro do Bom Retiro, lojistas prorrogam as liquidações para enfrentar a queda nas vendas

A faixa de "Passa-se o Ponto" é o penúltimo capítulo de uma história que começou há 40 anos com a família de Antoinette Koulioumba. A loja, que teve origem numa feira livre e se tornou um dos poucos endereços em São Paulo especializados em roupas tamanho GG, sucumbiu à crise econômica e ao aumento da concorrência - em especial a dos coreanos. "Estou fechando as portas porque não dá mais", diz a comerciante, nascida em Atenas, na Grécia.
Nos tempos áureos, a empresa tinha 6 mil clientes em carteira e 50 trabalhadores na loja e na confecção, que fica no mesmo local. "Hoje, tenho oito pessoas trabalhando comigo e, para pagar as despesas do dia a dia, tive de abrir as vendas ao varejo. Antes era só atacado", afirma Antoinette. Diante do caminho sem volta, ela se entristece. "O meu desgosto é enorme. Queria terminar a minha vida na loja. Mas, como não tem jeito, vou cuidar dos netos e da saúde."
Ao lado de judeus e italianos, a família de Antoinette ajudou a desenvolver o Bom Retiro - tradicional reduto paulistano da moda criado no início do século passado e que hoje é dominado pelos coreanos. Até o mês passado, o bairro contava com 1.400 empresas e empregava 50 mil pessoas. Dali sai 40% da moda que abastece todo o país. Mas a crise não tem poupado ninguém. Nas ruas periféricas do centro comercial, como Julio Conceição e Rua da Graça, a cada dia proliferam faixas de "Aluga-se" ou "Passa-se o Ponto".
Na José Paulino, por onde circulam 100 mil pessoas aos sábados, as lojas estão se desdobrando para driblar a queda nas vendas, em média de 20% no primeiro semestre deste ano, segundo Nelson Tranquez, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas do Bom Retiro. Em 2014, as vendas já haviam sido impactadas por causa da Copa do Mundo.
Em alguns segmentos, porém, o desempenho foi bem pior, como é o caso da Cia 233. "A situação está muito difícil. Minhas vendas caíram 40% do ano passado para cá", afirma Etejane Hepner Coin, de 80 anos, que praticamente nasceu junto com a abertura da loja, inaugurada pelos pais vindos da Lituânia e da Polônia. "Eu só não fechei as portas porque não tenho de pagar aluguel. Se tivesse, não aguentaria a queda das vendas e aumento das despesas."
Os aluguéis no bairro podem chegar a R$ 30 mil, dependendo do tamanho do imóvel, além de luvas (cobradas informalmente e que podem beirar R$ 500 mil). Apesar da crise, muitos proprietários continuam elevando os valores, o que acabou sufocando os comerciantes. "Empresas que têm clientela fixa estão procurando endereços mais baratos ou imóveis menores", afirma Adriana Weizmann, sócia da Hai Imóveis. Segundo ela, aos poucos os valores estão caindo, mas isso só ocorre depois que o lojista decide desocupar o imóvel.
Foi o caso de uma comerciante, que tem estabelecimento há 40 anos no Bom Retiro, e que prefere não se identificar. No ano passado, quando foi renovar o aluguel na Rua da Graça, o proprietário queria elevar o valor de R$ 8 mil para R$ 12 mil. Ela não aceitou e alugou outro espaço em frente ao antigo pelos mesmos R$ 8 mil. Sem procura, o proprietário ficou quase um ano com o imóvel desocupado e agora alugou por R$ 6 mil.
Ivone tem um café no bairro, onde comercializava revistas de moda importadas. Chegou a faturar R$ 350 mil por mês, mas hoje não consegue chegar aos R$ 50 mil. Para tentar turbinar as vendas, o café vende de tudo um pouco, de paleta mexicana a tapioca. Mas ela cogita a possibilidade de fechar as portas.
O comerciante Pavlos Theodorakis, dono da Main Street, na Rua dos Italianos, não é tão radical, mas conta que tem sido obrigado a tomar medidas para controlar o caixa da empresa. Uma delas é reduzir a produção e o quadro de funcionários, cortado em 5%, por enquanto, diz.
"Apesar de ter uma clientela fixa, minhas vendas caíram 10% e minhas despesas subiram 10%, com o aumento da conta de luz, dos salários, etc." Há 24 anos no mesmo endereço e sempre vendendo roupas masculinas, ele afirma que a única coisa que não abre mão, mesmo neste momento de crise, é da qualidade das roupas e das campanhas de marketing. "Isso eu não corto. Faço até mais", diz ele, que aposta nas redes sociais para turbinar as vendas.
MATERIAL ELÉTRICO E INFORMÁTICA
A algumas quadras dali, outro importante centro de comércio popular também sofre com o fraco movimento. A Santa Ifigênia, especializada no comércio de material elétrico, informática e peças para motos, já registra queda de 30% nas vendas neste ano. "Mas alguns setores viram o faturamento despencar 50%, 60%", diz Joseph Hanna Fares Riachio, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas da Santa Ifigênia.
Na Santis, loja de material elétrico, o quadro de funcionários foi cortado em 5% para suportar a queda entre 20% e 30% do faturamento. "Em 15 anos, não vi uma crise que preocupasse tanto. Se não melhorar, vou ter de demitir mais gente", diz Felipe Abduch, diretor comercial da empresa, . A loja é afetada pelo recuo no setor imobiliário. "A construção caiu muito e isso me influencia diretamente."