Com falta de produto, lojas de material de construção vendem sob encomenda
Indústria não está dando conta da demanda, especialmente de revestimentos, louças e metais sanitários. Quem compra hoje pode receber em até dez meses
Um dos setores que mais se beneficiaram com a pandemia, o de material de construção, enfrenta neste momento um dos maiores desafios dos últimos tempos.
Não há pronta entrega de parte de produtos básicos para acabamento de obras, como revestimentos para chão e parede, louças e metais sanitários.
Pedidos de clientes às lojas estão sendo feitos sob encomenda e, no caso de alguns deles, a demora para a entrega pode chegar a dez meses.
“Nunca tinha visto uma situação parecida em 30 anos”, afirma Cássio Schiavo Tucunduva, presidente da FECOMAC (Federação de Comerciantes de Material de Construção do Estado de São Paulo) e sócio-proprietário da distribuidora Metrópoles, de Campinas (SP).
Em duas lojas da C&C, uma em São Paulo e outra em Jundiaí (SP), visitadas pelo Diário do Comércio, revestimentos da Portobello e da Eliane têm previsão de entrega para 180 dias.
A situação se repete em lojas espalhadas por todo o Estado e pode ser ainda pior para os pequenos e médios comerciantes, geralmente com menor poder de negociação.
De acordo com Tucunduva, o que acontece, neste momento, é o reflexo de obras que tiveram início durante a pandemia e agora estão em fase de acabamento.
Nos últimos dois anos, diz ele, a demanda por material de construção aumentou cerca de 50% e, em alguns casos, até triplicou, e a indústria não conseguiu responder em prazo tão curto.
“No passado, as fábricas trabalhavam com 50% a 60% da capacidade. Agora, estão ocupando quase 100% e, ainda assim, não dão conta. É preciso esperar que a cadeia se reorganize.”
Assim que começou a pandemia, eram os produtos básicos para início de obra, como cimento, aço e ferro, que estavam super demandados e também em falta.
Agora, de acordo com lojistas, chegou a vez da procura por produtos de acabamento disparar. Os materiais para início de obra, dizem eles, já estão com vendas e entregas normalizadas.
PRESSÃO DE CUSTOS
Além da falta de mercadoria, os lojistas estão tendo de driblar a alta de preços que, de acordo com o presidente da FECOMAC, subiu entre 50% e 80% nos últimos dois anos.
Estes reajustes, diz ele, em parte, estão ligados à alta de preços das commodities no mercado internacional, com forte impacto na cadeia produtiva de materiais de construção.
“O único jeito de o lojista sobreviver é fazer muita conta, pois não vai conseguir repassar todos os aumentos de preços da indústria para os clientes”, afirma Geraldo Defalco, presidente da ANAMACO (Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção).
De acordo com ele, os preços de tintas chegaram a subir 10% por semana há alguns meses em razão da alta de preço das resinas, com variação atrelada ao dólar.
Com cerca de 131 mil lojas no país, o varejo de material de construção movimentou R$ 150 bilhões em 2020, o que representou um aumento de 11% em relação a 2019.
A previsão da ANAMACO é de o setor crescer mais 5% neste ano. “Aos poucos a oferta e a demanda e os preços devem se estabilizar. O consumidor não aguenta mais reajustes.”
NATAL, DE PANDÊMICO PARA ANÊMICO
A alta da inflação deve contribuir para um final de ano bem fraco em todos os setores do varejo, de acordo com Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores.
Há cerca de três meses, diz ele, a expectativa era que os preços iriam se acomodar e que, em 2022, a inflação seria algo ao redor de 6,5%, e até menor.
“Essa expectativa de inflação comportada, polida, controlada começa a se dissipar. E isso pode azedar o humor do mercado, ainda mais tendo a certeza de que as taxas de juros vão subir.”
Se no ano passado o varejo viveu um final de ano pandêmico, diz Silveira, este ano vai enfrentar um final de ano anêmico, e é bom que os lojistas se preparem para isso desde já.
O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) que, no ano passado, foi de 4,5%, deve fechar em 9%, de acordo com projeção da MacroSector.
A taxa básica de juros da economia, a Selic, que foi de 2% no final de 2020, diz ele, deve encostar em 9% em dezembro.
“A dificuldade do governo de controlar os gastos e a tendência de romper o teto de gastos também contribuem para a piora do cenário econômico neste final de ano”, afirma.
De acordo com ele, os lojistas já devem estar sentindo o ‘tamanho da bordoada’ que terão de enfrentar num momento de formar estoques para as vendas no final de ano.
“O ambiente está de fato tumultuado. O ânimo que se via nos empresários há dois meses arrefeceu com a inflação galopante. Ninguém no varejo vê 2020 como via há dois meses”, diz Marcos Hirai, representante do NDEV (Núcleo de Desenvolvimento de Expansões Varejistas).
Até setembro, de acordo com Ângelo Campos, sócio da rede MOB, especializada em moda feminina, havia uma percepção de melhora nos negócios, que mudou a partir de outubro.
“Uma de nossas lojas de rua em São Paulo que vendia muito bem registrou queda de 30% no faturamento no mês passado”, diz Campos.
A cidade de São Paulo, de acordo com ele, tem sofrido mais do que outras regiões do Estado.
“As vendas na cidade caíram cerca de 20% e subiram em outlets fora da capital.”
No setor de moda, diz ele, não faltam produtos, ainda, mas os pequenos e os médios lojistas estão tendo problemas com peças de frio devido à concorrência com grandes redes.
Como a chegada de produtos da China está atrasada, muitas lojas estão recorrendo a fabricantes nacionais para a produção de alguns tipos de produtos, como as peças de tricô, para o frio.
“Os fabricantes estão dando preferência para as grandes redes porque os volumes de encomenda são maiores”, diz.
No mundo da moda, este já é um momento de pensar e produzir a coleção de inverno. A coleção de verão já está definida, produzida e pronta para a venda.
“Já estamos programando a coleção de inverno. Alguns produtos tiveram aumento de até 25% e, por isso, deixamos de comprar alguns tecidos”, diz Nelson Tranquez, diretor da Loony Jeans, e vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Bom Retiro.
Depois de quase dois anos de pandemia, os lojistas estavam esperando para 2021 um dos melhores finais de ano devido ao avanço da vacinação contra a covid-19.
Com inflação e juros em alta e renda sendo corroída mês a mês, diz Silveira, o cenário possível é mesmo de falta de produto e consumo fraco até que a economia se reorganize novamente.
IMAGEM: Masao Goto Filho/DC