CBDC: o futuro do dinheiro e seus impactos no mercado financeiro

O tema foi debatido na ACSP por Courtnay Guimarães, cientista de blockchain da Avanade Brasil. Hoje, 130 países, incluindo o Brasil, desenvolvem as suas moedas digitais oficiais

Mariana Missiaggia
11/Jul/2024
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CBDC: o futuro do dinheiro e seus impactos no mercado financeiro

A inovação no mercado financeiro cresce a cada ano. Na última década, houve muita transformação na forma de realizar transações e no modo de operar das instituições que comandam esse setor.

A entrada das fintechs no mercado, o crescimento do uso do blockchain e o avanço das criptomoedas desenharam uma nova era - e pode-se dizer que estamos prestes a começar outra. Na opinião de Courtnay Guimarães, cientista-chefe de blockchain da Avanade Brasil, estamos muito próximos de um novo futuro que começa a se moldar com o desenvolvimento das CBDCs (sigla para Central Bank Digital Currency, que em uma tradução livre significa Moeda Digital emitida pelo Banco Central).

Courtnay discutiu o tema na sede da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) recentemente, com apoio do Conselho de Segurança Cibernética e de Dados Pessoais (CCIBER) da entidade e o Instituto Nacional de Estudos sobre Criptoativos (Inecripto). O encontro foi conduzido por Flávio Filizzola D'Urso, advogado e presidente do Inecripto, e Roberto Mateus Ordine, presidente da ACSP.

De acordo com um estudo feito pela organização norte-americana Atlantic Council, há em torno de 130 países trabalhando na criação de CBDCs, o equivalente a 98% do PIB global. Para se ter uma ideia do avanço, em maio de 2020 esse número era de apenas 35. Um dos motivos desse interesse pelas moedas digitais é a queda no uso de dinheiro em papel, que diminuiu cerca de 33% na Europa entre 2014 e 2021.

E no Brasil, já há alguma familiaridade com o assunto?

Para começar, vale esclarecer que as CBDCs são versões digitais das moedas nacionais emitidas pelos Bancos Centrais. Com as mesmas características das moedas fiduciárias tradicionais, elas funcionam como meio de troca, unidade de medida e reserva de valor.

A grande diferença é que elas existem digitalmente, na forma de tokens em uma plataforma blockchain, e não são consideradas uma criptomoeda. Enquanto as criptomoedas, como os bitcoins, são descentralizadas e independentes de qualquer governo, as CBDCs são emitidas e controladas pelos Bancos Centrais. O bitcoin foi criado para substituir o mercado tradicional, enquanto as CBDCs buscam modernizá-lo e tornar as transações mais eficientes.

O esperado é que as CBDCs sejam o próximo passo do dinheiro como conhecemos, aquele emitido por países e governos. Ainda que a atual moeda tradicional já circule de forma digital, não temos um registro único, que faça um controle central de todas as contas bancárias - desde a emissão até a governança, casos de uso e atividades diárias. 

"Todo mundo vai ter em três anos. Temos os desafios comuns da jornada, como possuir uma legislação que suporte essa nova operação, bem como a coordenação de todos os agentes do mercado financeiro e, claro, a adoção pelos cidadãos", diz Courtnay.

Para resolver essa questão, os Bancos Centrais ao redor do mundo estão com projetos-piloto de uma moeda digital, onde todas as transações são registradas e controladas em um banco de dados central - tirando a autonomia dos bancos e fintechs que oferecem contas digitais.

Desse modo, cada país, por meio do seu Banco Central ou governo, fica responsável por alterar as regras de emissão e circulação dessa moeda sem qualquer necessidade de aprovação dos cidadãos. Ou seja, o detentor da carteira digital não é soberano, pois depende do Banco Central para movimentá-las.

Além da dimensão populacional, o sucesso de um projeto desse tipo depende de fatores como tecnologia, aplicação, estágio de desenvolvimento da indústria local, motivadores e definição do modelo. Neste caso, há dois possíveis: o CBDC de varejo, destinado ao uso por consumidores e empresas no cotidiano, e o CBDC de atacado, voltado para o uso por bancos centrais e instituições financeiras. Essa escolha, segundo especialistas, tem ligação direta com o êxito da iniciativa.

CBDCs de varejo

Estas moedas digitais são utilizadas pelo público em geral (indivíduos e empresas) e, assim, funcionam como dinheiro digital para gastos regulares (como compras online e pagamentos em lojas), podendo substituir ou complementar o dinheiro físico. Além disso, também são uma representação digital da moeda fiduciária do país.

CBDCs de atacado

Em suma, os CBDCs de atacado são usados para pagamentos interbancários, transações de títulos e outras operações entre instituições financeiras licenciadas. Conforme o Fórum Econômico Mundial, a segurança e a robustez dos pagamentos são os principais motivos pelos quais os países da América Latina estão considerando os CBDCs.

DREX

Há ainda um modelo híbrido que utiliza as CBDCs voltadas ao atacado para emitir uma espécie de moeda soberana tokenizada. É o caso do Drex, moeda digital planejada pelo BC brasileiro. No Brasil, o projeto é totalmente voltado às operações entre instituições financeiras.

Vários países estão explorando as suas próprias CBDCs atualmente. O Banco Central das Bahamas lançou o San Dollar, a primeira CBDC do mundo. A China está avançada com o Yuan Digital, já testado em várias cidades. E o Banco Central Europeu prepara o Euro Digital, que a princípio estará disponível somente para residentes da Zona do Euro.

Ma essa proposta vem se desenvolvendo desde 2020. E o Brasil também entra nessa lista. Na verdade, o projeto-piloto do Real Digital, batizado de Drex, já está avançado.

Courtnay explica que o projeto de CBDC brasileiro teve suas primeiras menções entre 2019 e 2020. O projeto ganhou destaque em novembro de 2020, com o lançamento do Pix, sistema de pagamentos eletrônicos e instantâneos do Banco Central.

Na época, Roberto Campos Neto, presidente do BC, anunciou que os planos para o sistema financeiro brasileiro incluíam a existência de uma versão digital do Real. Entre 2021 e 2022, os estudos sobre uma CBDC se intensificaram e contornos mais fortes sobre o projeto ganharam forma.

A construção feita nos três últimos anos em torno do conceito do Real digital culminou no Drex, nome dado pelo Banco Central à sua moeda digital. Essa versão final começou a ser testada em agosto do último ano e conta com 16 diferentes consórcios de empresas que abrangem desde bancos comerciais tradicionais até companhias do mercado de criptomoedas.

Um grande ruído que existe ao redor do tema, segundo o cientista, é o surgimento de uma sensação de espionagem, o que gera uma reação de desconfiança. Na prática, isso acontece com a implementação do modelo de varejo, já que dá ao governo a possibilidade de “espionar” todas as transações financeiras dos cidadãos, assumindo controle sobre esses dados. 

Termos como blockchain, carteira digital e open finance ainda são desconhecidos para muitos, o que pode gerar uma desconfiança maior e retardar significativamente a adesão em massa. Outro receio é a capacidade do governo de bloquear e invalidar transações. 

Sucesso ou fracasso, Courtnay afirma que projetos como esse apontam um possível caminho para uma transformação global importante no sistema financeiro mundial. "São questões que levantam preocupações sociais e que precisam ser consideradas. Apesar disso, esses projetos internacionais são importantes para começar a gerar massa crítica".

 

IMAGEM: Cesar Bruneli/ACSP

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