Cadastro Positivo e assimetrias informacionais no mercado de crédito
Primeiros resultados divulgados pelo Banco Central confirmam os benefícios esperados - 41% das pessoas naturais cadastradas migraram para faixas que indicam menor risco de crédito
*com Caio Carvalho, economista e gerente de PME na Boa Vista
Um dos problemas mais antigos e mais discutidos na teoria econômica é a assimetria de informação, que é a presença de informação imperfeita ou incompleta entre os agentes. A metáfora mais clássica para entendermos como funciona a assimetria de informação é a do mercado de carros usados de AKERLOF (1970).
O mercado de carros usados é dividido entre carros bons (chamados de pêssegos pelo autor) e carros ruins (chamados de limões). Por conta da assimetria de informação, os compradores não possuem todos os dados para avaliar se um carro é um pêssego ou um limão. Quem tem a vantagem da informação nessa transação é o vendedor de carros. O comprador até pode pedir uma vistoria, levar um mecânico, ou contar com a opinião de um amigo para tentar entender mais sobre o carro antes de comprar. Mas o próprio mercado de carros usados não fornece informações oficiais para que o comprador possa avaliar de forma assertiva a qualidade do carro.
Então, nesse caso, o valor de todos os carros usados do mesmo modelo tende a convergir para um valor médio, independente da qualidade individual de cada carro.
A presença de assimetria de informação causa desequilíbrios nos mercados, não importando se é no mercado de carros usados, ou no mercado de crédito.
A situação é a mesma independentemente do tipo de mercado. Esse desequilíbrio informacional tende a levar o mercado de crédito a três situações possíveis. A primeira situação é um equilíbrio no qual o mesmo bem ou serviço é oferecido pelo mesmo preço médio a todos os agentes, ou seja, os credores discriminam pouco a taxa de juros.
A segunda situação é um racionamento de crédito, no qual os agentes não atendem plenamente a demanda, e evitam exposição a riscos, em resumo, os credores escolhem muito e concedem crédito para poucos.
A terceira situação é uma precificação de risco da assimetria de informação, com taxas de juros e custos mais altos para os agentes que na visão dos credores, possuem maior risco.
E quais as soluções para resolver as assimetrias informacionais no mercado de crédito? As discussões econômicas apontam duas linhas que podem ser seguidas pelo Governo e pelas instituições do mercado: criar legislação de proteção aos credores, e criar incentivos ao compartilhamento de informações.
Países mais desenvolvidos tendem a reforçar o ambiente jurídico para proteger credores, e países subdesenvolvidos tendem a adotar estratégias de incentivos ao compartilhamento de dados. As duas estratégias não são mutuamente excludentes e podem ser implementadas em paralelo.
No Brasil podemos citar como exemplos do primeiro caso a lei de alienação fiduciária de 1997 e a lei do consignado em 2003. Ambas tiveram como objetivo uma maior proteção e garantia aos credores. Os resultados dessas regras sobre o crédito imobiliário e o crédito pessoal são incontestáveis. No segundo caso, a implementação do Cadastro Positivo é um marco no compartilhamento de informações.
Quando a assimetria informacional se reduz, os consumidores possuem maior poder de barganha no mercado de crédito e têm acesso a menores taxas de juros. Em longo prazo, o compartilhamento de informações melhora o crédito bancário e promove crescimento econômico por meio do acesso financeiro.
As novas regras para o funcionamento do Cadastro Positivo estão em vigor no Brasil desde setembro de 2019. De lá para cá, as atenções sobre os resultados advindos dessas novas regras têm sido enormes. Será que a redução da assimetria informacional com a inserção de uma grande quantidade de novas variáveis sobre o comportamento de pagamento de consumidores e empresas teria tido efeito sobre a eficiência do mercado de crédito brasileiro?
A divulgação no último dia 03 de maio de um relatório do Banco Central sobre alguns dos benefícios já observados após a implementação do Cadastro Positivo sobre o mercado de crédito corroboram as expetativas. A preocupação inicial do Banco Central nesse estudo foi observar principalmente modificações nos spreads bancários e na melhora na acurácia dos modelos para separar bons e maus pagadores.
Entre os principais resultados do estudo, destacam-se a redução nos spreads de operações de crédito pessoal não consignado, a migração de parte das pessoas naturais cadastradas para faixas de menor risco de crédito e um aumento significativo no número de cadastros após a mudança para o regime de opt-out.
Com relação aos spreads, foi observada uma redução de 10,4% nas operações de crédito pessoal não consignado para aqueles que possuíam pontuações baseadas no Cadastro Positivo, em comparação aos novos tomadores que não tinham. Já na comparação entre os tomadores que possuem informações positivas e os que não possuem, a redução foi ainda maior, de 15,4% em média, o que equivale a uma queda de 40 p.p. quando considerada a taxa média de 257,0% para este grupo específico.
Com a introdução do regime opt-out, em novembro de 2019 o número de cadastros já era 15 vezes maior em relação ao período em que vigorava o regime opt-in.
Pesquisa realizada também pelo Banco Central do Brasil e divulgada no mesmo relatório mostra que esse movimento fez com que metade das instituições que atuam no segmento de consumo – PF realizasse alterações no processo de concessão de crédito para incluir informações do Cadastro Positivo. Nesse sentido, o produto mais demandado pelas instituições do segmento foi a nota de crédito geral, com cerca de 42,9% de utilização.
Com as informações sobre adimplentes, o Banco Central do Brasil apontou que aproximadamente 41% das pessoas naturais cadastradas migraram para faixas que indicam menor risco de crédito. Ao passo que 33% se mantiveram na faixa de risco original e outros 26% passaram para faixas de maior risco. O estudo também mostra que as pessoas naturais com menos de 30 anos foram as mais beneficiadas com a inclusão no Cadastro Positivo, aproximadamente 59% delas passaram para faixas de menor risco ao passo que outros 16% migraram para faixas que representam maior risco.
Os efeitos do Cadastro Positivo também foram significativos para as empresas. O estudo aponta que 30% dos cadastros de pessoas jurídicas migraram para faixas de menor risco, enquanto a metade permaneceu na mesma faixa, e 20% passaram a fazer parte das faixas de maior risco.
Além dos efeitos já observados, o BC lembra que ainda não há uma implementação completa do Cadastro Positivo e que os efeitos serão melhor analisados ainda a partir do momento que mais empresas passarem a enviar e utilizar as informações positivas dos Gestores de Bancos de Dados (GBDs). São esperados dados de setores com informações cruciais, como os serviços de utilidade pública, que incluem boa parte do público não bancarizado.
Os benefícios do Cadastro Positivo são potencializados também quando a agenda de diminuição de assimetria caminha junto a agenda de aumento de concorrência. Com o Open Banking já em andamento espera-se que o efeito do Cadastro Positivo seja potencializado. Essa combinação tende a pressionar a taxa de juros ainda mais, proporcionando menores spreads, mais concorrência, e maior inclusão de consumidores no mercado de crédito.