Brasil deve produzir menos roupas em 2023 do que há 4 anos

Projeções do IEMI indicam queda de 16,6% no volume de peças produzidas e salto da participação dos importados no consumo nacional, de 18,5%, em 2022, para 22% neste ano

Fátima Fernandes
16/Out/2023
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Brasil deve produzir menos roupas em 2023 do que há 4 anos

Um dos setores mais tradicionais do mercado brasileiro e também um dos que mais empregam enfrenta dificuldade para reagir depois da pandemia do novo coronavírus.

A produção de roupas no país deve chegar a 4,96 bilhões de peças neste ano, volume 16,6% menor do que o de 2019, de 5,94 bilhões, e 3,7% menor do que o de 2022, de 5,15 bilhões.

O varejo de vestuário segue na mesma situação, devendo terminar 2023 com a venda de 6,21 bilhões de peças, 3,7% menos do que em 2019 e 0,9% menos do que em 2022 (6,27 bilhões).

As projeções são do instituto de pesquisa IEMI-Inteligência de Mercado, empresa que monitora há décadas o desempenho do mercado têxtil brasileiro.

CONTRAMÃO

Agora, quem está no caminho contrário e ganhando participação no país são os importados, especialmente de países asiáticos.

A venda de peças trazidas do exterior deve somar 1,4 bilhão de unidades neste ano, número 20,6% maior do que o de 2022 (1,16 bilhão) e 72,8% maior do que o de 2021 (810 milhões).

“O Brasil vive hoje a substituição de roupas nacionais por importadas, principalmente, em razão da alta de preços que ocorreu com a pandemia”, diz Marcelo Prado, diretor do IEMI.

A participação dos importados no consumo de roupas no Brasil, que foi de 12,5% em 2020, subiu para 18,5% no ano passado, a maior já registrada.

Projeção do IEMI indica mais um salto para este ano. O percentual deve subir para 22,1%. Isto é, de cada 100 peças consumidas, 22 serão de fora do país.

“A China, um dos principais concorrentes do Brasil no setor de vestuário, desvalorizou a sua moeda nos últimos anos para se manter competitiva, e foi mais agressiva na exportação”, diz.

Em 2019 e em 2020, de acordo com o IEMI, os preços da indústria e do varejo no mercado brasileiro estavam praticamente alinhados.

Em 2021, com a escassez de matérias-primas e uma demanda maior do que a oferta, o preço médio por peça da indústria subiu 19,3% e, em 2022, 18%.

No caso do varejo, a alta foi menor, de 10,3% e 18%, respectivamente, no período. No primeiro semestre deste ano, os aumentos foram de 6,3% (indústria) e 1,4% (varejo). 

O primeiro semestre de 2023, de acordo com o instituto, ainda repercute os efeitos da pandemia e busca o equilíbrio entre a oferta e a demanda.

A regularização dos estoques e da produção, de acordo com Prado, está prevista somente para o início de 2024.

INVASÃO

Ninguém duvida que as roupas importadas estão invadindo o Brasil.

Nos números do IEMI não estão incluídas as importações feitas pelos consumidores por meio de plataformas digitais, mas a expansão dos sites estrangeiros é um bom termômetro.

Estima-se que a plataforma chinesa Shein teria vendido no Brasil cerca de R$ 8 bilhões em 2022, número parecido com o da C&A, com mais 300 lojas no país.

De acordo com o IEMI, o consumo de vestuário no país foi da ordem de R$ 265,8 bilhões no ano passado, divididos entre varejo físico (R$ 244,7 bilhões) e on-line (R$ 21 bilhões).

Por meio do e-commerce, 12,4 milhões de brasileiros compraram 467 milhões de peças no ano passado, ou 7,5% do total das peças comercializadas. O gasto por compra foi de R$ 196.

PEQUENAS ENCOMENDAS

Para Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), o país sofre os efeitos da expansão de pequenas encomendas em sites estrangeiros.

E o maior incentivo para isso, diz, são as isenções de impostos nas compras até US$ 50.

“Estamos lutando contra a falta de isonomia tributária. Todos têm de pagar impostos, independentemente dos preços dos produtos”, afirma.

As importações convencionais de produtos têxteis também estão crescendo, diz, porque o consumo no mercado mundial está menor em função de guerra, juros e inflação mais altos.

“O excedente está vindo para o Brasil, num momento em que o varejo, que já andava de lado em 2022, enfrenta um consumidor endividado e uma economia com inflação e juros altos”, diz.

Agora que o país começa a ver uma discreta melhora no mercado consumidor, a pergunta que se coloca, de acordo com Pimentel, é: quem vai capturar a fatia de crescimento do consumo, a indústria e o varejo daqui ou de fora?

“O país tem de trabalhar para o fortalecimento de sua indústria, que vem perdendo posição por conta do elevado Custo-Brasil”, afirma.

A indústria têxtil representa cerca de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) do país e paga cerca de R$ 20 bilhões em impostos por ano.

De acordo com Pimentel, o país tem de trabalhar para que os impostos e as contribuições pagos aqui e no exterior sejam equilibrados para que a competição também seja equilibrada.

POLÍTICA INDUSTRIAL

Giuliano Donini, vice-presidente da Abit e diretor-presidente da Marisol, diz que não é de hoje que a indústria brasileira tem perdido competitividade.

“Não é uma crítica, é uma constatação: o Brasil não tem política industrial há muito tempo, e o nosso setor é um dos mais expostos à questão de importação”, afirma.

As condições macroeconômicas do país, a pandemia e as mudanças de hábitos de consumo, diz, provocaram uma corrida aos produtos mais baratos.

“Isso pressionou a indústria nacional, que não consegue produzir tão barato quanto os importados por conta de custos elevados e também por ineficiência”, diz.

O setor têxtil brasileiro, diz, é considerado de ‘cauda longa’, isto é, que precisa de muita gente para transformar fios em tecidos e tecidos em roupas.

No Estado de São Catarina, que passou a ser o maior produtor de peças do país, 97% dos fabricantes são pequenas e microempresas. “Isso não é demérito, é característica.”

Uma pequena ou uma micro empresa, de acordo com ele, não consegue ser eficiente em tudo, e acaba ficando mais preocupada com a sobrevivência do que com a eficiência.

“Tudo isso tem reflexo no país. As ineficiências vão para o custo do produto, só que o consumidor não está disposto a pagar e acaba comprando os importados”, afirma.

MARISOL

A Marisol possui 75 lojas no modelo de franquia com a marca Lilica & Tigor e outras 143 lojas licenciadas com a bandeira One Store Marisol.

Antes da pandemia, a rede Lilica & Tigor chegou a ter cerca de 150 lojas espalhadas no país. O modelo licenciado também chegou a ter 187 lojas.

“As lojas satélites foram muito impactadas com a pandemia e agora estamos num processo de voltar a crescer”, diz Donini.

Neste ano, a Marisol já tem assinados 22 contratos para abertura de lojas até 2024. 

Para se tornar mais competitiva, a companhia decidiu redesenhar o modelo de produção da fábrica de Jaraguá do Sul (SC).

O espaço de 70 mil metros foi transformado em um condomínio industrial a partir de dezembro de 2021.

“Antes, nós transformávamos o fio em malha crua, agora tenho dois inquilinos que fazem isso a um custo 15% menor. A Marisol está encontrando o seu caminho”, diz.

Sete empresas especializadas em têxteis são inquilinas no espaço, projetado para ter até 100 mil metros quadrados, o que permitirá multiplicar em 7,7 vezes a produção da empresa.

A boa notícia, de acordo com Donini, é que há sinais de que o consumidor está procurando produtos mais elaborados e presta mais atenção nas peças que deseja vestir.

“Aquela história de ficar em casa com moletom e camiseta ficou para trás e esse movimento pode mexer com a receita do setor. O volume de peças não cresce, mas a receita sim.” 

Projeções do IEMI apontam para um crescimento de 6,9% nas vendas nominais do varejo neste ano em relação a igual período do ano passado.

O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação oficial do país, deve ficar próxima de 5% neste ano, de acordo com projeções.

 

IMAGEM: Reuters/Kham

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