Atrás das grades, Cunha é também uma ameaça a Lula
Ex-presidente da Câmara, preso em Curitiba, tem um longo caminho para a delação premiada. Se entrar nela, pode comprometer ainda mais do PMDB e o PT
Preso pela Lava Jato nesta quarta-feira (19/10), Eduardo Cunha “vai delatar todos os desafetos dele e poderá implodir o PMDB”. Certo? Não. Errado.
O ex-presidente da Câmara e ex-deputado pelo Rio de Janeiro é um arquivo personificado, com aquilo que chamavam antigamente de enorme potencial de nitroglicerina. Mas há um longo caminho para que ele faça uma delação premiada.
E não depende só dele. Depende também do Ministério Público, em Curitiba, que por enquanto não tem planos de negociar com ele os termos de uma delação.
Para que essa hipótese se concretize, Cunha precisará “cuspir sangue”, disse nesta quinta (20/10) a Folha de S. Paulo. Sua colunista Natuza Nery ouviu a expressão de um dos procuradores.
Em outras palavras, o ex-deputado deverá convencer a equipe da Lava Jato que as informações que traz no bolso terão utilidade para o conjunto dos processos.
Numa espécie de leilão sobre qual o patamar ideal de confidências que ele tem estocadas, a revista Piauí ouviu que a delação seria aceita apenas se trouxer informações relevantes sobre Michel Temer, Renan Calheiros ou Moreira Franco. “Aí fica difícil resistir”, disse um procurador à repórter Malu Gaspar.
A conclusão provisória dessa enorme distância que separa a prisão da delação permite recolocar em seu horizonte histriônico a reação do antológico senador Lindbergh Farias (PT-RJ), para quem os depoimentos de Cunha “não deixarão pedra sobre pedra” no governo Temer.
Lindbergh também comete uma previsão politicamente desonesta, por calcular que as vítimas estariam apenas no campo peemedebista.
Pelo modo de atuação do ex-deputado, o possível esclarecimento de lacunas na narrativa da Lava Jato levaria de roldão o que sobrou do Partido dos Trabalhadores e o próprio ex-presidente Lula.
As informações de que Cunha dispõe fazem dele um homem-bomba que, ao se detonar, causará sérios estragos no conjunto de agrupamentos políticos que sustentou o lulopetismo.
DE ONDE VEIO O DINHEIRO?
Os possíveis R$ 221 milhões que ele ajudou a desviar –são cálculos preliminares do juiz Sérgio Moro – não brotaram de telefonemas sedutores que ele fez a diretores da Petrobras.
Se a estatal e as empreiteiras o corromperam, a corrupção se deu por ordens superiores, para abastecer a máquina que sustentava um projeto político, uma base aliada dócil e obediente no Congresso.
Esse é um aspecto cujos detalhes o Ministério Público e a Polícia Federal não deixaram vazar, seja porque não o dispõem ou, o que é também uma alternativa verossímil, porque desconhecem alguns mecanismos.
Em outras palavras, em que ponto da pirâmide do poder eram geradas as decisões que faziam funcionar, com Cunha, a organização criminosa?
Ele estava num ponto intermediário entre a base e a cúpula. Ele não poderia decidir, por conta própria, que para determinada eleição seria preciso sangrar ou a Eletrobrás, que construía a Usina de Belo Monte, ou então a Eletronuclear, com as obras de Angra-3.
São os detalhes dessa complicada engenharia que ele provavelmente poderá fornecer. E suas confidências afetariam também os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, constatação feita nesta quinta-feira por um colunista do Valor Econômico.
Cunha não recebia dinheiro somente para si próprio. Ele era uma espécie de corretor dentro do Congresso. Mapeava que estava com dívidas de campanha, quem estava em dificuldades ou simplesmente quem gostava de dinheiro.
Sua “clientela” em plenário não era apenas peemedebista. Tinha também outros partidos do chamado baixo clero, políticos sem liderança de perfil ideológico nítido e que administram suas carreiras em troca de nomeações ou favores do governo.
É dentro desse grupo que Eduardo Cunha conseguiu articular uma rede com uma centena de cumplicidades. E não é uma força de expressão. São em torno de 100 os deputados que, segundo O Globo, temem ser implicados pelo ex-deputado.
E por que é que Michel Temer está tão preocupado, tendo decidido antecipar em 11 horas sua volta da viagem ao Japão? Ao que se saiba, por enquanto o presidente da República e ex-presidente nacional do PMDB não seria chamuscado pela prisão.
Ele sabe, no entanto, que uma marola política mais forte no plenário da Câmara pode embaralhar o mapeamento da segunda votação da PEC 241 (teto dos gastos públicos), marcada para a segunda-feira (24/10). E sabe ainda que precisará dessa mesma base de apoio parlamentar para discutir a reforma da Previdência.
Já é, potencialmente, muita confusão, dentro de um cenário em que todos, da cúpula do PMDB à cúpula do Planalto, têm motivos para se preocupar.
FOTO: Rodrigo Félix Leal - Estadão Conteúdo