Água é o que não vai faltar nos shoppings

Para obter autonomia das concessionárias, centros de compras adotaram a gestão de água. Mas os benefícios sustentáveis do reúso conflitam com a escavação de poços

Inês Godinho
03/Mar/2016
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Água é o que não vai faltar nos shoppings

Vanguarda em eficiência energética, os shopping centers não davam muita bola para a economia de água, uma conta muito menos pesada para a operação. Até pipocarem os primeiros sinais da crise hídrica

O que apavorou os centros de varejo foram os riscos trazidos pela situação, sendo o mais sério a ameaça  de não poder abrir por falta de água nos banheiros e áreas de alimentação.

“O risco traz um custo exponencialmente mais alto do que a conta mensal”, disse Fernando Pereira, diretor comercial da General Water, empresa especializada em gestão de água. 

Antes restrita aos grandes shoppings, a meta de criar autonomia de abastecimento em relação às concessionárias de água e esgoto passou a ser perseguida também pelos pequenos.

Desde então, cerca de 30% dos shoppings do país implantou um programa completo ou parcial de gestão de água, e o número vem crescendo.

SHOPPING D, SÃO PAULO

“Hoje, o conceito de gestão de recurso hídrico está bem disseminado dentro do setor”, disse Pereira. A lista inclui a maioria dos shoppings da BR Malls, entre os quais o Granja Viana, em Cotia (foto principal), e o Mooca Plaza, e os da Cyrela Comercial Properties, como o Shopping D, em São Paulo.

DANDO ESCALA À ECONOMIA DE ÁGUA

Criada em 2000, a General Water desbravou o mercado de concessão particular de água e esgoto, introduzindo um modelo de prestação de serviços com recursos próprios.

Desde então, mais de 100 organizações grandes consumidoras de água contrataram o sistema de gestão da empresa, entre os quais Bradesco, Pfizer, Eurofarma, o complexo de edifícios Word Trade Center, em São Paulo, e vários shoppings da rede Iguatemi.

A partir do princípio de autonomia no abastecimento de água, a General Water assume todas as responsabilidades e custos da estrutura de captação, tratamento de esgoto e reúso. Cabe ao cliente apenas pagar pela água que usa e o esgoto gerado, como ocorre na relação de consumo convencional com as concessionárias públicas.

ETE DO MOOCA PLAZA, DA BR MALLS: 100% DO ESGOTO TRATADO

A maioria das companhias adotou o reúso. No processo contratado, a General Water implanta e opera estações de tratamento dentro do cliente, que reaproveita o esgoto em circuitos fechados.
 
O dejeto, tratado por processos mecânicos e químicos, se transforma de novo em água potável. Porém, usada para fins não potáveis (descarga, processos industriais e irrigação, entre outros usos). O modelo da empresa conseguiu dar escala às ações de economia de água. 

ETE DO SHOPPING D – 50% ÁGUA de REÚSO

 

Até veteranos, como o Shopping D, conseguem aproveitar as vantagens da migração para um sistema moderno de gestão de água. Para Fábio Oliveira, superintendente do empreendimento, a capacitação do sistema de tratamento de efluentes tornou o shopping auto-sustentável, com economia de quase 50% de água.

“Toda a obra foi feita à noite”, explica o superintendente, “e tanto lojistas quanto clientes nem chegaram a perceber a movimentação.” Os trabalhos de implantação foram acompanhados por uma equipe interna de operações. Obra concluída, a gestão da General Water tem como interface um funcionário técnico do shopping.

Já o Shopping Granja Viana, em Cotia, nasceu com um sistema implantado de gestão de água. Tem total independência da concessionária pública e metade da água que utiliza vem do sistema de reúso. 

PRÓS E CONTRAS

Além da segurança de ter um sistema próprio de abastecimento e gerenciamento particular de 24 horas do sistema, os clientes podem contar com uma economia que varia entre 10% a 50%.

GESTÃO DE ÁGUA NO SHOPPING D

Benefício indireto, o ganho ambiental do reúso da água pelos shoppings significa redução relevante no consumo de água potável e no despejo de dejetos no sistema público de esgoto.

Com essa iniciativa, muitos abriram caminho para obter valiosas certificações, como o selo internacional LEED para construções sustentáveis. 

Do ponto de vista das práticas sustentáveis, porém, a solução adotada pelos shoppings tem um lado positivo e outro negativo. Especialista em gestão socioecoefiente, o consultor Rafael Vinãs, da Fundação Espaço Eco, lembra que o reúso constitui um dos pilares do uso racional da água. 

No entanto, a água retirada de poços cavados significa apenas que as empresas tiraram a concessionária pública do jogo. “A água da concessionária e a dos poços vêm dos mesmos mananciais que, em tese, pertencem à sociedade”, ele argumenta. “Os recursos hídricos não estão sendo poupados.”

Em um cenário ideal, para se ter uma gestão dentro de critérios de sustentabilidade, o consultor da Fundação Espaço Eco recomenda começar pelos pequenos passos, com uma análise minuciosa do consumo e de fontes ocultas. 

O sistema de ar condicionado, por exemplo, pode guardar um manancial de água. O simples movimento de mensurar a operação item por item, como as atividades de restaurantes ou o movimento dos banheiros, leva a reduções inesperadas.

LEGISLAÇÃO LIMITADORA

Os shoppings demoraram para acordar para a questão da água, vista como secundária. A conta era bem menor do que a de energia e havia o efeito Sabesp. A companhia de saneamento gozava de muito confiança da sociedade, que acreditou por anos na garantia de que havia água de sobra no Estado de São Paulo

A situação explodiu em 2014 e os shoppings se viram diante da eventualidade de precisar fechar as portas com prejuízos milionários. Reagiram rápido. “A negociação com o grupo proprietário para a primeira obra costuma ser difícil”, disse o executivo da General Water. “Mas quando vêem o resultado, contratam para os outros empreendimentos.”

 

A implantação de um sistema de reúso representa o compromisso mais relevante de uma empresa com as metas de proteção ambiental em relação à água e à eliminação do esgoto gerado. Tecnologia 100% segura para transformar esgoto em água pura já está acessível. Por limitações legais, porém, ainda falta muito para o Brasil alcançar o estado de arte de algumas regiões.

Israel, Singapura e Califórnia representam a vanguarda do que é possível fazer para dar um uso infinito a este bem. No Brasil, a regulamentação não permite o consumo direto da água reciclada e apenas a água potável das concessionárias pode ser usada para fins potáveis, como beber e cozinhar. Já os californianos brincam que a água vai da privada para o copo.
 
O fim do desperdício, proporcionado pelo reúso, ganha escala com a adesão dos grandes players empresariais. Nesse movimento de disseminação, as cadeias de shopping centers se destacam pela visibilidade - tudo se faz à vista do público. Só falta transformar essa capacidade de influência em ativo estratégico para a sustentabilidade. 

Arte - William Chaussê

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