Zé Dirceu conta sua história
Quem tiver uma visão de Brasil e de mundo diferente não vai mudar um milímetro em suas convicções. Pode ler sem medo
Está nas livrarias o primeiro volume das memórias de José Dirceu, com uma das mais ricas carreiras de nossa vida pública. Uma leitura importante para quem quer conhecer a visão de um revolucionário de mais de 40 anos de presença nacional.
A narrativa mostra sua militância desde o movimento estudantil, a adesão à luta armada, a troca da liberação do embaixador americano pela soltura de presos políticos, a vida em Cuba, a volta da clandestinidade, a retomada de sua identidade com a anistia, a construção do PT, a eleição para deputado e as candidaturas e os governos de Lula e Dilma.
O livro é rico em citações de companheiros de jornada, de conceitos políticos, de política interna e externa, de economia. Tudo numa sequência de muita coerência.
Mesmo discordando integralmente de sua linha de pensamento, e ação, no meu entender ultrapassado e pré-queda do muro de Berlim, não há como se negar uma vida dedicada ao que acredita. E, na narrativa, é a própria história contemporânea, sob uma visão tão parcial quanto sincera.
O Brasil que se deseja democrático precisa conhecer os fatos, as versões e avaliar as experiências, para poder julgar. Mesmo cometendo erros, já alvos de processos judiciais, o que move os homens públicos por vocação, como José Dirceu, são suas convicções, às quais sempre foi fiel e, por tal, merece respeito.
Em nenhum momento renega o apreço e admiração por Fidel Castro e a solidariedade ao ex-presidente Lula. Justifica a luta armada e não concede nenhum reconhecimento aos brasileiros que passaram pelo poder no período militar.
Curiosamente, bate pouco nos militares, falando mal dos governos em geral. Bate mesmo, e duro, em FHC e, inexplicavelmente em Fernando Gabeira. Fora do PT, cujas memórias se confundem com a do próprio partido, Dirceu elogia Montoro, Brizola e Itamar. E revela com naturalidade sua filiação ao PCB e o bom convívio com os comunistas. O Foro de São Paulo é exaltado como a inserção do PT nos movimentos internacionais de esquerda.
Conta a história de um radical que sabe fazer política, assume posições e envolve toda uma geração de militantes, louvando ou criticando. Por vezes, deixa-se levar por conceitos fantasiosos, como a suposta interferência dos EUA no movimento de 64 e nas políticas econômicas de FHC.
Quem tiver uma visão de Brasil e de mundo diferente não vai mudar um milímetro em suas convicções. Pode ler sem medo. E mais: querendo saber o pensamento de um grupo que chegou a dominar o país por quase 12 anos e a fazer a cabeça de parte da população, é leitura recomendável. Se esta ascensão do PT teve três grandes cabeças, Zé Dirceu foi uma delas!
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FOTO: Marcelo Camargo/Agência Brasil