Voto em lista é um golpe sujo contra a vontade do eleitor
A partir de 2018 não se votaria mais em nomes de candidatos para deputado estadual ou federal, mas em listas fechadas, elaboradas pelos caciques de cada partido
O Congresso está às vésperas de praticar um golpe hediondo contra os eleitores brasileiros. Quer instituir o sistema de lista fechada para a escolha, em 2018, de deputados estaduais e federais.
A ideia é defendida abertamente pelos presidentes da Câmara (Rodrigo Maia) e do Senado (Eunício Oliveira) e pelo relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP).
De forma dissimulada, o mesmo plano é também defendido por grande parte dos 513 deputados e dos 81 senadores. Tem tudo para ser aprovado e virar lei.
Pelo sistema de lista fechada, o eleitor não votará mais em determinado candidato. Deverá votar na chapa (também chamada lista) de determinado partido.
Tome como exemplo São Paulo, que elege 70 deputados federais por legislatura. Digamos que o partido “x” tenha 10% dos votos. Esse partido preencherá 10% das cadeiras, ou sete deputados.
O problema é saber quem vai elaborar a listas de candidatos, tornando automática a eleição dos políticos que a encabeçam, e transformando em automáticos derrotados os nomes que ocupam as últimas colocações dessa lista.
A eleição proporcionais com listas fechadas – as eleições majoritárias (governador, senador) ficam como estão – caem agora de paraquedas no Brasil a partir de dois horrendos casuísmos.
AS SEGUNDAS E DESONESTAS INTENÇÕES
1 – Orçamento de campanhas. Depois das eleições de 2014, o Supremo Tribunal Federal proibiu o financiamento das campanhas eleitorais por pessoas jurídicas. Leia-se, sobretudo empreiteiras. As eleições municipais de 2016 foram bem mais pobres. Mas, em 2016, o número de candidatos será ainda bem maior. Será o presidente da República, 27 governadores, deputados federais, senadores e mais 800 deputados estaduais. Não haverá dinheiro para financiar todas essas campanhas, a não ser que se arrebente com o Tesouro da União com o financiamento público. O sistema de lista fechada torna a eleição bem mais barata.
2 – Eleitores delegam poder aos partidos. A lista fechada impede o eleitor de votar no nome de “x” ou de “y”. Ele vota na chapa partidária. E quem estipula a ordem de inscrição dos candidatos são os dirigentes partidários.
3 – Esconder os envolvidos com a Lava Jato. Uma das decorrências desse último critério será a possibilidade de “esconder”, dentro da chapa, políticos que se encrencaram com corrupção, mas que ainda não foram condenados em segunda instância e que não são, por isso, fichas sujas.
Esse último aspecto é fundamental. Não procede a ideia de que o eleitor não é bem-informado e que vota de qualquer jeito.
ELEITOR SABE EM QUEM NÃO VOTAR
Três exemplos. Em 1976, o então MDB (oposição ao regime militar) fez a maioria na Assembleia Legislativa de São Paulo. O governador Paulo Maluf cooptou parte da bancada. Os cooptados não se reelegeram em 1980.
Um segundo exemplo. No Município de São Paulo, o mesmo Maluf distribuiu em 1994 as distritais do PAS (plano de saúde) aos vereadores leais ao prefeito na Câmara Municipal. O PAS se tornou um instrumento brutal de corrupção. Nas municipais de 1996 os vereadores cooptados não se reelegeram.
Um terceiro e último exemplo. Na esfera federal, a Polícia Federal deflagrou em 2004 uma operação que comprometeu 74 deputados no desvio de verbas para a compra de ambulâncias. Foi o escândalo dos Sanguessugas. Entre os comprometidos, só cinco conseguiram se reeleger em 2006.
Os pilantras do atual Congresso sabem que o eleitor, mesmo sem boa memória para se lembrar em quem votou nas últimas eleições, sabe em quem não deve votar nas eleições que estão chegando.
A Lava Jato se torna, então, um divisor de águas. Não tanto pela distinção jurídica entre os investigados, os indiciados e os já condenados em primeira instância. Mas só o fato de determinados nomes circularem na mídia já os liquida eleitoralmente.
Os que temem não se reeleger têm todo o interesse na adoção de uma “reforma política” que esconderá seus nomes dentro das listas fechadas de candidatos de 2018.
Há nessa discussão um outro aspecto relevante. As listas fechadas funcionam em países em que os partidos têm uma forte identidade política e eleitoral.
No Brasil, isso rigorosamente não existe.
A IMAGEM PÁLIDA DOS PARTIDOS
Havia o PT, com uma imagem encorpada no campo da esquerda. Mas os escândalos do Mensalão e do Petrolão destruíram essa cartada que antes foi dignificante.
O PSDB perdeu muito da imagem modernizante dos oito anos de FHC e está com suas três principais lideranças comprometidas por denúncias.
Existem no país 35 partidos políticos, 28 dos quais com representação no Congresso. Qual é a imagem das pequenas siglas de aluguel? Nenhuma. Tem gente disposta a votar nelas? Obviamente que não.
É por isso que parece difícil a aprovação, pela Câmara, de dispositivo da reforma política já votado pelo Senado, segundo o qual estaria proibida a coligação em eleições proporcionais (vereadores e deputados). Coligação, só nas eleições majoritárias (presidente, senadores e governadores).
Diante de tudo isso, não faz sentido partir para comparações com a legislação eleitoral de outros países, em que a personalidade dos partidos é bem mais definida, e a identificação do eleitor com determinada plataforma eleitoral se dá como um automatismo da democracia.
Os exemplos estrangeiros são para nós inúteis. Por pura curiosidade, o sistema de lista fechada existe em 19 democracias, como a Austrália, a Espanha, Israel, Itália, Portugal e Uruguai.
Mas não existe na Inglaterra, França, Estados Unidos ou Alemanha, onde vigora o voto distrital (um só eleito por cada distrito), e onde as candidaturas são individuais ou, então, como no caso alemão, onde o eleitor vota duas vezes: a primeira no candidato, e a segunda, no partido que elaborou uma lista fechada. Elegem-se metade pelos distritos e a outra metade pelas listas partidárias.
Nada disso está sendo pensado com relação ao Brasil, onde o sistema de lista fechada será um golpe muito duro contra a vontade do eleitor.
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