Um terço dos empregados do varejo está com a saúde mental em risco
Pesquisa aponta que o setor apresenta maior índice de sofrimento psicológico e alerta empregadores para se adaptarem até maio à NR-1 do MTE, que inclui riscos psicossociais, sob pena de multas, embargos ou interdições

Um terço dos trabalhadores do comércio-varejo está com a saúde mental em risco, podendo apresentar ideações suicidas, enquanto 46% enfrentam algum tipo de sofrimento psicológico e 4% apresentam pontos de atenção nesse quesito. Só 17% demonstram estar mentalmente saudáveis.
Os dados são do estudo "Trilha da Mente", recém-divulgado pela Alper Seguros, que aplicou o Questionário de Saúde Mental SQR-20 em empresas deste e de mais seis setores, como concessionárias de rodovias, agronegócio, indústria, equipamentos, saúde e tecnologia.
Uma mudança na lei tentará minimizar o problema: as empresas têm até maio para se adaptar à atualização da NR-1, promovida pela Portaria nº 1.419 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que inclui pela primeira vez os riscos psicossociais do ambiente corporativo como parte do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR).
Jornadas extensas, poucos finais de semana, pressão por resultados, salários nem sempre compatíveis, instabilidade econômica do setor e baixo suporte organizacional, em especial no pequeno varejo, estão diretamente relacionados a esse quadro, e fazem com que os funcionários apresentem maior vulnerabilidade quando se fala em saúde mental, com índices no varejo acima da média, segundo Paula Gallo, diretora de Gestão de Riscos e Saúde da Alper.
Na indústria, por exemplo, ao contrário do varejo, 54% dos trabalhadores não enfrentam nenhum problema com sua saúde mental. Entre os trabalhadores das concessionárias, apenas 5% precisam de ajuda psicológica imediata, enquanto em tecnologia e no agronegócio o perfil é semelhante: menos de 10% necessitam de atenção imediata por estarem em alto risco, sendo que 40% dos trabalhadores demonstraram estar psicologicamente saudáveis.
No caso do comércio, setor que sofre com a falta de mão de obra qualificada, as pressões do trabalho e a baixa remuneração - fatores que afetam a saúde mental dos funcionários -, somadas ao mercado de trabalho aquecido, têm levado trabalhadores a mudar para empregos em setores que oferecem condições melhores. Nem que seja uma ligeira melhora no salário, jornada de segunda a sexta e ambientes menos propensos ao adoecimento mental.
A diretora da Alper afirma que, diferentemente dos riscos físicos, não há EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) para "contextos psicossociais". Daí a importância de os varejistas se adaptarem às novas regras, para não prejudicar trabalhadores - e o próprio negócio. "O que funciona são ações preventivas, fluxos bem ordenados e mapeamento individualizado, respeitando tanto a singularidade humana como o contexto laboral", orienta.
Bruno Okajima, sócio do escritório Autuori Burmann Sociedade de Advogados, considera a nova redação da NR-1 um passo importante para a saúde mental se tornar essencial no ambiente de trabalho, já que é a primeira vez que riscos psicossociais passam a integrar formalmente a gestão de segurança nas empresas.
"Além dos cuidados com a parte física e estrutural, agora será necessário olhar com atenção para questões como assédio, sobrecarga, estresse excessivo, conflitos de liderança e desequilíbrio entre vida pessoal e profissional", explica o advogado, que diz que essa mudança vem ao encontro do que já era percebido na prática: que a saúde mental influencia diretamente o clima organizacional, o desempenho e a permanência dos trabalhadores.
Nesse contexto, Silmara Bernardo, advogada trabalhista e sócia do Viseu Advogados, também considera a nova medida do MTE um avanço ao incluir esses riscos no PGR das empresas. E reforça que, mesmo com a obrigatoriedade de adaptação, não é preciso apresentar já um plano completo para mitigar esses riscos, mas comprovar que iniciou ações práticas nesse sentido.
"A mudança evidencia um compromisso maior do governo com a saúde mental dos trabalhadores. Porém, exige desde já uma postura ativa das empresas na prevenção desses riscos, sob pena de sanções como multas, embargos e até interdições", alerta.
Pequeno lojista também precisa se adaptar
Apesar de prever penalidades em caso de descumprimento, se adaptar à nova redação da NR-1 não significa aumentar os custos da empresa por excesso de complexidade, o que poderia preocupar, principalmente, o pequeno lojista.
Silmara Barros, do Viseu, diz que a exigência principal é demonstrar ações efetivas, mesmo iniciais, como a identificação básica dos riscos psicossociais, treinamentos simples de sensibilização, ou pequenas mudanças no ambiente que demonstrem cuidado com a saúde mental dos funcionários. "Pequenos passos, bem documentados, já demonstram compromisso com a norma e evitam penalidades."
O ponto central, reforça Bruno Okajima, é a postura preventiva e consciente do empregador, e no caso dos pequenos lojistas, algumas medidas simples e eficazes podem ser adotadas: acompanhar a carga de trabalho dos empregados; evitando excessos de jornada ou metas incompatíveis; ouvir a equipe com regularidade, criando um ambiente de diálogo; prevenir situações de conflito ou assédio, com regras claras de conduta; e registrar um PGR básico, que contemple os fatores psicossociais mais prováveis no contexto do comércio/varejo.
"O importante é demonstrar que a empresa está atenta e atuante na gestão dos riscos, ainda que com soluções proporcionais ao seu porte", destaca.
É importante se adaptar o quanto antes, já que o descumprimento das exigências, além das sanções, pode ter impactos judiciais, como o aumento das ações trabalhistas e indenizações por danos morais e materiais relacionados à saúde mental dos trabalhadores, gerando custos financeiros elevados e danos à reputação da empresa, lembra Silmara.
"Em tempos em que reputação pesa tanto quanto o preço, negligenciar o bem-estar do time é um risco que poucas marcas podem correr", alerta Okajima.
Produtividade x saúde mental
Cuidar dos funcionários enquanto se aumenta a produtividade da empresa é o grande desafio do varejo nesse momento, na avaliação da advogada Silmara Bernardo - o que implica em revisar jornadas, evitar sobrecarga e proporcionar um ambiente de trabalho saudável, com espaços de descanso e diálogo aberto sobre saúde mental. "Empresas que não encararem esse desafio perderão talentos para concorrentes que já investem nessas práticas, além de enfrentarem riscos legais e operacionais elevados."
Encontrar formas de manter a operação funcionando bem, sem comprometer a saúde de quem está na linha de frente, passa por pequenas mudanças, diz Bruno Okajima, como reconhecer esforços, flexibilizar quando possível e ouvir quem está no dia a dia da loja. "Quem conseguir humanizar a gestão vai sair na frente na hora de atrair e reter bons profissionais."
O ideal, segundo a advogada trabalhista, é que as empresas invistam em programas de promoção à saúde mental, capacitação de lideranças para reconhecimento precoce de problemas e na criação de políticas claras contra práticas como assédio moral e metas abusivas. Por isso, agir rapidamente e com a maior participação dos empregados não apenas protege o funcionário, mas o próprio negócio, ao evitar penalidades legais, financeiras e reputacionais.
As empresas precisam, de forma simples e realista, olhar para o assunto com mais seriedade, reforça o sócio da Autuori Burmann. E não se trata de criar grandes programas ou campanhas. "Às vezes, o que faz diferença é ter alguém para ouvir, um líder preparado para identificar sinais de sobrecarga, um ambiente onde o colaborador se sinta respeitado. Cuidar da saúde mental não é mais um diferencial, virou parte da responsabilidade de quem empreende e emprega."
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IMAGEM: Freepik