Três dias que colocaram a política de cabeça para baixo
O procurador Rodrigo Janot (à esq.) se enfraquece com novas gravações de Joesley (ao centro). Temer pensava que tiraria proveito disso, mas vieram as malas de dinheiro de Geddel e a delação de Lúcio Funaro

Raramente na história republicana brasileira tivemos uma sucessão tão inesperada de reviravoltas que envenenaram o cenário jurídico e político.
Tudo começou no domingo (03/09), quando uma procuradora de plantão na Procuradoria Geral da República ouviu um áudio em que Joesley Batista e Ricardo Saud, co-proprietário e diretor da J&S, davam claramente a entender que a delação premiada que quase derrubou Michel Temer tinha sido feita com a assessoria do procurador Marcello Miller.
E isso quando Miller ainda integrava o núcleo de auxiliares diretos do procurador-geral, Rodrigo Janot. Ele deixaria em abril a PRG e passaria a trabalhar para o escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe, contratado por Wesley para orientar juridicamente sua delação.
Ou seja, um homem-chave de dentro da Procuradoria fez jogo duplo. Atuou em nome da instituição que representava, mas ao mesmo tempo como informante de um réu que procurava se safar – como provisoriamente se safou – da cadeia.
Só isso bastaria para complicar Janot e fortalecer o presidente Temer, que será objeto de uma segunda denúncia de corrupção, que se somará à denúncia anterior, derrubada pela Câmara dos Deputados (ela não autorizou o STF a abrir o processo).
Mas a essas peças vieram se juntar outras mais cheias de arestas desse mesmo quebra-cabeças.
ENFRAQUECIDO, JANOT TEM PRESSA
A primeira se deve ao fato de Janot precisar correr contra o tempo. Ele deixa seu posto no próximo dia 17.
Declarou-se surpreso com as revelações que recebera, em entrevista convocada às 19h da última segunda-feira (04/09). E prometeu investigar e até pedir a prisão de Marcello Miller, seu ex-assessor e ex-homem de confiança. E assegurou que Joesley poderia até ser preso.
A questão estava em saber o que fazer da delação de Joesley, cuja joia da coroa foi a gravação, divulgada em 17 de maio, na qual o empresário prometia continuar comprando o silêncio de Eduardo Cunha – o ex-presidente da Câmara, preso em Curitiba.
Joesley também mencionava indiretamente a entrega de uma mesada semanal de R$ 500 mil, na qual a Polícia Federal flagrou imagens do suplente de deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-P), homem de confiança de Temer.
Loures passou a ser conhecido como “o homem da mala”, que arrastava com rodinhas, ao sair de uma pizzaria paulistana onde recebeu o suborno.
Janot afirmou que a delação de Joesley seria mantida nos processos cuja abertura proporcionou. Mas os advogados que operam na Lava Jato argumentavam que essas acusações cairiam por água abaixo.
Assim se exprimiram criminalistas de peso, como Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, Celso Villardi ou Alberto Toron. E também o ex-ministro do STF, Carlos Velloso.
Os advogados de Temer se alvoroçaram. Queriam que as provas fossem canceladas, já que foram obtidas de maneira ilícita, em razão do jogo duplo do procurador Miller.
Seria a repetição aproximada do processo gerado pela Operação Satiagraha, que foi arquivado em razão de inconfidências do delegado da PF Protógenes Queiroz, a seguir deputado federal pelo PC do B e hoje com pedido de prisão expedido.
O STF deverá decidir sobre o assunto – as provas continuam válidas ou não? -, já que a lei 12.850/13, sobre as delações, dá margem a ambiguidades.
NA BERLINDA, TEMER E LULA
Mas a história transbordou de seu cálice por duas outras bordas. A primeira comprometeu Temer, e a segunda, o PT.
Vejamos o presidente da República. Seus assessores acreditam que ele foi indiretamente atingido – e em cheio – pela apreensão, num apartamento em Salvador (BA), de exatos R$ 51.030.866,30. Ou seja, R$ 51 milhões em cédulas, pertencentes a Geddel Vieira Lima.
A fortuna ilícita – se não o fosse, ela a teria depositado num banco – foi com certeza obtida em sua passagem por governos petistas, Lula e Dilma, mas por indicação de Michel Temer.
Geddel está em prisão domiciliar. Pode voltar para a cadeia, caso o juiz federal Wanisley Souza Oliveira, de Brasília, acredite que ele esteja em condições de queimar provas que o comprometam ainda mais.
Ainda no capítulo Michel Temer, o STF homologou a delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Ele era o operador do PMDB e estava sobretudo ligado a Eduardo Cunha.
Detalhe pitoresco: O Antagonista informa que Funaro disse ter feito “muitas” viagens a Salvador, para a entrega de malas cheias de dinheiro para Geddel Vieira Lima.
Com relação ao PT, a surpresa ocorreu na terça-feira (05/09), quando o procurador Rodrigo Janot denunciou Lula e Dilma na Operação Lava Jato.
O caso está no STF porque, mesmo sem foro privilegiado para os dois ex-presidentes, uma das rés é a senadora Gleisi Hoffmann (PR), presidente nacional do partido.
A instrução representa uma espécie de “inquérito-mãe” para toda a corrupção ocorrida na Petrobras.
Janot pede que os envolvidos – entre eles estão os ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci – restituam à estatal R$ 6,8 bilhões desviados com a corrupção.
O ex-presidente Lula, já condenado na Lava Jato, já é freguês na operação. Dilma, no entanto, está fazendo sua estreia.
Ela, que recentemente conseguiu passar em brancas nuvens no Tribunal de Contas da União (TCU) no caso da compra da refinaria de Pasadena, no Texas, quando era presidente do conselho da Petrobras. Num caso para o qual o Judiciário ainda não se manifestou.
Em resumo, a Semana da Pátria, normalmente mais curta em razão do feriado, está sendo excepcionalmente a mais densa. Com todos esses episódios se acomodando em apenas três dias.
Tivemos também a operação lançada contra o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), pela corrupção que gerou a compra de votos para a escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
Mas essa já é outra história, que corre na política com combustível próprio e que só indiretamente atinge Brasília.
FOTOS: Beto Barata/Fotos Públicas; Leonardo Prado/Secom/PGR; Rovena Rosa/Agência Brasil