Tópicos sobre reforma tributária
Se as propostas possuíam sérios problemas quando apresentadas, continuar a discuti-las nesse cenário de incerteza é não apenas inconveniente, é arriscado
Apesar dos avanços em relação à covid-19 e na abertura da economia, o cenário atual é de incerteza, pois não se conhece os possíveis efeitos, a real extensão e os desdobramentos da pandemia, e menos ainda, os estragos e distorções provocados nas atividades das empresas, muitos dos quais ainda perdurarão pelos próximos meses e, talvez, anos.
Discutir uma reforma tributária nesse cenário de incerteza é correr o risco de tomar decisões “no escuro”. Os estudos que têm sido utilizados para servir de base às propostas em discussão foram baseados em uma situação conhecida da economia, que não reflete a realidade do momento, nem do futuro.
Se essas propostas possuíam sérios problemas quando apresentadas, continuar a discuti-las nesse cenário de incerteza é não apenas inconveniente, como arriscado.
Qual é a situação da economia no momento? Como será a economia pós-pandemia
Quais foram os impactos da pandemia sobre os diferentes setores, e como estarão na retomada?
A recuperação do emprego não deveria ser a prioridade na saída da pandemia?
É racional promover mudanças profundas no sistema tributário sem as respostas para as perguntas acima?
Quais são os riscos de impor ônus, burocracia e dificuldades para os setores que mais sofreram, e serão os últimos a se recuperar (serviços para pessoas físicas) e aumentar a carga tributária?
O que se pretende com as mudanças do PIS\COFINS, segundo seus autores, é simplificar a cobrança desses impostos e tornar mais justa e moderna a tributação, com o fim das isenções e alíquota única tipo IVA.
Uma análise estatística mostra que o objetivo de simplificar não é atingido. Pelo contrário. Apenas 3% das empresas estão no Lucro Real. Em contrapartida mais de 20% estão no Lucro Presumido e teriam aumento significativo da burocracia, onerando os custos e, de outro lado, aumentando o trabalho do fisco.
Além disso, as empresas de serviços passarão a ser obrigadas a fazer toda a escrituração e contabilidade de custos, embora a maioria não tenha créditos a aproveitar. Para muitas, os custos da burocracia poderão ser superiores aos créditos.
Segundo especialistas, a maior parte do contencioso do PIS\COFINS resulta de regras interpretativas que poderiam ser alteradas por normas infralegais.
Embora em teoria a alíquota única possa ser a mais eficiente, na prática a experiência internacional não sanciona essa posição, como mostram os dados da OCDE. Qualquer mudança agora aumentando a tributação irá provocar a inviabilização de milhares de empresas de serviços (além das que já fecharam), afetando o setor que é o maior gerador de empregos.
Com relação à PEC 45\19, segundo seus autores ela vai modernizar e simplificar o sistema tributário, o que irá propiciar um aumento da produtividade da economia que compensará os setores inicialmente prejudicados, de forma que todos ganharão.
Entre a intenção e a realidade há uma grande diferença. Na verdade, existe uma contradição entre os objetivos e a proposta. Se é urgente simplificar, como a PEC 45 propõe manter o sistema atual, com todos seus defeitos, por mais 10 anos, convivendo com o novo? O aumento de produtividade prometido será depois dos dez anos?
Além disso, todos os pontos negativos apontados na proposta do PIS\COFIS também estão presentes na PEC 45, só que amplificados pois a alíquota será maior.
No aspecto macro, pode se apontar outra contradição. É fácil demonstrar que ela transfere receita dos municípios para os estados, pois o ISS é o imposto que mais cresce. Trata-se de uma discriminação de renda inversa ao desejado.
O impacto de mudança proposta sobre os preços de produtos e serviços que têm grande peso no IPCA será significativo. A alternativa de devolução para as classes de renda mais baixa, além de inviável, não resolveria o problema do efeito do aumento dos preços sobre o índice, e em consequência, sobre a Selic e a política monetária.
Os dados de desemprego, especialmente dos mais jovens e dos menos especializados, mostram que a retomada não será sustentável sem medidas voltadas especificamente para o emprego. Em vez de aumentar a incerteza da economia com reformas cujos resultados são imprevisíveis, a prioridade deve ser desonerar a folha e procurar corrigir as principais distorções dos tributos, que acarretam grande contencioso, pela via infralegal.
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