Sem medo de começar de novo

Prejudicados pelo desemprego e pelo preconceito, profissionais maduros encaram as vagas de estágio como uma oportunidade para retomar o trabalho

Estadão Conteúdo
30/Out/2016
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Sem medo de começar de novo

Passados 40 anos de trabalho, o diretor comercial Guilherme Lobarinhas virou estatística e, no fim de 2014, aos 68 anos, enfrentou o desemprego pela primeira vez. Enviou mais de 600 currículos, mas sem respostas.

A única entrevista que conseguiu só aconteceu em fevereiro deste ano, depois de se inscrever para uma vaga de estagiário na agência de publicidade DMV Comunicação. 

Depois de seis meses como aprendiz, Lobarinhas foi efetivado e se tornou diretor da área digital. "Apesar de estar aposentado, eu não sei ficar sem trabalhar. Aqui coloco em prática meu conhecimento de décadas em venda", afirma.

Depois dos jovens com até 25 anos, são justamente as pessoas acima de 60 anos as que mais sofrem com o cenário de desemprego, que já atinge 12 milhões de pessoas. 

Do quarto trimestre de 2014, último período antes da piora do mercado de trabalho, para o segundo trimestre deste ano, o desemprego entre os mais velhos cresceu 132%, de acordo com o Ipea.

Com a crise econômica e a dificuldade de voltar ao mercado, são os postos de trabalho informal, as profissões liberais e mesmo as vagas de estágio que se mostram como oportunidade para essa mão de obra.

"O estágio é também um emprego, algo tão difícil para pessoas nessa idade. E ainda é uma ajuda para quem a aposentadoria é insuficiente, especialmente porque muitos passaram a ajudar mais nas contas de casa", diz Marcelo Treff, professor de Recursos Humanos da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap).

Especialistas em recrutar estagiários também registram aumento de cadastros de candidatos mais velhos. No banco de dados do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) há 7,2 mil profissionais com mais de 40 anos estagiando. 

Desse total, 2,73% passaram dos 60 anos. No site da recrutadora Nube, as estatísticas mostram que estagiários a partir de 40 anos tiveram alta de 21,6% de 2015 para 2016.

"Existem companhias que têm adotado a estratégia de contratar pessoas mais experientes porque perceberam que têm grandes ganhos com a diversidade da força de trabalho", diz a coordenadora de treinamentos na Nube, Rafaela Gonçalves.

A percepção das recrutadoras é reforçada pelo ensino superior, onde o número de matrículas de pessoas a partir dos 60 anos cresceu 8,5% de 2014 para 2015, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacional (Inep). 

Estudante do 5.º semestre de Pedagogia, Dirce Gonçalves, de 61 anos, completou o estágio obrigatório e logo foi selecionada para um estágio remunerado na rede de ensino de Jundiaí (SP). "Era um sonho. Agora, quero seguir na área, porque ainda existem muitas coisas para fazer."

Porém, se os candidatos chegaram à terceira idade, o mercado de estágio ainda dá seus primeiros passos. Segundo Luiz Edmundo Rosa, diretor nacional de desenvolvimento de pessoas da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Brasil), a inserção de profissionais com mais de 60 anos nesse tipo de vaga é inexpressiva.

"É uma solução isolada e pontual, que pode até ter um lado de oportunismo, em que não se precisa registrar o trabalhador. São poucas as oportunidades em que o estágio é realmente de aprendizado, porque essa é uma fase para quem está começando uma carreira", diz Rosa. Para ele, o mais importante para a pessoa madura é "sentir que tem uma ocupação".

A vontade de se sentir útil é o que faz o médico pesquisador da terceira idade e presidente do Centro Internacional da Longevidade (ILC) no Brasil, Alexandre Kalache, acreditar que o idoso é um elemento que pode beneficiar uma empresa. Para ele, o mais velho consegue atenuar tensões no ambiente de trabalho, fazendo a ponte entre os mais jovens e a chefia. 
"As preocupações são distintas, ele valoriza mais o emprego, raramente falta e, no geral, não está preocupado em construir carreira, mas, sim, em deixar um legado."

Segundo Kalache, os mais velhos de hoje, a geração babyboomer - nascida após a 2ª Guerra Mundial -, trazem a cultura da sua juventude para se aventurar em novas experiências, inclusive na vontade de continuar trabalhando. 

"Essa foi a primeira geração que teve adolescência e não começou a trabalhar aos 12 ou 13 anos. Agora, está criando a gerontolescência. Esses maduros vão experimentar, se rebelar." 

Imagem: ThinkStock

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