Reprodução assistida: um direito de todos?

E como você receberia a informação sobre uma resolução originada no Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.957/2010, dando conta de que a reprodução assistida encontra-se “liberada” para os homossexuais

Ivone Zeger
01/Jun/2016
Advogada, consultora jurídica, palestrante e escritora.
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As notícias correm rápido. As boas e as más! E como você receberia a informação sobre uma resolução originada no Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.957/2010, dando conta de que a reprodução assistida encontra-se “liberada” para os homossexuais! Polêmicas à parte, o assunto está gerando uma série de mal entendidos na cabeça de muita gente.

O primeiro mal-entendido é que a reprodução assistida era vetada aos homossexuais antes da resolução ser promulgada. Ora, basta dar uma olhada no Código Civil para ver que as coisas não são bem assim. 

O Código Civil Brasileiro permite que também as mulheres solteiras, viúvas ou divorciadas recorram à inseminação artificial, não havendo, portanto, nenhuma restrição quanto à orientação sexual – ao menos no que diz respeito às mulheres.   

No caso dos homens homossexuais, a situação é outra. E aí chegamos à segunda interpretação equivocada da Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) a de que situações como as que se veem no exterior, nas quais gays assumidos como os cantores Elton John e Rick Martin recorreram à inseminação artificial e à barriga de aluguel para terem seus filhos, poderão se repetir no Brasil. 

Sinto ter de jogar um balde de água fria no ânimo daqueles que já estavam comemorando o avanço, mas isso não poderia estar mais longe da realidade.   

Para começar, a prática de “alugar” o útero para gestar uma criança para outra pessoa não é permitida, nem por nossa legislação, nem pela Resolução do CFM. Portanto, nem sequer a expressão “barriga de aluguel” é correta – trata-se, isso sim, de uma doação temporária do útero, e a ênfase está na palavra doação. 

Além disso, a prática só é permitida se a mulher que produzir o óvulo não puder gestá-lo por motivos médicos e desde que a doadora do útero seja sua parente próxima (mãe, avó ou irmã). Portanto, casos como os que ocorrem em outros países, onde um homem, gay ou não, pode comprar o óvulo, inseminá-lo e pagar a uma desconhecida para que se encarregue da gestação estão totalmente fora de questão no Brasil. 

Resta ao homem homossexual a possibilidade de encontrar uma mulher que concorde em ceder seu óvulo e gestar seu filho, gratuitamente. No entanto, sob o ponto de vista legal, a criança nascida dessa prática seria filha dele e da mulher que a gerou, impossibilitando, assim, que casais gays assumissem a paternidade conjunta – ao contrário do que ocorreu com o cantor Elton John e seu parceiro, David Furnish. 

Em situação parecida se encontram os casais formados por mulheres homossexuais. Mesmo que uma delas gere um filho, seja por meio da reprodução assistida ou não, sua parceira não teria nenhum direito legal em relação à criança.

Afinal, no Brasil, os homossexuais não podem nem sequer adotar em conjunto – os que querem reivindicar esse direito tem de se submeter a longos processos judiciais, cujo resultado é incerto. Dividir legalmente a paternidade ou a maternidade de uma criança, ainda que nascida do óvulo ou do esperma de um deles, não é, pois, um direito que nossa legislação lhes garante. 

Obviamente, não cabe ao Conselho Federal de Medicina (CFM) legislar sobre todos esses aspectos. O CFM está fazendo sua parte e, sob esse ponto de vista, deixar claro que “todas as pessoas capazes podem ser receptoras das técnicas de reprodução assistida”, conforme se lê no texto da Resolução, já é um avanço, pois contribui para esclarecer que a prática, dentro dos limites do que a lei permite, não é de modo algum vedada aos homossexuais. 

Espera-se que esse esclarecimento possa abrir caminho para outras mudanças – ou, ao menos, para um debate mais sério sobre outras mudanças – necessárias para que os casais homossexuais e seus filhos possam ter os mesmos direitos garantidos ao restante da população. O fato é que, ainda que alguns não queiram, as famílias homossexuais já são uma realidade. Só nos resta provar que o princípio constitucional segundo o qual “todos são iguais perante a lei” é algo mais do que palavras ao vento.

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