Relativismo moral da mídia – IV
O Brasil é maior do que qualquer rede de TV. Pois nenhuma empresa, corporação, partido, igreja, seja lá que instituição for, pode estar acima da cultura política de uma elite de cidadãos atuantes que decidiram assumir os destinos de seu povo.
O problema da corrupção dos valores na grande mídia nacional, para além das empresas, é que seus melhores empreendedores não estão mais vivos. Empresários do quilate de um Ruy Mesquita, Roberto Civita ou Roberto Marinho, que eram, para além de proprietários de suas empresas, o diapasão moral e o controle de qualidade e de seus produtores de conteúdo.
Aliás, se legitimavam como proprietários, não apenas por seus títulos de investidores e tomadores de risco, mas exatamente por saberem se apropriar do conteúdo do imaginário produzido por suas equipes de jornalistas e ficcionistas.
Sobretudo pela responsabilidade política assumida na construção da identidade social do país e de seus valores! Sem os quais não se concretiza a propriedade efetiva dos meios de produção simbólica, a propriedade intangível desta empresa singular chamada genericamente de mídia.
Empreendedores, não apenas atuantes no cenário político, como líderes de outros empreendedores dos mais variados segmentos da economia. Líderes que sabiam se apropriar, como se responsabilizar pelos efeitos colaterais resultantes da informação, que é sempre a formação política e a autoestima de seu público!
Quando simplesmente vetavam a corrupção dos valores e o relativismo moral típicos da dissimulação esquerdista dos intelectuais e demais produtores de conteúdo! Evitando a degeneração da imprescindível crença nacional em cinismo e ceticismo. Cultivando os valores morais da tradição humanista!
E o que temos hoje? Códigos de princípios editoriais? Mas sabemos que códigos não esgotam necessariamente princípios morais. Vide códigos de defesa da criança, do meio-ambiente e trabalhista que muitas vezes desabrigam crianças, meio-ambiente e trabalhadores, uma vez que a lei não é suficiente para impor a moral, como nos ensina a história da cultura política.
Em quaisquer coletivos, nenhum conjunto de normas pode suprir um líder cuja própria conduta é o parâmetro para os demais. Neste sentido, a falta de lideranças empresariais no setor da mídia compromete de modo cabal as lideranças empresariais de todos os demais setores da economia.
Pois não eram apenas os vigilantes contra a corrupção dos dinheiros públicos, mas sobretudo dos valores morais da República. Se viveram o suficiente para combater a ameaça comunista nas instituições públicas nos anos 60 e 70 não viveram o suficiente para combater o resíduo esquerdista que permanece nas últimas décadas, sob a forma do relativismo moral, entre os produtores de conteúdo de suas empresas.
Uma visão-de-mundo equivocada que, se não pode se declarar comunista nos dias de hoje, com certeza procura se perpetuar como socialista utópica, ou socialdemocrata, que já foi desmascarada como “socialismo envergonhado” por um estadista do porte de Roberto Campos. Ou gramsciana como prefere se apresentar a nova esquerda.
Mas prefiro resumi-la como esquerdista, crença muito mais difícil de combater, uma vez que sabe que não pode tomar o poder pela via das armas, mas pode desmoralizar os valores e princípios liberais e conservadores, para além da moralidade pública e do civismo, sobre os quais se constrói uma nação.
Se conta a lenda, por exemplo, que dr. Roberto sabia muito bem cuidar de seus comunistas, a questão que se coloca hoje é se seus herdeiros sabem lidar com seus sucedâneos esquerdistas.
Tenho falado aqui nas recorrentes matérias telejornalísticas das principais redes de televisão que vivem a nos mostrar um sistema de saúde pública falido, uma afronta à dignidade dos cidadãos e a exposição dos mesmos, senão como meros sofredores, como reclamantes inúteis.
E o que está em jogo é exatamente a concepção esquerdista de Estado como provedor universal da saúde pública, como direito de todos os cidadãos contra nenhum dever político de garanti-la. Como se Deus fosse, o Deus dos ateus ditos progressistas que escarnecem dos valores morais tradicionais das religiões e das famílias.
Senão, vejamos a corrupção do valor maior e que funda a própria garantia da saúde pública: a vida, como valor absoluto e clássico da tradição humanista, dimensão mais ampla e verdadeira do que a visão estreita dos esquerdistas.
A garantia da vida, como missão do Estado, não pode abranger a elástica ideia de “condições de vida”. Como a saúde, por óbvio, depende de inúmeros fatores para além dos serviços médicos prestados, como a educação preventiva, a responsabilidade da família, os investimentos em saneamento, etc.
Mas, o que faz a grande mídia? Reforça a vida como dom de Deus, limitando ao Estado a missão de defender a vida do atentado objetivo à vida, de um homem contra outro homem, como prescreve o 5º Mandamento, e as leis penais dele derivadas, ou atribui a um Estado divino e onipotente o poder de controle sobre todos os fatores naturais de ameaça à vida?
Tenho observado aqui a grande contradição de nosso imaginário social produzido por uma mídia de entretenimento banalizadora do mal, a nos persuadir diariamente de que somos um povo de má índole; e um telejornalismo politicamente cínico e cético, a nos persuadir de que a política é necessariamente o domínio do Demo, tudo acima e apesar de nossas comprovadas excelências culturais privadas e setoriais. Confirmando de forma irrecorrível nossa fatal vocação de um coletivo de craques individuais amontoados num time perdedor.
Trata-se de um complô maquiavélico de forças alienígenas para destruir a fibra cívica da nação, a nossa crença no impávido colosso, no futuro que espelha nossa grandeza? Para que nutramos a mais baixa autoestima entre as potências emergentes do globo? Como tenho defendido em companhia de centenas de agentes de cidadania, e diante da vilania fatal de agentes públicos, políticos e empresários corruptos, é chegada a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor.
Sobretudo no espaço simbólico da mídia, última trincheira de resgate de nossa autoestima, ou a pura estima de nossa identidade. Pois não temos mais como adiar esta agenda indelegável da cidadania.
Se a Educação tem patinado ao longo das últimas décadas de governos esquerdistas, e apresentado um viés doutrinário cada vez mais coletivista e relativista; se a Justiça, a despeito de se pretender social pelo voluntarismo de seus operadores, tem se mostrado lenta, pouco eficaz, corporativista e o menos transparente dos poderes; a mídia não pode desconhecer a sua responsabilidade cívica - como manda, aliás, o artigo 221 da C.F. sobre as premissas de sua concessão pública: respeito aos valores éticos da pessoa e da família.
E caberá aos melhores de nós, como agentes de cidadania, se não no espaço real das instituições políticas, pelo menos no espaço simbólico da mídia, tomar para nós mesmos esta inadiável tarefa de resgatar nossa identidade cívica, voltarmos a acreditar em nós mesmos enquanto nação, convicção de uma verdadeira elite da sociedade, os verdadeiramente melhores de nós, os que têm competência de qualificar o debate público, e não necessariamente os mais endinheirados.
Para que não nos vejamos apenas pelo espelho distorcido dos editores da grande mídia de entristecimento, que se arrogam donos de nossa identidade cultural, quando na verdade apenas projetam para uma audiência nacional suas estreitas visões-de-mundo.
Para que a narrativa sobre nosso projeto civilizatório não se eternize na limitada visão da ficção, da propaganda e da novela. Ou vamos mesmo acreditar que podemos construir um país de futuro sem instituições políticas de confiança?
Que nosso telejornalismo é a imagem fidedigna do real e sua reportagem mais isenta do que a sentença do mais justo dos magistrados? Que é mais ágil nas denúncias do que o mais audaz promotor público? Mais correto nas investigações do que o mais arguto perito investigador? Mais receptivo a críticas do que qualquer instituição democrática? Que à sua sagrada pregação pela liberdade de expressão absoluta não corresponde nenhuma responsabilidade cívica, moral ou política?
Não. O Brasil é maior do que qualquer rede de TV. Pois nenhuma empresa, corporação, partido, igreja, seja lá que instituição for, pode estar acima da cultura política de uma elite de cidadãos atuantes que decidiram assumir os destinos de seu povo. Trincheira política que decidirá a guerra que travamos por um país melhor para nossos filhos.
Como, a propósito, dizia a grande antropóloga americana Margaret Mead: “Nunca duvide que um grupo de cidadãos comprometidos e atuantes pode mudar o mundo. ”
E, como pretendemos apenas o Brasil...