Quer escalar sua franquia? Comece treinando gente
Especialistas falam sobre a importância de criar trilhas de conhecimento e cursos que unem teoria e prática para qualificar franqueados e equipe

Manter o padrão da marca em todas as unidades é um dos maiores desafios do universo das franquias. Para garantir que o cliente tenha a mesma experiência, independentemente da loja que visitar, o treinamento constante de franqueados e suas equipes é essencial — mas, na prática, esse suporte nem sempre acontece como deveria.
Com sedes muitas vezes localizadas em outras cidades ou estados, o acompanhamento próximo se torna complicado. Nesses casos, cabe ao franqueado buscar formas de manter a qualidade do serviço e a padronização da operação, mesmo à distância.
Padronização começa com conhecimento
A transferência de conhecimento é o maior valor que uma franquia pode oferecer, de acordo com Roberta Andrade, sócia e diretora de educação corporativa da Friedman by Gouvêa Ecosystem e da gonow1. “O franqueado busca um modelo testado, com produtos, serviços e posicionamento já estabelecidos. Muitos nunca tiveram uma loja própria e aprendem tudo sobre operação com a franqueadora”, diz.
Esse aprendizado, no entanto, precisa ser contínuo e adaptado às realidades locais. “O Brasil tem dimensões continentais. A forma de lidar com clientes muda de região para região. O franqueado precisa do apoio da franqueadora para ter esse direcionamento”, afirma Roberta.
Ela defende que a trilha de desenvolvimento ideal inclua etapas como operação, gestão de resultados e liderança. “A cultura da empresa precisa chegar até a ponta. Se não for vivenciada pelo franqueado, não alcança a equipe nem o cliente.”
Treinamento antes do contrato
A transferência de know-how é o coração do modelo de franquia, afirma Marcus Rizzo, diretor da Rizzo Franchise. Por isso, em seus projetos, o contrato só é assinado após um programa exaustivo de capacitação presencial.
“O treinamento é a base da manutenção dos padrões operacionais e do conceito da marca. Não existe franqueado sem isso”, diz Rizzo. Para ele, modelos exclusivamente EAD são insuficientes: “Se quiser fazer algo mal feito, faça remotamente”, dispara.
O especialista pontua que “ninguém poderia ser considerado franqueado se não passou pelo treinamento que deve ser presencial e intransferível (o contrato de franquia é personalíssimo). “Ou seja, é você quem foi selecionado, escolhido e será treinado para tocar a operação.”
Entre os pilares indispensáveis estão a alternância entre teoria e prática em centro de treinamento, vivência em unidades próprias e suporte regular de consultores de campo — sempre promovidos internamente. “A consultoria quinzenal é o mínimo para garantir padrão, especialmente em redes espalhadas geograficamente.”
Outro ponto destacado por Rizzo é o envolvimento direto do franqueado no treinamento e na capacitação da equipe. “O consumidor reconhece a marca, não o franqueado. Se um ponto falha, compromete toda a rede.”
Academia cria ‘test drive’ para novos franqueados
Apostando em um modelo sólido desde o início, a Fitness Exclusive, rede de academias com unidades no Ceará e em Pernambuco, está investindo cerca de R$ 1,5 milhão em um programa completo de treinamento. A estrutura inclui uma mini planta de academia na sede para simulações e estações práticas.
“Diretores passam três meses sendo capacitados antes da abertura de uma unidade. Eles precisam entender tudo antes de liderar uma equipe. Só assim conseguimos escalar com segurança”, afirma Leandro Batista, CEO da rede.
A universidade corporativa gratuita — um curso EAD de educação física reconhecido pelo MEC — é outro diferencial. “A ideia é que qualquer colaborador consiga evoluir até se tornar diretor. Para os colaboradores internos, o curso universitário é gratuito, mas ele é aberto ao público”, explica Leandro.
Roberta destaca que a inteligência artificial vem sendo uma grande aliada do varejo em treinamentos como vendas e uso de dados para o pós-venda e na gestão do relacionamento com o cliente. “É uma tecnologia que já começou a ser usada, mas ainda tem muito espaço para crescer.”
Já Rizzo pontua que é preciso ter cautela no uso da IA, que “tem sido vendida como uma solução mágica para aquilo que você não tem: conhecimento operacional do seu próprio negócio”. “A IA é uma ferramenta que pode auxiliar a melhorar aquilo que você já tem e pratica.”
Dicas práticas para franqueadores e franqueados
Para quem está à frente de uma franquia ou cogita abrir uma unidade, especialistas apontam recomendações essenciais:
- Avalie o suporte: antes de assinar o contrato, verifique qual é a trilha de treinamento oferecida pela franqueadora;
- Formação prática e teórica: prefira franqueadoras que ofereçam treinamento presencial e vivência prática em unidades próprias;
- Treinamento contínuo: mantenha uma rotina interna de capacitação para a equipe, mesmo com alto turnover;
- Plano de carreira: incentive o crescimento dos colaboradores;
- Qualidade da operação: busque conhecer a cultura da marca e garanta que ela chegue à sua unidade — com ações, comportamentos e símbolos alinhados.
“Uma cultura forte só se sustenta com capacitação contínua e uma liderança preparada para comunicar e viver os valores da marca”, reforça Roberta.
Rizzo finaliza ressaltando que “um franqueador profissional jamais aceitaria programas de terceiros aplicados aos seus franqueados e até mesmo aos funcionários das franquias”.
“Nenhum modelo externo poderá incorporar a cultura e o know-how do seu negócio. Existem casos em que você contrata programas de terceiros, mas devem ser ‘personalizados’ para o seu negócio e sua cultura. Por exemplo (há anos) na Shell desenvolvemos um programa de atendimento para frentistas dos postos de São Paulo. Na época, mais de 70% dos frentistas eram nordestinos e todo o treinamento foi ministrado com a linguagem de literatura de cordel.”
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