Quem disse que o papel vai acabar?
Por maior que seja o grau de informatização das companhias, haverá sempre documentos físicos para ser arquivados. É a insaciável burocracia legal
O que você vê na foto acima é um armazém de altura equivalente a três andares de um prédio em uma área do tamanho de um campo de futebol. Em suas prateleiras estão empilhadas caixas que guardam cerca de 10 milhões de documentos fiscais, jurídicos, planilhas de salários e uma enorme quantidade de informações absolutamente dispensáveis na operação do dia a dia de uma empresa. É improvável que mais do que 10% deles sejam novamente revisitados. São mortos-vivos salvos pela burocracia cartorial que ainda impera no país.
Todo o avanço tecnológico das últimas décadas não foi suficiente para eliminar a dependência de uma invenção lá do século II. O papel faz parte do cotidiano das empresas, e tudo indica que ele continuará a ser empilhado em mesas e arquivos por muitos anos ainda. Em parte isso vai acontecer porque há leis, regras e normas obrigando que informações sejam mantidas assim, nessa condição ancestral.
Alguns documentos, como contratos de trabalho, livro de registro de empregados, prontuário médico (no caso de hospitais), precisam ser guardados, em papel, permanentemente. Outros tantos, como a guias de previdência e o atestado de saúde ocupacional, devem ser armazenados por até 30 anos (veja quadro abaixo).
É paradoxal que obrigatoriedades como essas tenham sobrevivivo à “revolução” encabeçada pelo Sistema Publico de Escrituração Digital (Sped), que pressupõe a digitalização das informações fiscais, trabalhistas e previdenciárias. A insegurança jurídica que a eliminação do papel poderia causar foi a justificativa do governo federal para, ao editar a lei n° 12.682, que regrou o arquivamento eletrônico de informações, determinar a manutenção de originais em papel.
Para Mario Berti, presidente da Federação das Empresas de serviços Contábeis (Fenacon), a insegurança jurídica existe porque o contribuinte sempre espera que o fisco o coloque contra a parede. “Há uma inversão na justiça tributária: o contribuinte é que tem de provar que é inocente, ou seja, que não deve, quando o correto seria o fisco apontar os erros. Por isso tantos documentos são guardados, mesmo sem necessidade”, diz Berti.
Em geral, documentos que precisam ser armazenados por mais tempo, e em papel, dizem respeito à relação trabalhista. Um trabalhador que vai requerer a aposentadoria pode precisar buscar nas empresas informações sobre sua vida profissional pregressa, voltando até 30 anos no passado.
Mas a verdade é que 90% dos documentos guardados nunca serão tocados outra vez após seu arquivamento. A informação é da Associação das Empresas de Gerenciamento de Documentos (ABGD). Sim, existe uma entidade que agrega empresas que cuidam da papelada de outras empresas. É um nicho de mercado que cresceu muito nos últimos 10 anos, o que só evidencia o quanto o país é apegado ao papel.
BOM NEGÓCIO
Como o espaço ocupado por arquivos de documentos é considerado um espaço morto, muitas empresas preferem terceirizar a guarda dessa papelada. E elas costumam pagar mensalidades que variam de R$ 1,5 a R$ 1,8 por caixa de documentos estocada pela prestadora do serviço de armazenamento.
Em geral as empresa de gerenciamento de documento fixam um volume mínimo de 250 caixas por cliente. Ou seja, a mensalidade mínima para usar o serviço fica em torno de R$ 380.
“Temos clientes que nos confiam 90 mil caixas”, diz Gláucio Bley, proprietário da GigaBox, uma empresa de gerenciamento de documentos de Curitiba. Por baixo, são R$ 135 mil mensais apenas desse cliente. Ainda assim, as empresas têm optado por terceirizar a responsabilidade pela papelada. “O preço do metro quadrado é muito valioso para ser usado como depósito”, comenta.
Ao lidar com a papelada dos outros no dia-a-dia Bley diz ter notado que muito do que as empresa guardam poderia ser descartado. “Acabamos de receber caixas com documentos contábeis datados de 1975. O responsável por eles disse que tinha receio de autorizar a destruição desses papeis”, conta.
Prova clara de que o contribuinte vive com o receio de ser intimado a qualquer momento pelo fisco para prestar contas.
Por outro lado, há um certo apego dos empresários brasileiros pelo papel. “Recentemente chegaram aqui três caixas e quando abrimos para catalogar descobrimos que estavam cheias de calendários de 2012”, lembra Bley.
Os principais clientes desse tipo de serviço são bancos, financeiras, seguradoras, hospitais e faculdades. Mas empresas em geral, em especial as multinacionais, procuram cada vez mais terceirizar a guarda dos seus documentos.
Segundo Paulo Carneiro, proprietário da P3Image, a partir do momento em que os processos regulatórios ficaram mais críticos, com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Receita Federal fazendo mais exigências, as empresas começaram a dar mais atenção à gestão dos documentos.
A P3Image tem 16 mil metros quadrados de barracões para armazenar documentos. São dois em Itupeva, interior paulista, um na cidade de São Paulo e mais um no Rio de Janeiro. Em geral, essas empresas possuem espaços com mais de 10 metros de altura, com prateleiras que sobem até o teto. Isso mostra como esse tipo de serviço é requisitado.
Empresas como P3Image ou a GigaBox não são apenas “arquivos gigantescos”. Elas também gerenciam a papelada. Com o consentimento do cliente elas indexam cada documento, permitindo que sejam acessados a qualquer momento em meio a inúmeros outros. Claro que mediante um valor. “O gasto mínimo que uma empresa tem aqui é de R$ 500 ao mês, considerando a guarda, digitalização, localização e envio de documentos. Mas tenho contratos que chegam a R$ 500 mil”, diz Carneiro.