Proclamação da República

O 15 de Novembro foi a primeira grande utopia em favor de mudanças institucionais que levassem à modernização acelerada do país

João Batista Natali
13/Nov/2015
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O dia 15 de novembro de 1989 caiu numa sexta-feira e foi muitíssimo confuso para os republicanos.

Eles haviam espalhado na véspera o boato de que d. Pedro 2º expedira um decreto de prisão contra o pacato marechal Deodoro da Fonseca, veterano monarquista e herói da Guerra do Paraguai, e contra o tenente-coronel Benjamin Constant, que, como professor do Colégio Militar, formara uma geração de jovens oficiais republicanos.
 
Deodoro reagiu, dirigiu-se ao quartel-general do Exército e pediu a demissão do chefe do governo, Afonso Celso de Assis Figueiredo, o visconde de Ouro Preto.

O imperador, em Petrópolis e informado da confusão, pegou o trem de volta ao Rio de Janeiro, certo de que era uma simples crise ministerial que o obrigaria a escolher um novo primeiro-ministro.
 
D. Pedro cogitou nomear o liberal gaúcho Gaspar Silveira Martins, desafeto de Deodoro. Foi Quintino Bocaiuva quem passou a informação ao militar, enquanto republicanos se reuniam às 15h na Câmara Municipal e, auxiliados por José do Patrocínio – até a véspera monarquista e apologista da princesa Isabel – lavraram uma ata de proclamação da República.
 
Sem nada saber da reviravolta, d. Pedro mudou de ideia e encarregou de presidir o ministério seguinte o conservador José Antônio Saraiva. Este, então, contatou Deodoro, que o informou da República e que já estava assinando os primeiros atos como chefe do Governo Provisório.
 
Por um desses atos, o imperador deposto e sua família deveriam partir de imediato para o exílio. O que ele fez no dia 17, domingo, sem ensaiar a mínima resistência e depois de rejeitar uma indenização que o novo governo lhe oferecia.

Morreu dois anos depois, em Paris, vivendo modestamente de suas economias.
 
A propaganda republicana havia sido intensa desde meados de 1880, por mais que os defensores do novo regime tivessem pífia representação parlamentar (seis deputados eleitos nas três últimas eleições do Segundo Reinado).
 
Os historiadores hoje acreditam que a Monarquia caiu mais por causa de seu desgaste do que em razão da popularidade das ideias do regime a ser instituído.  
 
O Brasil era um país atrasado, com mais de 80% de analfabetos, uma indústria muito rudimentar, sem sistema bancário e poucas estradas de ferro, mesmo assim construídas pelos ingleses.

A Alfândega era praticamente a única fonte pecuniária do Orçamento. A abolição tardia da escravidão também pesava sobre a má reputação brasileira. 
 
A ideia de República gerava no imaginário de parte das oligarquias algo muito próximo de um sonho, pelo qual o país ganharia velocidade em seu progresso material e se aproximaria do exemplo mais que positivo dos Estados Unidos.
 
Comparativamente, os republicanos eram os portadores de uma utopia comparável à dos democratas de 1945 (queda do Estado Novo) ou à dos democratas de 1985 (fim do regime militar).

Era sedutor o plano de recomeçar a História em bases mais igualitárias, que permitissem a emergência daquilo que um século depois passou a ser chamada de cidadania. 
 
A verdade, no entanto, é que o atraso não vinha propriamente da Monarquia. Ele partia das oligarquias agrárias - açúcar, algodão, café -, da pequena urbanização (só um quinto dos brasileiros nas cidades), o que dificultava a circulação das ideias, e da estrutura patrimonialista da sociedade, tão bem estudada em 1958 por Raymundo Faoro (em “Os Donos do Poder”).

A Monarquia também deixou de ser vista como um anacronismo opressor e escravocrata a partir do trabalho de historiadores como José Murilo de Carvalho ou Lilia Moritz Schwarcz, que passaram a enxergar d. Pedro 2o bem mais como um arquiteto da unidade territorial do Brasil ou de um liberal desprovido de meios materiais para a construção de instituições burocráticas complexas, parecidas às de monarquias constitucionais europeias.

O fato era, no entanto, que a Monarquia estava em crise. E essa crise era em primeiro lugar do endividamento externo. A Guerra do Paraguai multiplicou por sete a dívida contraída junto aos bancos ingleses.

A seguir, da rejeição do trono pelos ex-proprietários de escravos (a Lei Áurea foi no ano anterior), que exigiam indenização estatal pela perda que diziam ter sofrido. 

Um outro conjunto de espinhos foi gerado na má relação do trono com a Igreja Católica. Pela Constituição de 1824, o Catolicismo era "religião oficial", e os padres, servidores públicos. O imperador puniu dois bispos, de Olinda e Belém,  que, em obediência ao Vaticano, excomungaram filiados à maçonaria.

Havia em seguida o descontentamento dos militares, que se julgavam aquilo que hoje chamaríamos de um grande e partido político nacional, mas que estavam proibidos de se manifestarem em público, sem a autorização do ministro da Guerra.

Também pesou, por fim, a circulação de ideias positivistas que concebiam uma sociedade estruturada segundo modelos que nada tinham a ver com os supostos direitos naturais ao comando da família Orleans e Bragança.

O fato é que d. Pedro estava exilado - ele sofria de diabetes numa época em que não havia a insulina - e os monarquistas brasileiros, como Joaquim Nabuco, de início acreditavam que o regime republicano teria duração efêmera, o que permitiria chamar de volta a princesa Isabel para que ela assumisse o trono.

O cenário foi bem outro. Começava a chamada República Velha - que persistiu até a Revolução de 1930 -, que descentralizou o poder e permitiu que as unidades da Federação ganhassem maior autonomia, justamente o que já havia sido discutido na Constituinte de 1823. 

Mas, sobretudo, pravaleceu a ideia de modernidade política, com o exercício alternado do Poder Executivo, por meio de eleições, e o fato de o Brasil ter recebido uma fatiota constitucional semelhante à de seus vizinhos de continente. A modernização da sociedade viria lenta e ainda aos poucos. A Monarquia virou bandeira saudosista, rejeitada por 86% dos eleitores no plebiscito de 1993.

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