Pós-NRF: Meirelles e especialistas avaliam desafios do Brasil e impactos da China
Expectativa é que em 3 anos as plataformas chinesas terão 50% do e-commerce brasileiro. Nesse movimento, 9% do mercado ficará com TikTok Shop

O ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles foi um dos destaques no evento Retail Trends Pós-NRF 2025 - promovido pela Gouvêa Experience, em São Paulo. Com vários especialistas em varejo, o economista analisou o atual momento econômico mundial e brasileiro e o que podemos esperar para o cenário global em breve.
Tradicionalmente, o Pós-NRF discute os temas apontados como tendências na NRF Retail’s Big Show, maior evento de varejo do mundo, que aconteceu recentemente em Nova York (EUA).
Meirelles destacou a China e como sua intensa produção tem afetado diversos mercados ao redor do mundo. “Lá, eles produzem incansavelmente e isso afeta grandes mercados globais. As pessoas trabalham mais de 12 horas por dia e há até dormitórios para os funcionários não perderem tempo voltando para casa. Em 2024, a China registrou um superávit comercial de US$ 900 bilhões, ou seja, exporta mais do que importa. Isso é um sinal.”
Além de desafiar a indústria tradicional, a China ainda pode impactar o setor de tecnologia. Um bom exemplo, segundo Meirelles, foi o caso da plataforma de inteligência artificial chinesa DeepSeek, que gerou caos nos mercados financeiros dos EUA após seu lançamento na semana passada. Isso porque o aplicativo chinês parece ser mais competitivo do que as tecnologias criadas pelas grandes empresas americanas.
A ferramenta chinesa ultrapassou o ChatGPT em downloads na loja de aplicativos da Apple na última segunda-feira (27). Além disso, a DeepSeek teria construído seu chatbot com custos de produção bem menores que os das concorrentes OpenAI (ChatGPT) e Google (Gemini). “Fatos como esse levantam questões sobre o futuro do domínio da IA pelos EUA”, avaliou Meirelles. O próprio presidente Donald Trump disse que o caso DeepSeek é um sinal de alerta.
O economista ainda avaliou as perspectivas do novo governo dos EUA. Para ele, é iminente um aumento na inflação americana por conta de políticas e restrições à entrada de imigrantes, entre outros fatores. “Podemos prever uma elevação das taxas de juros, o que acaba atraindo investimentos financeiros para os EUA e, consequentemente, impactando negativamente os outros países.”
Mas e o Brasil? O economista apontou avanços conquistados por reformas estruturais implementadas no passado, como a trabalhista e a financeira, a partir da qual se teve a criação do cadastro positivo e do Pix. “Tivemos resultados importantes com essas mudanças. Em 2023, cerca de 100 milhões de brasileiros usaram essa modalidade de pagamento. É nítido que o Brasil tem crescido mais do que o esperado.”
No entanto, ele acredita que o país tem um limite de capacidade de crescimento devido à expansão fiscal e alta carga tributária. Por isso, disse que o Brasil precisa de uma reforma administrativa para equilibrar as contas públicas, reduzir o déficit público e garantir a sustentabilidade no longo prazo.
ACELERAÇÃO ORIENTAL
Como adiantou o Diário do Comércio em reportagem sobre a NRF em Nova York, as tendências do mercado mundial de consumo englobam o varejo de valor, a inovação tecnológica e a ascensão da inteligência artificial. A aceleração asiática, assim como destacou Meirelles, fez parte de várias palestras durante o dia e gerou importantes discussões.
Marcos Gouvêa, diretor-geral da Gouvêa Ecosystem, defende que é preciso ter a mente aberta e abrir horizontes. “A Ásia tem provocado uma aceleração do Ocidente sem precedentes.”
Para falar do crescimento do comércio eletrônico da China, o Pós-NRF trouxe In Hsieh, sócio da Gouvêa China Desk e um dos precursores do mercado brasileiro de e-commerce. Foi ele quem trouxe a Xiaomi ao Brasil em 2014. “A China não é mais aquela que a gente conheceu no passado. Não é mais a China dos produtos baratos. Hoje, o país dita tendências globais”, disse.
Ele destacou que o próprio Trump, em seu primeiro mandato, quase baniu o TikTok e, agora, no segundo, dá apoio total à plataforma.
Novas empresas estão surgindo e se propagando rapidamente no mundo. Um exemplo, segundo Hsieh, é a Temu, ligada à gigante chinesa PPD Holding, criada pelo bilionário chinês Colin Huang, o terceiro mais rico do país. A Temu começou suas operações no Brasil em junho do ano passado, e foi criada há cerca de dois anos apenas.
“Hoje, a Temu é a segunda maior empresa de comércio eletrônico da China e uma das líderes internacionais no segmento. É o tipo de empresa que faz um e-commerce diferente daquele que estamos acostumados a ver entre seus concorrentes. Ele é mais integrado.”
A edição de dezembro de 2024 do "Relatório Setores do E-commerce no Brasil", produzido pela empresa Conversion, destacou que a Temu teve 107.241.708 acessos em novembro e foi a quinta mais visitada no ranking de plataformas e aplicativos de compras do país, superando, em número de acesso, outras tradicionais como Magalu, Shein, AliExpress e iFood.
NOVAS MARCAS CHINESAS
Hsieh lembrou que o Brasil é um dos maiores mercados de smartphones do mundo, com alguns líderes, como Apple, Samsung e Motorola. “Em 2024, já percebemos a chegada de outras tão qualificadas quanto as gigantes vendendo muito no Brasil e essa tendência vai se intensificar em 2025. A maioria das entrantes é chinesa, como Xiaomi, realme, Infinix, Oppo e Honor”, destacou.
Ele disse que o Brasil será um dos poucos países do mundo a ter todas as plataformas competindo entre si, como AliExpress, Shopee, Shein, Kwai, Temu, TikTok Shop, entre outras. “A estimativa é que 9% do mercado brasileiro de e-commerce seja dominado pelo TikTok Shop até 2028.” Atualmente, o domínio é do Mercado Livre (13%), seguido por Shopee (8,7%), Amazon (7,4%), OLX (3,7%) e Temu (3,7%).
As previsões de Hsieh vão além: “Em três anos, as plataformas chinesas deverão alcançar juntas 50% do e-commerce brasileiro. Esse domínio já vem acontecendo desde antes da pandemia. A Shein, por exemplo, foi criada para o mercado internacional. Você não encontra na China.”
As empresas chinesas, segundo o especialista, trazem modelos novos de negócios dentro de suas soluções. São atuações diferentes. “A Amazon tem um perfil agressivo. Quando entra em um mercado, como aconteceu no Brasil, chega com o pé na porta, derrubando os concorrentes. É um modelo império”, explicou Hsieh.
Já o Alibaba - dono do AliExpress e outras 40 marcas - atua em um modelo de ecossistema, onde coopera para desenvolver o mercado por meio de um grupo de empresas que oferecem serviços diversos. “A Amazon, por exemplo, só consegue monitorar suas operações, enquanto o Alibaba, por meio de um serviço de pagamento, consegue identificar até quando seus clientes compram nos concorrentes. Essa é uma visão de ecossistema totalmente inovadora.”
E esses ecossistemas não são apenas digitais. A Xiaomi, por exemplo, tem mais de mil produtos à venda, com mais de 100 startups investidas, criando mini Xiaomis setoriais. “Tem logística, transporte (patinetes), saúde, veículos e uma série de outros segmentos”, destacou o especialista da Gouvêa.
LIDERANÇA
Para efeito de comparação, em 2023, o volume de vendas da Amazon no mundo foi de US$ 693 bilhões, enquanto o Alibaba alcançou US$ 1,2 trilhão.
Em números de liderança global em e-commerce, a China tinha market share de 47% em 2016 contra 20,7% dos EUA. Já em 2019, a China alcançou 57%, enquanto os EUA caíram para 17,6%.
Outro dado interessante é que os marketplaces funcionam de formas diferentes no Ocidente e no Oriente. A Amazon, por exemplo, possui um modelo de Retail Ecommerce, ou seja, venda de produtos de estoque próprio, comprados com fornecedores e fabricantes locais.
Os criados na China operam com modelos inovadores, com destaque para três tipos. Os marketplaces cross border, como AliExpress, Shein e Shopee, atuam com venda online dos fornecedores e fabricantes, principalmente da China, diretamente para os consumidores finais em qualquer lugar do mundo.
A Temu, por sua vez, é um marketplace de 2ª geração, segundo Hsieh, ou seja, controlam sortimento e principalmente preços. “Os vendedores acabam se limitando ao papel de fornecedores”, explicou.
E tem o marketplace tipo Content Commerce, como o TikTok Shop, onde há a inclusão de conteúdos, principalmente em vídeos gravados de curta duração ou live streaming.
Por fim, o especialista destacou a força das live commerce chinesas. “O número de usuários de comércio eletrônico com transmissão ao vivo tem aumentado rapidamente na China.”
Dados do Ministério do Comércio da China revelam que, no primeiro semestre de 2023, o número de vendedores ativos de live commerce em todas as indústrias e setores atingiu 3,374 milhões. Em usuários, atingiu 597 milhões, representando 54,7% do total de internautas do país.
O Brasil já tem adeptos e a prática cresce. Um dos maiores sucessos em live commerce é o da influenciadora Virgínia, com sua marca WePink. Nas transmissões, ela chega a faturar entre R$ 5 milhões (cerca de 30 mil produtos) e R$ 15 milhões, dependendo do tempo, volume de produtos e descontos concedidos. Mas ela já chegou a bater R$ 22 milhões em uma única live.
IMAGEM: Gouvêa Ecosystem/divulgação