Por que relembrar a tragédia da Noruega
Diante do choque nacional causado pelo pior atentado terrorista de sua história, o país nórdico reagiu nos limites da lei
Acaba de estrear na Netflix um poderoso filme, intitulado 22 de Julho. A data é referência aos trágicos acontecimentos vividos por um dos países mais avançados social e políticamente do planeta, a Noruega.
Naquele dia, em 2011, uma explosão num conjunto de edifícios que abriga o gabinete do primeiro ministro matou 28 pessoas e deixou dezenas de feridos.
Como se não bastasse, outros 69 foram caçados e baleados a sangue frio em Utoya, uma ilha ao norte da capital, Oslo, onde 500 jovens participavam de um encontro promovido pela juventude do Partido Trabalhista.
Imaginou-se, a princípio, que se tratava de um atentado praticado por radicais islâmicos em represália à participação da Noruega nas atividades da Otan na Libia e no Afeganistão.
O país entrou em estado de choque quando o verdadeiro autor foi detido pela polícia em um bosque de Utoya. Era um compatriota de 32 anos, Anders Behring Breivik [na foto acima].
Mistura de psicopata e fanático da extrema-direita com histórico de família disfuncional, Breivik foi julgado e condenado.
Com precisão cirúrgica, o excelente filme dirigido por Peter Greengrass, também autor do roteiro, enfatiza a reação do governo, que instaurou um inquérito para investigar as falhas de segurança que possibilitaram o massacre -e, pessoalmente, o primeiro-ministro Jens Stoltenberg reuniu as famílias das vítimas para fazer autocrítica e pedir desculpas. Estas lhe disseram que o único culpado era o assassino.
Também enfatiza como em nenhum momento os princípios democráticos e processuais da Noruega foram abalados.
Durante o julgamento, o assassino pôde externar trechos de um manifesto que escreveu investindo contra imigração e multiculturalismo, após fazer a saudação nazista.
O advogado que aceitou a tarefa de defendê-lo tentou convencê-lo a optar por insanidade, para evitar a prisão, e ser enviado a uma instituição psiquiátrica, mas Breivik preferiu seguir a linha política que o condenou a 21 anos de prisão, prorrogáveis indefinidamente por um tribunal de Oslo.
O que chama a atenção em 22 de Julho, portanto, é a precisão cirúrgica com que o diretor Greengrass conduz seu roteiro. Após o julgamento, o advogado fez uma breve visita a Breivik na prisão para dizer que o trabalho estava concluído.
O terrorista estendeu-lhe a mão, gesto não retribuído pelo defensor. Breivik disse algo como “sou apenas o primeiro...outros virão”. O advogado respondeu que cada novo assassino seria combatido pelo país, por ele, e pelos filhos dele.
No momento em que uma inédita e preocupante onda de hostilidade cresce no Brasil por razões ideológicas, gerando intolerância mútua, episódios de agressões, desfazendo velhas amizades e criando novos inimigos, vale a pena recordar os acontecimentos da Noruega, onde uma população se uniu para curar uma ferida nacional.
O comportamento exemplar também se repetiu quando as engrenagens da Justiça se moveram, sem que nenhuma medida excepcional tenha sido tomada, além das previstas na constituição.
“Devemos lutar, mas não mudar”, disse então o premier Stoltenberg à imprensa. “Devemos fortalecer nossos valores e lutar contra o terror dentro das regras da lei”.
Eis um país civilizado, em que as diferenças políticas se acertam nas urnas, apenas nas urnas. Não há nós e eles. Não há ameaças. Não prevalece o espírito de vingança.
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