Pequenas inovadoras: uma empresa sem chefes, sem metas e sem orçamento fixo
A Vagas, que licencia softwares de recrutamento, tem um sistema de gestão em que não há hierarquias. Detalhe: vem crescendo ao ritmo de 25%, em média, a cada ano

As paredes do escritório da empresa Vagas, na zona sul da cidade de São Paulo, são cobertas por peças de arte. No saguão de entrada existe uma pequena exposição que é mudada de tempos em tempos. “Toda vez que temos uma nova exibição, o artista conversa com os funcionários sobre seu trabalho”, afirma Érica Isomura, da equipe de recursos humanos. A aparência pode até enganar, mas o negócio da Vagas não está relacionado com produção artística.
A empresa é uma das líderes no Brasil no licenciamento de softwares de recrutamento. Os produtos da Vagas –focados em atrair, identificar e selecionar candidatos– substituem aquele monte de currículos que ficavam empilhados no setor de recursos humanos. A Vagas foi fundada em 1999, depois que outro negócio dos engenheiros Mário Kaphan e Sidney Monreal Marti se tornou obsoleto. Na época, a Humana Informática desenvolvia browsers – janelas que eram abertas para se conectar à rede de computadores. Ao longo do tempo, a própria internet tornou esse tipo de serviço desnecessário.
Foi preciso repensar todo o negócio. Assim nasceu a Vagas, que atualmente emprega 160 funcionários e presta serviços para grandes clientes, como Votorantimn, Bunge, Volkswagen e o Grupo Pão de Açúcar. A ferramenta desenvolvida pela empresa ajuda a ligar dois pontos: os candidatos, que podem se registrar gratuitamente no site, e os setores de recursos humanos, que anunciam os cargos disponíveis e pagam para usar o sistema.
Quando uma vaga de trabalho é colocada na ferramenta da Vagas, a empresa começa receber os currículos das pessoas que são cadastradas no site e que demonstram interesse no cargo. O sistema também cria um ranking dos candidatos que mais se encaixam no perfil desejado pelos contratantes.
Além disso, o software é capaz elaborar testes para avaliar as capacidades dos interessados e agendar entrevistas presenciais. Dessa forma, os processos de recrutamento, seleção e contração se tornam mais ágeis e eficazes.
POR DENTRO DA VAGAS
O ambiente artístico da Vagas não está necessariamente relacionado com os serviços de software, mas faz parte de uma cultura empresarial que valoriza o bem estar dos funcionários. Muito mais do que uma decoração bonita, uma sala de descanso com vídeo game e da liberação dos trajes formais – comuns a todas empresas que querem parecer moderninhas –, os sócios optaram por uma transformação mais radical. Há três anos, eles decidiram abolir a hierarquia dentro da empresa.
Não há gerentes, analistas ou assistentes. Todos os funcionários têm a mesma posição. Não existe relação de mando. As soluções são planejadas coletivamente. Esse modelo é conhecido gestão horizontal. A Vagas decidiu adotar essa forma de organização quando a empresa foi crescendo e perdendo sua identidade. “Os fundadores perceberam que os valores da empresa não eram compartilhados por todos os funcionários e isso era prejudicial para o negócio”, diz Érica.
Num modelo tradicional de gestão, quando um funcionário precisa tomar uma decisão complexa, ele remete ao seu gestor que fica responsável por definir os próximos passos. “Então, quem realmente pratica os valores da empresa são as pessoas que estão nos cargos de gerência”, afirma Érica.
No modelo adotado pela Vagas, todos na equipe são responsáveis por resolver os possíveis problemas que podem aparecer. As decisões são tomadas em conjunto, mas quando há algo urgente que precisa ser solucionado, cada membro tem autonomia para resolvê-lo. Dessa forma, o papel tradicional do gestor é diluído no time.
A gestão horizontal da Vagas não surgiu de um manual ou foi copiada de outra empresa: foi sendo construída de forma orgânica. Os erros e acertos foram observados até que a empresa chegasse ao sistema atual, que ainda precisa de reparos.
A inspiração provém de experiências semelhantes bem-sucedidaso, como a Semco, do empresário paulista Ricardo Semler, que na década de 1980 já utilizava um modelo horizontal, e de internacionais como Morning Star, Wholefoods, Zappos, Valve. Os livros do especialista em gestão Gary Hamel também foram importantes.
COMO FUNCIONA NA PRÁTICA
Como o papel do gestor é distribuído entre todos, a organização da empresa teve que ser adaptada. Todos os funcionários são divididos em 30 áreas funcionais, como financeiro, comunicação, comercial, design, consultoria, treinamento. Dentro dessas equipes, não existem hierarquias, nem metas ou orçamento. Todos são igualmente responsáveis pela evolução dos trabalhos.
O foco da Vagas – como em qualquer empresa – é conseguir crescer e aumentar o faturamento, no entanto não há números a serem alcançados, nem mesmo na área comercial. Para avaliar os progressos são marcadas reuniões freqüentes em que são discutidas formas de alcançar melhores resultados.
Além disso, as áreas são responsáveis por contratar novos membros, desenvolvê-los e até indicar o desligamento de um dos funcionários. As decisões são tomadas em conjunto. “Não é uma votação em que a maioria vence. Deve realmente existir um consenso”, afirma Érica.
Além disso, há os comitês que são grupos multidisciplinares – em que pessoas de áreas diferentes se reúnem para tomar decisões mais complexas, por exemplo, para desenvolver novos produtos ou fazer o planejamento estratégico da empresa. Os funcionários que fazem parte desses comitês devem ter algum conhecimento que pode ajudar naquele assunto específico. A decisão sobre quem deve participar desses comitês, assim como todas as outras, é tomada em comum acordo.
O principal pilar dessa estrutura é baseado no princípio de que a participação e a responsabilidade devem ser compartilhadas por todos. Além disso, a qualquer momento, um funcionário pode abrir uma controvérsia sobre qualquer decisão. “É uma rede de trabalho, o que um funcionário faz pode causar impacto em toda a empresa”, afirma Érica.
OS ERROS COMETIDOS
Esse método de gestão não nasceu de um dia para outro. Foi e ainda é um processo de constante aprendizagem e ajustes. “Não nos importamos de errar, não somos uma empresa perfeccionista. Estamos sempre dispostos a tentar novas práticas que possam melhorar nosso desempenho”, diz Érica.
Uma das lições aprendidas, por exemplo, foi que as equipes deviam ter no máximo oito pessoas. Durante os primeiros anos da mudança, as áreas tinham muitos membros e as decisões demoravam em atingir o consenso.
“Não é um processo fácil porque não existe um modelo pronto. Não é apenas migrar para a gestão horizontal. É preciso mudar a cultura da empresa”, afirma o professor da Fundação Getúlio Vargas Pedro Zanni, que há cinco anos ajuda a construir o planejamento estratégico da Vagas.
Outro ajuste no modelo da Vagas está relacionado as reuniões das equipes. No início, elas acabavam se tornando discussões sobre as táticas operacionais da empresa. Foi preciso fixar prazos de entregas para que os debates fluíssem sem perder o foco. “Estipulamos que tarefas dadas são tarefas feitas, começamos as reuniões partindo desse pressuposto e também criamos alguns rituais que devem ser seguidos para que as discussões avancem”, diz Érica. Além disso, a Vagas criou uma ferramenta de intranet para que os projetos das equipes fiquem visíveis a todos os funcionários.
ADMISSÃO E REMUNERAÇÃO
Tornar-se um funcionário da Vagas não é algo simples. O processo tem duração de cerca de 90 dias. Durante esse período, o candidato é submetido a entrevistas e testes e recebe muitas informações sobre a gestão horizontal da empresa. “Sabemos que não são todas as pessoas que conseguem se adaptar à nossa cultura, por isso fazemos uma seleção meticulosa”, afirma Érica.
Como o candidato será contratado para fazer parte de uma das equipes, por isso, todos os membros conhecem os candidatos e ajudam a selecionar o melhor. Além das habilidades técnicas, a história de vida é também levada em consideração. “Contratamos pessoas, não cargos”, afirma Érica. Para o Zanni, esse tipo de gestão ajuda a empresa a reter talentos, principalmente aqueles que têm vocação empreendedora: “Os funcionários ficam envolvidos na gestão e se sentem parte da empresa”.

Não há posições e nem hierarquia, então todos têm o mesmo salário? Não. A remuneração é definida por um dos comitês, composto pelos funcionários dos recursos humanos, do financeiro e os fundadores. Para estabelecer o valor são levados em consideração o mérito interno e o mercado externo. A única regra dentro da Vagas é que ninguém pode revelar o valor do seu salário, pois se trata de uma decisão subjetiva. É confidencial e, caso esse acordo seja descumprido, pode levar a demissão. Se um dos funcionários estiver descontente com o salário, ele tem liberdade para contestar e pedir que o caso seja avaliado pelo comitê.
RESULTADOS
À primeira vista, a gestão da Vagas pode parecer caótica, mas na prática funciona muito bem. A empresa consegue manter um crescimento anual numa média de 25% ao ano. Além disso, em 2014, conquistou o prêmio Management Innovation Exchange – iniciativa que reconhece os modelos alternativos de gestão ao redor do mundo e entraram ranking das melhores empresas para se trabalhar da GPTW (Great Place to Work). “Apesar de dar certo na Vagas, a gestão horizontal não é a solução para todas as empresas. Não incentivamos ninguém a adotá-la. Foi o que combinou com a nossa identidade”, afirma Érica.
Pedro Zanni acredita que modelos com o da Vagas são uma tendência e podem ajudar no crescimento das empresas: “As organizações com menos hierarquias conseguem se adaptar mais rapidamente as mudanças do mercado, o que costuma ser uma vantagem competitiva”.