Pequenas importações, grandes problemas

Compras de produtos do exterior por pessoas físicas, muitas vezes isentas de imposto aduaneiro, estão afetando o comércio, a indústria e o emprego, além da receita tributária

Marcel Solimeo
27/Mar/2023
Economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo
  • btn-whatsapp
Pequenas importações, grandes problemas

A reforma tributária em pauta, baseada na sistemática do IVA, é apresentada por seus defensores como um sistema moderno e sem problemas, com alíquota única, sem isenções ou estímulos e que, ao adotarmos no Brasil, nos conduzirá ao “crescimento econômico chinês”.

Se em religião sigo Santo Agostinho, “crer para ver”, em economia me baseio mais em São Thomé, “ver para crer”, e, por isso, passei quase um dia inteiro lendo o Relatório da OCDE de 2022 sobre o IVA nos países que compõem esse bloco de nações desenvolvidas, ao qual o Brasil aspira entrar.

Como o relatório tem 249 páginas, inúmeras tabelas e anexos, comparações de soluções e de problemas entre os diferentes países, vou destacar apenas alguns dos pontos que, a meu juízo, mostram que o IVA na OCDE está em processo de transformação decorrente, principalmente, da evolução da tecnologia e das comunicações.

O primeiro ponto é que não existe alíquota única nos países analisados. Isenções, incentivos e sistema diferenciados são normais. O segundo é que esse sistema funcionou bem na era analógica, pois em estados unitários, as fronteiras e as barreiras alfandegarias protegiam o mercado local.

A “destruição criativa” de Schumpeter, no entanto, provocou uma ruptura, pois a tecnologia exigiu mudanças tanto nos mercados internos como nas relações comerciais em todo o mundo. O crescimento do comércio eletrônico, a expansão das plataformas digitais, a explosão das importações de pequeno valor, a evolução dos meios de pagamentos e as fraudes digitais e não digitais obrigaram os países da OCDE a promover profundas alterações nas sistemáticas do IVA.

Assim, do velho IVA, que serve de modelo para as propostas no Brasil, restam apenas alguns princípios. Não vou me aprofundar no detalhe das medidas adotadas pelo bloco para se adaptarem ao mundo tecnológico, pois foram muitas e, inclusive, com diferenças entre países, mas destacar alguns problemas urgentes que temos com o nosso IVA “caipira”, o ICMS, semelhantes aos enfrentados nos países da OCDE.

No Brasil, “o velho está morrendo e o novo não pode nascer”, como dizia Antonio Gramsci. Convivemos com os problemas do imposto tradicional do ICMS, como a questão da origem e destino, a substituição tributária e outras, e ao mesmo tempo enfrentamos as dificuldades criadas pela tecnologia, como o forte crescimento do comércio eletrônico, a rápida expansão das plataformas digitais internas e externas, a explosão das “pequenas importações” por pessoas físicas, como são chamadas as compras do exterior, isentas do pagamento do imposto aduaneiro.

A isenção dessas compras do exterior no Brasil decorre (como era também nos países da OCDE) da dificuldade da Alfândega para analisar essas importações, cujo valor e volume era baixo, e não representava ameaça ao mercado interno. O problema, agora, é que o montante dessas compras no exterior vem atingindo proporções alarmantes (fala-se em 600 a 700 mil pacotes por dia), afetando não apenas o comércio, como em muitos segmentos, também à indústria e o emprego, além da receita tributária.

Precisamos de medidas urgentes para estancar esse problema, que não pode esperar pela reforma tributária em 2024 ou 2025 porque, como disse o Padre Vieira, citado pelo ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, “as enfermidades do presente não se curam com remédios futuros”.

Ao mesmo tempo que se resolve a questão das “pequenas importações”, se pode atacar outros problemas do comércio eletrônico, como, em muitos casos, a venda de produtos por meio de plataformas que não recolheram o imposto devido, representando concorrência desleal.

Para que se tenha ideia da gravidade e a urgência de soluções para problema das plataformas e das “pequenas impostações”, apresento abaixo alguns trechos do Relatório da OCDE, que mostram a grande mobilização que esse tema provocou, e algumas das soluções que foram adotadas.

Antes de constitucionalizar o IBS com sua rigidez, vamos resolver os problemas do passado que não morreu, reformando o ICMS pela via infraconstitucional, mas, também, os do futuro que está chegando e trazendo novos desafios, como as questões do comércio eletrônico, das plataformas e das “pequenas importações”, que são mais do que urgentes, são angustiantes para alguns segmentos da economia. O importante é agir rapidamente.

Trechos do Relatório:        

- Os desafios fiscais internacionais da economia digital dominam o diálogo sobre a administração do IVA. No centro de muitos desses desafios está a capacidade das empresas de realizar atividades econômicas dentro de uma jurisdição sem presença física nessa jurisdição, como os serviços e incorpóreos fornecidos digitalmente, bem como ao volume continuamente crescente de bens de baixo valor adquiridos por consumidores privados a fornecedores não residentes.

- A utilização das regras históricas de tributação para esses serviços que podem ser entregues remotamente conduziu a incertezas cada vez mais significativas, distorções da concorrência, dupla tributação, não tributação não intencional e perdas de receitas.

- O crescimento da economia digital mudou fundamentalmente a natureza das vendas e distribuição no comércio B2C.  As plataformas digitais permitem que empresas acessem com eficiência milhões de consumidores nas transações de comércio digital globalmente. O papel cada vez mais dominante das plataformas digitais oferece oportunidades significativas para aumentar a eficiência e a eficácia da cobrança do IVA sobre os fornecimentos por grande número de fornecedores individuais. Além disso, a imposição de obrigações de conformidade com o IVA à plataforma exime, em princípio, os fornecedores não residentes subjacentes de incorrerem nos encargos econômicos e administrativos decorrentes do cumprimento das obrigações de IVA associadas na jurisdição fiscal

- As isenções de IVA para as importações de bens de baixo valor tornam-se cada vez mais difíceis de suportar no contexto da crescente economia digital. Quando foram introduzidas, a maior parte das franquias de baixo valor na importação, as compras pela Internet não existiam e o nível das importações que beneficiavam da franquia era relativamente baixo. Nos últimos anos, no entanto, a maioria dos países tem visto um crescimento significativo e rápido no volume de importações de baixo valor de bens físicos de vendas on-line sobre as quais o IVA não foi cobrado. Disso resultaram pressões concorrenciais desleais sobre os varejistas nacionais, que são obrigados a cobrar IVA, e na diminuição das receitas dos governos. Também criou um incentivo para que os fornecedores nacionais se mudassem para uma jurisdição offshore, a fim de vender seus bens de baixo valor sem IVA.

- As características comuns de todos regimes é que as importações de bens de baixo valor destinados a consumidores finais já não são isentas de IVA, colocando, em princípio, os vendedores estrangeiros e nacionais desses bens em pé de igualdade.

- Os países estão também cada vez mais preocupados com o controle das transações em numerário no ambiente das empresas face ao consumidor (B2C) e mais de um terço dos países da OCDE com IVA (16 em 37) implementaram requisitos para que os fornecedores utilizem caixas registadoras eletrônicas, ou exigem a transmissão sistemática desses dados à administração fiscal.

 

IMAGEM: Jonne Roriz/AE

O Diário do Comércio permite a cópia e republicação deste conteúdo acompanhado do link original desta página.
Para mais detalhes, nosso contato é [email protected] .

Store in Store

Carga Pesada

Vídeos

Alexandra Casoni, da Flormel, detalha o mercado de doces saudáveis

Alexandra Casoni, da Flormel, detalha o mercado de doces saudáveis

Conversamos com Thaís Carballal, da Mooui, às vésperas da abertura de sua primeira loja física

Entenda a importância de planejar a sucessão na empresa